As músicas de Dorival Caymmi: maiores sucessos e suas histórias

Lívia Nolla
11:29 17.12.2024
Autor

Lívia Nolla

Cantora e Pesquisadora Musical
Música

As músicas de Dorival Caymmi: maiores sucessos e suas histórias

Conheça as histórias de 10 dos maiores sucessos de Dorival Caymmi, um dos mais importantes nomes da música brasileira de todos os tempos

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- 17.12.2024 - 11:29
As músicas de Dorival Caymmi: maiores sucessos e suas histórias
O grande artista baiano Dorival Caymmi | Foto: Reprodução

Um dos maiores nomes da música popular brasileira de todos os tempos, o baiano Dorival Caymmi, é responsável por alguns dos grandes sucessos da nossa história. Hoje, vamos conhecer as histórias por trás de 10 das principais músicas de Dorival Caymmi.

Quem foi Dorival Caymmi?

Caymmi foi um artista múltiplo: cantor, compositor, instrumentista, poeta, pintor e ator. Nascido em Salvador, começou a se interessar por música e pintura ainda menino. O pai era músico amador e a mãe cantava muito bem. 

Aos 20 anos, estreou como cantor e violonista em programas da Rádio Clube da Bahia e logo passou a apresentar o musical Caymmi e Suas Canções Praieiras. Com 22 anos, venceu, como compositor, o concurso de músicas de carnaval com o samba A Bahia Também Dá.

Logo, Caymmi mudou-se para o Rio de Janeiro e passou a cantar suas composições na rádio e em programas de calouro. Em 1938, aos 24 anos, compôs o grande clássico O Que É Que a Baiana Tem?, que virou um grande sucesso na voz de Carmen Miranda, em sua interpretação para o filme Banana da Terra. Com a canção, a Pequena Notável ganhou projeção internacional e seguiu carreira em Hollywood.

A partir daí, Dorival Caymmi foi responsável por compor inúmeros sucessos que transformaram para sempre a história da cultura do nosso país. Além dos temas importantes que retratava, suas canções eram poesia pura e dispunham de uma impressionante riqueza rítmica e melódica, tendo uma relevância imensa para a formação do que se chamou de música popular brasileira.

Caymmi compunha como ninguém sobre os hábitos, costumes e tradições da sua terra, a Bahia, e do povo baiano, tendo forte influência da música e da cultura negra, reforçando a ancestralidade africana. Ele também é muito conhecido sobre suas canções praieira e sobre o mar.

Com a forte influência e relevância de Dorival Caymmi, sua família tornou-se um verdadeiro caldeirão musical: seus três filhos são Dori, Danilo e Nana Caymmi – nomes importantíssimos da nossa música brasileira – e suas netas Alice e Juliana seguiram o mesmo caminho. Sua esposa, Stella Maris, também era cantora de rádio.

Dorival Caymmi no início da carreira | Foto: Reprodução

O baiano foi gravado pelos principais nomes da música brasileira e influenciou uma geração inteira de artistas que vieram depois.

Dorival Caymmi nos deixou em 2008, aos 94 anos, tendo transformado para sempre a história da música popular brasileira e deixado um legado imensurável para o nosso povo e nossa cultura. 

Hoje, vamos relembrar a história de alguns dos maiores sucessos de Dorival Caymmi! Músicas que – se você não gosta – “bom sujeito não é”! “É ruim da cabeça, ou doente do pé”!

As histórias dos maiores sucessos de Dorival Caymmi

1 – Samba da Minha Terra

Em 1940, Dorival Caymmi destacou-se com a canção “O Samba da Minha Terra”, composição inspirada nos sambas de roda da Bahia, em que cunhou uma frase muito conhecida, em uma ode ao samba: ” Quem não gosta de samba/Bom sujeito não é/É ruim da cabeça/Ou doente do pé….”. Este samba foi lançado pelo Bando da Lua, sendo o último fonograma do grupo realizado no Brasil.

