História da música “Travessia”, de Milton Nascimento

Lívia Nolla
10:40 15.05.2025
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Lívia Nolla

Cantora e Pesquisadora Musical
Curiosidades

História da música “Travessia”, de Milton Nascimento

Primeiro sucesso de Bituca é uma parceria com Fernando Brant. Confira especial do site da Novabrasil

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- 15.05.2025 - 10:40
História da música “Travessia”, de Milton Nascimento
Milton Nascimento e Fernando Brant, compositores da música "Travessia" | Foto: Arquivo Estado de Minas

Hoje vamos conhecer a história da música “Travessia”, primeiro sucesso de Milton Nascimento e canção responsável por tornar o seu nome conhecido no mundo inteiro.

Mas antes, vamos entender como Bituca chegou até essa “Travessia” e atingiu o hall de estrelas da música mundial.

Sobre Milton Nascimento

Milton Nascimento é um dos maiores artistas do mundo e uma das maiores vozes da música popular brasileira.

Grande compositor, excelente cantor, importante intérprete e multi-instrumentista, Milton é reconhecido mundialmente como um dos mais influentes e talentosos artistas  de todos os tempos.

Vencedor de três Grammy Latinos e um Grammy Award, suas canções já foram regravadas por quase todos os maiores nomes da MPB, como Elis Regina, Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Chico Buarque, além de grandes nomes internacionais como Sarah Vaughan, Peter Gabriel e Bjork. 

Tendo se apresentado pelo mundo todo, em países da América do Sul e do Norte, da Ásia, África e Europa, Milton Nascimento influencia e é inspiração para uma geração de artistas da música brasileira.

Nascido em 1942, em uma comunidade do bairro da Tijuca – no Rio de Janeiro – Milton é filho da diarista Maria do Carmo do Nascimento, que foi abandonada grávida por seu primeiro namorado e registrou o filho como mãe solo. 

Mesmo muito pobre,  Maria tentou criar Milton, com ajuda de sua mãe – viúva e também diarista – mas, ainda muito jovem, entrou em depressão e morreu de tuberculose, antes mesmo de Milton completar dois anos. 

Ainda no Rio, Milton ficou sob os cuidados da avó e morou na casa de sua madrinha – onde a avó trabalhava – sendo muito apegado a todos da família dela. Mas, logo, precisou mudar-se com a avó para Juiz de Fora, ficando muito triste, pois sentia saudade da família de sua madrinha.

Até que, uma das filhas da madrinha, a professora de música Lília Silva Campos, que era muito apegada a Milton e tinha uma relação muito forte com o garoto, além de ser recém-casada e não estar conseguindo engravidar, propôs adotá-lo. 

A avó concordou, desde que o trouxessem para que ela o visse algumas vezes e que não tirassem o nome da sua mãe do registro. O casal concordou e Milton Nascimento foi então adotado por Lilia e seu marido Josino Campos, sempre sabendo de sua história e de suas origens.

Logo, a família mudou-se para Três Pontas, em Minas Gerais, local onde Milton cresceu e que considera sua terra natal, pela qual tem muito carinho. Lilia era professora de música e tinha estudado com Heitor Villa-Lobos, e Josino era dono de uma estação de rádio. Por isso, Milton Nascimento conviveu muito de perto com a música, desde sempre.

Milton foi apelidado de Bituca ainda criança, por sempre fazer um grande bico quando estava contrariado.

Antes mesmo de completar sete anos, Bituca ganhou uma gaita e uma sanfona de quatro baixos. Passava horas sentado na varanda de casa, tocando os dois instrumentos ao mesmo tempo, com a ajuda dos joelhos para segurar a gaita. 

Como a sanfona era precária, o pequeno Milton completava as notas que faltavam com o som da sua voz. Então, desde muito cedo, passou a explorar sua bela voz, que se tornaria uma das mais incríveis do Brasil e do mundo.

Seu primeiro violão, aos 13 anos, foi um presente endereçado à mãe, que Milton recebeu em casa em um momento em que Lilia estava fora, e que ele contou que – da porta – foi direto para o seu quarto. Lá, o jovem passava horas estudando o instrumento. 

Milton Nascimento e Fernando Brant, compositores da música “Travessia” | Imagem: Reprodução

A partida, a “travessia” e a chegada 

Nessa época, Milton Nascimento fez amizade com Wagner Tiso e formou com ele o “Luar de Prata”, seu primeiro conjunto musical. 

Em 1960, a banda evoluiu para “Milton Nascimento e seu Conjunto”, com o qual se apresentou em várias cidades da região. No mesmo ano, junto com outros amigos, a dupla Milton e Wagner formou o grupo Ws Boys.

O grupo fez tanto sucesso, ambos foram convidados para integrar o Conjunto Holliday, em Belo Horizonte, com o qual o cantor gravou o seu primeiro compacto: “Barulho de Trem”, ainda em 1960.

Em 1963, Milton mudou-se definitivamente para Belo Horizonte e se instalou em uma pensão do Edifício Levy, onde conheceu a família Borges, da qual pertencem Márcio, e Telo Borges, que logo se tornariam seus grandes parceiros musicais, além de grandes amigos. 

