Cordel: a poesia do sertão; 6 obras para se apaixonar pela literatura popular

Clarissa Sayumi
16:27 08.04.2025
Arte e cultura

Cordel: a poesia do sertão; 6 obras para se apaixonar pela literatura popular

Do clássico "Pavão Misterioso" às sátiras de Lampião, descubra histórias rimadas que encantam gerações

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- 08.04.2025 - 16:27
Cordel: a poesia do sertão; 6 obras para se apaixonar pela literatura popular
Cordel: a poesia do sertão; 6 obras para se apaixonar pela literatura popular

Imagine chegar a uma feira nordestina e se deparar com folhetos coloridos pendurados em cordas, contando histórias de amor, aventura e humor ácido. Essa é a literatura de cordel – uma tradição que mistura poesia, arte e oralidade, nascida no século 19 e que continua viva até hoje.

Por que o cordel merece sua atenção?
✔️ Raízes profundas: Herança dos trovadores medievais adaptada ao sertão brasileiro
✔️ Crítica social afiada: Dos cangaceiros aos políticos, nada escapa aos versos
✔️ Linguagem única: Rimas que seguem o ritmo do repente

Você sabia?

  • Em 2018, o cordel foi reconhecido como Patrimônio Cultural do Brasil
  • O maior cordel já escrito tem 1.103 estrofes (“Os Três Cavaleiros do Apocalipse”)
  • Artistas como Elba Ramalho e Cordel do Fogo Encantado levaram o gênero para os palcos


6 cordéis imperdíveis

1. “O Romance do Pavão Misterioso” – José Camelo de Melo

“Era uma vez um pavão
Que voava sem destino
Num castelo de marfim
Morava um rei muito fino…”


Este clássico do cordel mistura elementos de contos de fadas europeus com o imaginário nordestino. A narrativa fantástica sobre um pavão encantado que se transforma em homem para salvar uma princesa revela como o cordel adaptava histórias universais ao contexto local. A obra é marcada por uma linguagem poética e estrutura narrativa bem elaborada, mostrando a sofisticação da literatura popular.

2.“A Chegada de Lampião no Inferno” – José Pacheco

“Lampião, muito invocado,
Chegou logo perguntando:
 — Quem comanda esta bodega?
Que eu já chego atirando!”


Uma das sátiras mais famosas do cordel, onde o mítico cangaceiro desafia o próprio diabo. O poema transforma Lampião em herói popular, invertendo a visão moralista sobre o banditismo. A irreverência e o humor ácido criticam tanto o poder estabelecido quanto as convenções religiosas, mostrando como o cordel podia ser subversivo.


3.“O Cachorro dos Mortos” – Leandro Gomes de Barros

“Quem passar na estrada escura
E ouvir um latido forte
Foge correndo com medo
Do cachorro da morte!”

Este cordel revela o lado sombrio e macabro da literatura popular. Com elementos de terror folclórico, a história do cachorro fantasma que assombra viajantes reflete medos ancestrais do sertão. Leandro Gomes de Barros, pioneiro do gênero, demonstra aqui sua versatilidade ao mesclar suspense e tradição oral.

4. “A Proeza de João Grilo” – João Ferreira de Lima

João Grilo foi um cristão 
que nasceu antes do dia
criou-se sem formosura
mas tinha sabedoria
e morreu depois da hora
pelas artes que fazia.

E nasceu de sete meses
chorou no bucho da mãe
quando ela pegou um gato
ele gritou: não me arranhe
não jogue neste animal
que talvez você não ganhe.”


Personagem central do imaginário nordestino, João Grilo representa o trickster, o esperto que sobrevive pela astúcia. Este cordel traz a inteligência popular contra opressores, mostra como o fraco pode vencer o forte pela esperteza. A narrativa ágil e cheia de reviravoltas mantém o leitor engajado.


5. “O Agregado e o Operário” – Patativa do Assaré

 “Sou matuto do Nordeste
criado dentro da mata
caboclo cabra da peste
poeta cabeça chata
por ser poeta roceiro
eu sempre fui companheiro
da dor, da mágoa e do pranto
por isto, por minha vez
vou falar para vocês
o que é que eu sou e o que canto.