Em 1973, a música voltou a fazer muito sucesso quando foi regravada pelos Novos Baianos, no disco Novos Baianos F.C. (a banda também tinha um time de futebol e jogavam diariamente no sítio de Jacarepaguá. F.C. é de “Futebol Clube”). Caymmi é uma grande influência para o grupo. 

2 – Você Já Foi à Bahia?

Composta por Dorival Caymmi, em 1940, e lançada no ano seguinte pelo grupo Anjos do Inferno, a canção ”Você já Foi a Bahia?” traz versos que ressaltam a sorte e a proteção de quem visita a Bahia, terra de Caymmi, muitas vezes exaltada em seu cancioneiro.

A letra destaca o fascínio que a Bahia desperta e as características comportamentais e socioculturais do povo baiano. No contexto da obra de Caymmi a igreja do Bonfim serve como ponto de referência para toda a cultura e gente da cidade de Salvador, e é – como ponto de busca e chegada – um referencial físico edificado que expressa a identidade cultural da cidade, na medida em que as pessoas se dirigem a ela para os cultos do catolicismo oficial e para as práticas do catolicismo popular, para cumprimentos de rituais sincréticos dos cultos de matriz afro-brasileira ou simplesmente para participar das festas profanas de seu entorno.

A canção tornou-se mundialmente conhecida na voz de Aurora Miranda, graças ao filme de 1944, “The Three Caballeros”, de Walt Disney – que no Brasil ganhou o título de “Você já foi à  Bahia?”, e que também lançou o famoso personagem Zé Carioca.

Dorival Caymmi na música “Você já foi à Bahia?” canta uma certa verdade: “Tudo na Bahia faz a gente querer bem. A Bahia tem um jeito que nenhuma terra tem!”. 

A Bahia realmente tem um segredo, um quê de paraíso e quem a conhece “muita sorte tem”. E ela não é só a imagem e perfeição de um autêntico paraíso, mas tem alma, história e encanto. É nesse caldeirão cheio de beleza, terra de Caymmi, e tempero que se faz um dos lugares mais especiais do mundo! Sua cultura múltipla de cores e origens faz qualquer um se apaixonar.

3 – Vatapá

Dorival Caymmi compunha suas canções inspirado na cultura, nos costumes e nas tradições da Bahia, tendo como grande influência a música negra.

Composta em 1957, a sua canção “Vatapá” imortalizou a receita de um dos mais tradicionais pratos da culinária baiana, que marca a influência africana na região nordeste do Brasil.

O prato típico da cozinha afro-brasileira foi trazido à Bahia por intermédio dos escravos iorubás, com o nome de ehba-tápa.

Tradicionalmente, ele é feito com peixe ou camarão, fubá, azeite de dendê e pimenta malagueta. Pode levar ainda castanha de caju, gengibre, amendoim, coco ralado e cebola. Sua consistência é cremosa e sua cor amarelada.

Atualmente, o Vatapá é consumido em várias cidades brasileiras. Essa difusão trouxe variações ao prato: algumas regiões fazem o vatapá de carne ou frango, outras retiram o amendoim, e outras trocam a pimenta-malagueta por outra mais suave, ou substituem o dendê por azeite de oliva. 

Mas o Vatapá tradicional mesmo – procurado por amantes da gastronomia do Brasil inteiro e até por estrangeiros que visitam o país – é o Vatapá baiano da canção de Caymmi!

4 – Dora

Segundo o próprio Dorival Caymmi contou em entrevista, a canção Dora foi composta em uma  situação um tanto quando dolorosa. O baiano revelou que ele e esposa Stella estavam em viagem em Fortaleza – em pleno período de Segunda Guerra Mundial, já com data marcada para voltarem ao Rio de Janeiro, onde moravam naquela época. 