Em 1964, Bituca montou com Wagner Tiso e Paulinho Braga, o “Berimbau Trio”, no qual começou como contrabaixista. Entre as apresentações do grupo, Milton Nascimento compôs pela primeira vez, e – a partir de então – nunca mais parou, tornando-se também um dos maiores compositores do país. Ainda nesse período, gravou o disco “Quarteto Samba-cana”, como compositor Pacífico Mascarenhas.

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Em 1966, Milton participou do Festival Berimbau de Ouro, em São Paulo, defendendo a  canção “Cidade Vazia”, de Baden Powell e Lula Freire. No mesmo ano, teve sua primeira música gravada, pelo conjunto “Tempo Trio”: a instrumental “E a Gente Sonhando”. Ainda em 1966, Elis Regina gravou a sua música “Canção do Sal”, sendo esse o começo da projeção nacional de Milton Nascimento.

Fernando Brant e Milton Nascimento \ Imagem: Reprodução

A história da música “Travessia”

Contrariado com o clima competitivo dos festivais, Milton decidiu nunca mais participar de um. Acontece que, em 1967, o artista conheceu Agostinho dos Santos, durante uma de suas apresentações em um bar da capital paulista. Agostinho disse a Bituca que ia gravar um disco e pediu a ele uma fita com três músicas. Mas, na verdade, o amigo as inscreveu escondido no II Festival Internacional da Canção (FIC)

As três canções de Milton foram classificadas e ele foi eleito o melhor intérprete do Festival. A música “Travessia”, parceria sua com Fernando Brant, ficou em segundo lugar, tornando-se – depois – uma das músicas mais conhecidas e gravadas de Milton Nascimento, no Brasil e no exterior, e uma das músicas mais importantes da MPB.

Logo após o FIC, Milton gravou o seu primeiro disco solo, com participação do “Tamba Trio”, álbum que levou o nome de “Milton Nascimento – Travessia”. 

Milton Nascimento sempre teve o hábito de compor e constantemente pensava em quem poderia escrever as letras para suas músicas.  Ao criar uma nova melodia, veio à sua mente o jovem mineiro Fernando Brant, um estudante de direito que ele havia conhecido por intermédio de amigos em comum. 

Bituca entregou uma fita cassete para Fernando escutar a música, sobre a qual eleestava pensando ter como tema um caixeiro viajante que chegava em cada cidade, assim como um vendedor de sonhos.

Fernando Brant por sua vez, nunca havia pensado em ser um letrista, mas não teve como recusar um pedido do amigo que tanto admirava. Pegou então o gravador e ouviu a fita por diversas vezes, para perceber ou sentir o que aquela melodia lhe transmitia.

Diferente do caixeiro-viajante sugerido por Milton, Fernando pensou na dor e sofrimento de um amor não correspondido, e no esforço para superá-lo. A sua letra fala sobre a angústia dos dias vazios diante de alguém que foi embora, mas também trata da esperança de amar de novo e da importância de recomeçar.

O título “Travessia” faz referência à última palavra do romance “Grande Sertão Veredas”, de Guimarães Rosa – livro preferido de Brant na época: “O diabo não há! É o que eu digo, se for… Existe é homem humano. Travessia.”

E ao interpretarmos a letra mais a fundo, podemos entender também sutis menções críticas à ditadura vivida na época, como nos versos: “Minha casa não é minha / E nem é meu este lugar / Estou só e não resisto / Muito tenho pra falar” ou “Meu caminho é de pedra / Como posso sonhar?”.

A canção colocou Minas Gerais no cenário musical da época e foi um divisor de águas na música popular brasileira. Foi regravada por diversos intérpretes da MPB, como Elis Regina e Jair Rodrigues, e ganhou uma versão em inglês – chamada “Bridges” – que entrou para o segundo disco de Milton e foi gravada por astros internacionais como Sarah Vaughan e Tony Bennett. Bjork a gravou em português!

Além de um marco na carreira de Milton Nascimento e Fernando Brant, Travessia” é uma das músicas mais regravadas das mais de 200 composições em parceria da dupla.

Foi também o embrião do que viria a se tornar o Clube da Esquina, um dos maiores e mais importantes movimentos da música popular brasileira, formado por – além de Bituca e Fernando Brant – artistas mineiros como os irmãos e Márcio Borges, Beto Guedes, Wagner Tiso, Tavinho Moura, Toninho Horta, Flávio Venturini e outros. 

A sonoridade inovadora do Clube da Esquina trazia a fundição das inovações propostas pela Bossa Nova com elementos do jazz, do rock (principalmente dos ingleses The Beatles), da música folclórica, da música regional mineira, erudita e hispânica. 

Essas influências permeiam todo o trabalho musical do Clube: desde a composição, aos arranjos, às letras, processos de gravação em estúdio e shows.

Logo, o grupo tornou-se referência de qualidade na música brasileira, pelo alto nível de sua performance, e por disseminar suas inovações e influência nacional e internacionalmente.

O álbum “ Clube da Esquina”, de 1972, é considerado um dos mais importantes da história da MPB de todos os tempos.

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Lívia Nolla

Lívia Nolla é cantora, apresentadora e pesquisadora musical

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