Sou poeta agricultor
do interior do Ceará
a desdita, o pranto e a dor
canto aqui e canto acolá
sou amigo do operário
que ganha um pobre salário
e do mendigo indigente
e canto com emoção
o meu querido sertão
e a vida de sua gente.

Procurando resolver
um espinhoso problema
eu procure defender
no meu modesto poema
que a santa verdade encerra
os camponeses sem terra
que o céu deste Brasil cobre
e as famílias da cidade
que sofrem necessidade
morando no bairro pobre.

Vão no mesmo itinerário
sofrendo a mesma opressão
nas cidades, o operário
e o camponês no sertão
embora um do outro ausente
o que um sente o outro sente
se queimam na mesma brasa
e vivem na mesma Guerra
os agregados sem terra
e os operários sem casa.

Operário da cidade
se você sofre bastante
a mesma necessidade
sofre o seu irmão distante
levando vida grosseira
sem direito de carteira
seu fracasso continua
é grande martírio aquele
a sua sorte é a dele
e a sorte dele é a sua.

Disto eu já vivo ciente
se na cidade o operário
trabalha constantemente
por um pequeno salário
lá nos campos o agregado
se encontra subordinado
sob o jugo do patrão
padecendo vida amarga
tal qual burro de carga
debaixo da sujeição.

Camponeses meus irmãos
e operários da cidade
é preciso dar as mãos
cheios de fraternidade
em favor de cada um
formar um corpo comum
praciano e camponês
pois só com esta aliança
a estrela da bonança
brilhará para vocês.

Uns com os outros se entendendo
esclarecendo as razões
e todos juntos fazendo
suas reivindicações
por uma democracia
de direito e garantia
lutando de mais a mais
são estes os belos planos
pois nos direitos humanos
nós todos somos iguais”.

Veja também:

Em seu texto, Patativa traça um paralelo entre camponeses e operários, mostrando que, apesar de suas realidades distintas, ambos enfrentam opressão e violência sistêmicas. Por fim, ele convoca uma união entre os trabalhadores do campo e da cidade na luta por direitos, afirmando que a desigualdade é inaceitável, pois todos, como seres humanos, merecem dignidade e oportunidades iguais.

6. “Romance de Luzia-Homem” – Arievaldo Viana

“Seca de setenta e sete
Estranho e terrível mal
O século é dezenove
E o cenário é Sobral
Sob um sol causticante
Vemos uma retirante
Lá no morro do curral.


O seu talhe é esbelto
E o rosto muito bonito
Possui o braço mais forte
Nesse cenário maldito
Canseiras não a consomem
Lhe chamam Luzia-Homem
Pelo seu jeito esquisito.


O seu pai era vaqueiro
Na fazenda Ipueira
Por não ter um filho homem
Transformou-a em vaqueira
Nas lidas do dia-a-dia
E a fama de Luzia
Corria aquela ribeira.


O pai morreu, veio a seca
Mudou então seu destino
Tornou-se uma retirante
Grão de areia pequenino
No mar da vida jogado…
Só dois amigos a seu lado
Eram Alexandre e Raulino”


Este cordel retrata a seca de 1877 no Ceará através da história de Luzia-Homem, uma mulher forte que vira vaqueira após a morte do pai. Quando a seca chega, ela vira retirante, mostrando como a natureza destruía vidas no sertão. O texto mistura dor (a seca cruel) e resistência (Luzia enfrentando tudo), com linguagem simples que cria cenas marcantes, como ela caminhando sob o sol causticante com seus dois únicos amigos.

Por que o cordel merece ser lido hoje?

A literatura de cordel é uma arte viva, que se reinventa e continua a encantar. Seus versos falam de amor, justiça, humor e resistência, temas universais em qualquer época.

Dicas para se aprofundar:

  • Visite feiras culturais nordestinas.
  • Siga cordelistas contemporâneos nas redes sociais.
  • Experimente escrever seu próprio cordel!

Que tal começar lendo um desses clássicos? O Nordeste (e o Brasil) agradecem!

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