Mas surgiu um trabalho para ele fazer em Recife, por 18 dias, então a esposa teria que acompanhá-lo até Recife, mas depois retornar ao Rio de Janeiro sem ele, pois eles tinham uma filha pequena, de apenas seis meses (Nana Caymmi, que depois viria a se tornar uma cantora famosa), com a avó (mãe de Stella) em casa.

Caymmi ficou bastante apreensivo, pois – naquela época – havia dificuldade de condução aérea e por mar,  por conta da chamada prioridade militar da guerra, então sua passagem comprada podia ser cedida a um militar, e ele poderia demorar muito mais do que 18 dias para voltar pra casa.

E aconteceu desse roteiro que eu calculava para um mês e pouco fora de casa sem Stella, e eu fiquei dois meses pingando, pingando de Recife até chegar ao Rio de Janeiro.”

E ele continua a história: “Passamos (eu e Stella) o dia esperando o navio em Recife, no Hotel Central. Ficamos ali, ela se arrumou, se ajeitou arrumou as bagagens bem de acordo do que precisava ali, algumas compras que fez e às onze horas da noite estávamos no porto de mar. 

Então ela partiu e eu fiquei chocado: a partida, aquela coisa, nós não tínhamos nem dois anos de casado, é um negócio assim, que é chocante à beça. Pois bem: aquela separação me doendo terrivelmente.”.

Quando chegou de volta no Hotel Central, onde antes estavam hospedados ele e Stella, Caymmi conta: “Tudo me doeu, tudo me lembrou Stella: peguei meu pente, escova, encontrei os cabelos dela ai fiquei  torturado. (…)”.

Então, o baiano fez sua mala para tentar mudar-se para o Grande Hotel. Pegou seu violão e foi para o cais, sentando de frente para o Grande Hotel, onde podia ver o navio saindo, levando Stella pro Rio de Janeiro:

“E naquela melancolia aquela coisa e tal, eu ia no lá no bar (aberto lá dentro do hotel) e pedia: ‘você dá um conhaque?’ ele disse: ‘dou‘ dava o conhaque eu pagava, voltava pro meu ponto lá. 

Mas, enquanto isso, eu puxei o violão que estava comigo no cais, na murada, o violão e a mala  e olhava o mar, a noite ali e tal o hotel, a fachada luminosa. De repente bradou um som assim, era um som de frevo, metais né? Trombones, pistões e tal, aquela coisa, um negócio bonito, um ritmo bonito que é o frevo né? A marcha agitada. 

Quando olhei vinha de lá o cordão puxando tudo à paisana e perguntei a uns: ‘isso é o que? isso é um carnavalzinho?’ ‘Não isso é que o pessoal tá correndo a bandeira pra pegar ajuda para o carnaval’. É um habito antigo né? Correr a bandeira pra pegar dinheiro. Aí chegava nos hotéis e pedia ‘ajuda aqui’ . 

Então esse bloco chamado o Pão da Tarde foi a informação que eu tive vinha buscar na porta dos hotéis aquele aquela ajuda e estavam tocando um frevo maravilhoso. 

De repente eu vi que saía uma morena de lá e fazia o passo. Ela já vinha de longe, eu não tinha visto (…), fazendo um passo maravilhoso aquela sombrinha, aquele negócio  é uma coisa importantíssima.”.

Foi nesta hora, quando o bloco saiu dali para outros hotéis, que ocorreu a Caymmi a lembrança daquela moça dançando frevo e teve a ideia de compor Dora, dando à ela este nome.

“Comecei a enfeitar e adornar aquela moça como rainha do frevo, rainha do maracatu, rainha de uma porção de coisas, pra arranjar um som e uma distração porque o navio já tinha ido né… E a ideia de Dora nasceu ai.”.

E finaliza: “Até que veio um empregado do hotel me avisar que havia desocupado um quarto. No dia seguinte fiz mais um pedaço.”. Mais adiante, já em Maceió, ele continuou a música, que foi gravada por Caymmi em 1945.

5 – Marina

Certa vez, em entrevista à TV Cultura, Dorival Caymmi contou que suas tantas músicas com nomes de mulheres, não foram inspiradas em mulheres específicas, mas sim na mulher no geral. 

O baiano disse que motivações diferentes ou ocasiões e incidentes poéticos o levaram a escrever suas canções. No caso da canção Marina, foi uma frase de seu filho do meio – o hoje também músico Dori Caymmi – na época com três anos de idade, que lhe deu a inspiração para o que seria o final da canção. 

Caymmi estava saindo de casa e o filho, que estava chateado porque queria mais atenção do pai naquele momento, soltou – com a cara zangada – a genuinamente infantil frase: “Tô de mal com você!”. 

Na rua, essa frase ficou martelando minha cabeça. Estou de mal, estou de mal, estou de mal…”,conta Dorival, enquanto revela que o nome Marina apenas foi um nome bonito que lhe veio à mente na hora e que não era nenhuma mulher específica que ele conhecesse. 

Veja também:

Enquanto ia à rádio, comprava umas coisas, andava nas ruas, a melodia e a letra foram se compondo em minha cabeça. No fim do dia, a música estava pronta.”, conclui. A música que foi se construindo em sua mente para chegar na frase final: “Tô de mal com você!”, tornou-se um dos principais sambas-canção da história da MPB. 

Só em 1947, foi lançado em nada menos que quatro gravações, de quatro grandes vozes da música brasileira da época: uma com Francisco Alves, outra por Dick Farney, uma outra com Nelson Gonçalves e ainda a interpretação do próprio Dorival Caymmi. 

Quebrava-se ali uma espécie de acordo instituindo não oficialmente na indústria musical da época, de que o cantor que lançasse uma música teria pelo menos um ano de exclusividade sobre ela. 

Anos depois, quem gravou Marina com muito sucesso, em seu álbum Realce, foi o também baiano Gilberto Gil, que considera Dorival Caymmi uma de suas maiores referências na música.

Embora muitas vezes questionada como uma canção machista, que coloca a mulher como “propriedade” do homem, ciumento em vê-la usando maquiagem e ficando bonita aos olhos de outras pessoas, Marina é – além de, sim, o retrato de um tempo realmente ainda mais machista do que o que vivemos hoje e de um eu-lírico tomado por este machismo e patriarcado – também uma declaração de Dorival Caymmi às coisas simples e naturais da vida, como ele faz ao cantar sobre o mar e sobre as belezas de sua terra. 

Quando ele diz que Marina já é bonita “com que Deus lhe deu”, ele também diz que acha a beleza natural de Marina muito melhor do a que beleza que acreditamos adquirir quando colocamos uma maquiagem. 

Hoje, quase 80 anos depois da composição de Marina, nós mulheres – ainda bem! – já entendemos que podemos ser bonitas com ou sem maquiagem, do jeito que quisermos e que nos sentirmos melhor conosco mesmas, e não para agradar os olhos de um homem ou de uma sociedade.

6 – Maracangalha

A música “Maracangalha” foi composta por Caymmi em 1955.

O músico baiano tinha um amigo, Zezinho, que além de sua esposa e família, possuía com uma amante, quatro filhos, que moravam em outra parte de sua cidade. O músico baiano um dia perguntou qual desculpa ele usava para visitar a segunda família. 

Zezinho respondeu que mandava a si mesmo um telegrama, informando de negócios precisando de atenção na comunidade de Maracangalha (distrito de São Sebastião do Passé, na região metropolitana de Salvador). Após voltar para sua família “oficial”, Zezinho sempre trazia um saco de açúcar – pois trabalhava na usina da comunidade – como prova de onde havia ido. 

Dorival Caymmi, intrigado com a poesia nesse subterfúgio de usar o nome da comunidade, compôs Maracangalha de uma só vez.

A música tem apenas sete versos diferentes que vão se repetindo. Assim como Caymmi nunca esteve em Maracangalha, Anália – moça citada na canção – nunca teria existido. O nome dela foi inserido na canção para rimar com o nome da cidade.

7 – Oração de Mãe Menininha

“Mãe Menininha era uma voz de consenso, era a voz que todos ouviam para saber como as coisas deviam ser direcionadas”, contextualiza o sociólogo, antropólogo e babalorixá Rodney William Eugênio, doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). 

“Ela era a ialorixá das ialorixás, aquela diante de quem todas as mais velhas da Bahia se curvavam por tudo o que ela representava, pela própria condição de conciliadora.” 

Menininha se tornou a terceira ialorixá da história do Gantois, terreiro de candomblé criado em 1849, na cidade de Salvador, posto que ocupou por 64 anos, um recorde. Ela era bisneta de Maria Júlia da Conceição Nazareth, fundadora do terreiro. Descendente de escravizados, sua família era originalmente da Nigéria. 

Menininha tornou-se conhecida como uma das maiores e mais renomadas ialorixás da história do candomblé, muito celebrada até hoje, acabou incorporando um peso sociopolítico tão importante que, com o passar do tempo, autoridades políticas, artistas e esportistas costumavam procurá-la antes de tomar grandes decisões.

Quando Menininha assumiu o cargo, teve de enfrentar o preconceito e a discriminação às religiões de matriz africanas. “As ialorixás baianas, todas elas, têm uma história de luta política muito grande. Por meio das relações que elas foram tecendo com as pessoas das artes e da política, elas também iam garantindo a sobrevivência do candomblé”, contextualiza o historiador Guilherme Watanabe. ”Não à toa, se dizia católica. Ela sabia que se dizer católica era uma estratégia de sobrevivência.” 

Como não podia deixar de ser, dado extenso rol de amizades com artistas, Mãe Menininha foi homenageada pela cultura popular. Em 1972, Dorival Caymmi lançou Oração de Mãe Menininha, depois regravada em vozes como de Maria Bethânia e Gal Costa.

8 – Modinha para Gabriela 

Feita especialmente para a novela Gabriela, inspirada no romance Gabriela Cravo e Canela, do também baiano Jorge Amado, “Modinha para Gabriela” é uma canção composta por Dorival Caymmi (por encomenda para a novela, coisa que ele não costumava fazer), em 1975.

A letra e a música foram compostas no apartamento de Caymmi, em Pituba, Salvador, de uma única sentada, na tarde de 12 de março daquele ano. A letra descreve a liberdade de espírito da protagonista (interpretada pela atriz Sonia Braga) e suas principais características. 

Gal Costa foi escolhida para interpretar a canção-tema, que se tornou um grande sucesso na carreira da cantora baiana. O grande sucesso produzido por “Modinha para Gabriela” inspiraria o álbum “Gal Canta Caymmi”, contendo apenas composições de Caymmi e lançado no ano seguinte.

9 – A Lenda do Abaeté

No início da década de 30, Dorival Caymmi se apaixonou ainda mais pelo mar, quando conheceu Itapuã – bairro de Salvador. Hoje totalmente integrado à zona urbana, naquela época Itapuã era apenas um areal longínquo, repleto de coqueiros e com alguns casebres, habitados por pescadores. 

Entre os poucos veranistas que costumavam se aventurar em Itapuã estava Antoninho, que todo ano alugava uma casa de pescadores e enchia de parentes e amigos – entre eles Dorival.

Para se chegar lá, um dos poucos meios de transporte era o caminhão do Seu Lisboa, um português que abastecia as duas únicas vendas que havia no bairro. Foi neste caminhão que, pela primeira vez, Dorival foi a Itapuã, aos 17 anos. 

Vendo de perto os cardumes, andando de canoa e bebendo coco à vontade, o garoto logo se sentiu em casa:“Eu passei a amar o mar”, contou Dorival à Stella Caymmi, como lemos em sua biografia. 

“Via a gente de lá com roupas simples, chapéu de palha, aquelas agulhas de tecer rede, tudo feito por eles mesmos. Fui me acostumando e vendo a poesia do mar, aquele processo de puxar rede, comer o peixe na hora, muito xaréu.” 

Naqueles habitantes, em suas histórias e nas lendas que corriam Itapuã, Caymmi se inspiraria paraescrever boa parte das composições que, mais adiante, classificaria como canções praieiras. 

E havia inúmeras lendas no bairro e tantas outras histórias de assombração que se passavam na Lagoa do Abaeté, ali pertinho da praia de Itapuã, com sua areia fina e branca contrastando com a água escura da lagoa serena. 

As lavadeiras que frequentavam o local (já que a água, doce, era usada para lavar roupas) contavam muitas histórias sobre o Abaeté, especialmente sobre as batucadas misteriosas que eram ouvidas de madrugada. 

As lavadeiras diziam que havia um baticum que se ouvia de noite, uma batida, que tinha lá um candomblé mal-assombrado debaixo da lagoa”, relata Dorival Caymmi na biografia escrita por Stella. “E tinha bichos, fantasmas e coisas assim de histórias fantásticas para assustar crianças e passou para nós, veranistas, também.” 

A atmosfera soturna virou música em A Lenda do Abaeté, na qual o veranista Dorival recorda o medo da lagoa, que corria entre os moradores de Itapuã.

10 –  Doce Morrer no Mar (música sua para os versos de Jorge Amado)

Segundo Dorival Caymmi, É Doce Morrer no Mar nasceu durante uma reunião de amigos, na casa do coronel João Amado de Faria, pai de Jorge Amado. No calor da festa, Caymmi criou a canção inspirado em Mar Morto, romance de Jorge Amado publicado em 1936, cujo tema central retrata a vida dos marinheiros no cais de Salvador, com sua rica mitologia que gira em torno de Iemanjá. 

Com grande lirismo, Jorge Amado narra esse cotidiano de trabalho árduo, marcado pelo risco de vida que se apresenta a todo momento. Homens e mulheres do cais da Bahia vivem cada dia como se fosse o último. Paixão e trabalho, instinto e sobrevivência se conjugam de maneira trágica, formando um painel lírico e trágico sobre a luta diária desses trabalhadores pela sobrevivência. 

O mote “Como é doce morrer no mar”, se repete ao longo do romance, e se transformou no tema da canção. No calor da festa, o cantor e compositor baiano criou os versos: “É doce morrer no mar / nas ondas verdes do mar”. 

Imediatamente, o amigo Jorge Amado compôs mais alguns versos, completando a canção: “Nas ondas verdes do mar, meu bem / ele foi se afogar / fez sua cama de noivo / no colo de Iemanjá…”. Caymmi conta que chegou a haver um concurso entre versos escritos por outros convidados presentes na reunião, mas acabaram prevalecendo os versos de Jorge Amado. 

É Doce Morrer no Mar foi lançada por Dorival Caymmi, em 1941. Depois, foi regravada por  outros grandes nomes como: Clara Nunes; Inezita Barroso; Ney Matogrosso; Lenine; e Nana Caymmi. Em 2001, a novela global Porto do Milagres, inspirada em Mar Morto, contou com a canção – interpretada por Dori Caymmi, filho de Dorival – em sua trilha.

Outros grandes sucessos de Dorival Caymmi são as canções:

  • Itapoã
  • O Mar
  • Rosa Morena
  • Saudade da Bahia
  • Só Louco
  • Doralice (parceria com Antônio Almeida)

– Canção da Partida (Suíte do Pescador)

por Lívia Nolla

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Lívia Nolla

Lívia Nolla é cantora, apresentadora e pesquisadora musical

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