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História da música ‘Ouro de Tolo’, no aniversário de Raul Seixas

Lívia Nolla
08:00 28.06.2024
Autor

Lívia Nolla

Cantora e Pesquisadora Musical
Música

História da música ‘Ouro de Tolo’, no aniversário de Raul Seixas

Um dos maiores clássicos e o primeiro sucesso da carreira do aniversariante de hoje: o nosso eterno Maluco Beleza

Lívia Nolla - 28.06.2024 - 08:00
História da música ‘Ouro de Tolo’, no aniversário de Raul Seixas
O eterno Maluco Beleza: Raul Seixas

Você conhece a história da música, Ouro de Tolo, de Raul Seixas?

Hoje, é dia de celebrar o aniversário de um dos mais autênticos e geniais artistas que o mundo já conheceu: Raul Seixas!

Se não tivesse nos deixado precocemente em agosto de 1989, aos 44 anos, o cantor, compositor, multi-instrumentista e produtor baiano – e o eterno Maluco Beleza do Brasil – estaria completando 79 anos no dia de hoje.

Sobre Raul Seixas

Poeta nato, Raul Seixas foi também um dos pioneiros do rock brasileiro – muitos o consideram o pai do rock no país – e influenciou uma geração de artistas com a sua música, sua irreverência e autenticidade.

Um artista adiante de seu tempo, Raulzito lançou 17 discos em 26 anos de carreira e inovou ao misturar o rock’n roll com o baião, trazendo brasilidade ao gênero e introduzindo uma nova vertente musical no Brasil. 

Mais tarde e sempre inovador, Raul ainda utilizou-se das influências também do folk, do country e do blues, além de outros ritmos nordestinos e do rock psicodélico.

Sua obra traz canções com mensagens impactantes, que unem protesto e críticas políticas e sociais – com um tom contestador e muitas vezes irônico – a angústias existenciais, misticismo, metafísica e filosofia, com ideais muito particulares.  

Raul Seixas, em 1983 — Foto: Ariel Severino

Mesmo muitos anos após a sua morte, a obra de Raul Seixas continua vivíssima e cultuadíssima, sendo um dos artistas de maior importância da música brasileira, uma lenda nacional. Quem nunca ouviu um “Toca, Raul!” vindo da plateia de qualquer show, em qualquer época?

Para você – que quer saber tudo sobre esse artista que nasceu “há quase 80 atrás” e transformou para sempre a história da música brasileira, escute o Acervo MPB Raul Seixas, uma áudio-biografia exclusiva da Novabrasil, que narra detalhes sobre a vida e a obra do eterno Maluco Beleza. Vale a pena conferir!

Temos também uma Playlist Especial Raul Seixas, com os 25 maiores sucessos do artista, listados em ordem cronológica de quando foram lançados. Dê o play e delicie-se!

Mas, hoje, para homenagear esse aniversariante tão especial, nós escolhemos contar a história por trás de um de seus maiores clássicos e o primeiro sucesso da carreira de Raul Seixas: a canção Ouro de Tolo, de 1973.

História da canção Ouro de Tolo, de Raul Seixas

No início dos anos 60, Raul Seixas montou sua primeira banda de rock, Os Panteras, que fez certo sucesso em Salvador, e depois começou a tornar-se conhecida no resto do país, ao acompanhar alguns ídolos da Jovem Guarda – que estavam bombando na época – em seus shows.

Em 1967, Raul e sua banda aceitaram o convite do cantor Jerry Adriani para ir para o Rio de Janeiro, onde gravaram o seu primeiro e único álbum no ano seguinte, Raulzito e Os Panteras.

Capa do álbum Raulzito e os Panteras

Raul assinava oito das 12 canções, mas o disco não foi sucesso nem de crítica, nem de público.A banda pensava em qualidade musical, mudança de conceitos, sonhos e agnosticismo (Raul Seixas era agnóstico, tendo a crença de que a capacidade humana é incapaz de saber se existem ou não divindades, pois elas são muito além da compreensão do ser humano), mas – ao mesmo tempo – tinha que se adequar a um mercado fonográfico.

Com isso, Raul e os Panteras passaram por muitas dificuldades no Rio de Janeiro, chegando a passar fome (como conta na letra da canção Ouro de Tolo), mesmo tocando como banda de apoio do seu grande e primeiro incentivador, Jerry Adriani, em seus shows pela Jovem Guarda – o que fez com que Raul Seixas ganhasse bastante experiência.

O baiano ficou bem abalado com o não sucesso da banda e voltou para Salvador. Mas, logo conheceu um diretor da CBS Discos – mais uma vez com a ajuda de Jerry Adriani – e foi convidado para voltar ao Rio e trabalhar como produtor musical na gravadora, usando todo o seu conhecimento e talento. 

Era nesse emprego como produtor musical da CBS que Raul ganhava os “quatro mil cruzeiros por mês” citados na letra de Ouro de Tolo.

Durante o tempo em que trabalhou como produtor, Raul fez muitos amigos, contatos e parceiros. Artistas de peso na época começaram a gravar as composições do baiano e também a ser produzidos por ele, como – além de Jerry AdrianiLeno (da dupla Leno e Lilian), Renato e seus Blue Caps e Ed Wilson (todos da Jovem Guarda), além de Odair José. 

Muitas composições de Raul Seixas – ainda conhecido como Raulzito – viraram hits nas vozes de outros artistas da CBS Discos.

Mas Raul queria mais. E podia mais. Muito mais. No começo dos anos 70, gravou discos em parceria com Sérgio Sampaio e também com Leno, buscando novos caminhos e experimentações, ambos censurados pela ditadura por conta das letras.

Mais uma vez, seus discos não tiveram boa aceitação do público e nem da crítica: Raul Seixas ainda era incompreendido em sua genialidade.

Jerry Adriani e Raul Seixas | Imagem: Reprodução Facebook

O ponto da virada com Ouro Tolo

Em 1972 – já não mais produtor da gravadora – Raul foi convencido por Sérgio Sampaio a  participar do VII Festival Internacional da Canção. O cantor compôs duas músicas: a clássica Let Me Sing, Let Me Sing (genial mistura de rock e baião), defendida por ele mesmo, e Eu Sou Eu e Nicuri é o Diabo, defendida por Lena Rios & Os Lobos

Ambas chegaram à final, obtendo sucesso de crítica e de público e fazendo com que Raul fosse contratado – agora como artista – pela gravadora Phillips.

Em 1973, ele lançou seu primeiro disco solo, Krig-Ha, Bandolo!, que conta com a clássica canção Ouro de Tolo, em que relata em forma de crônica – com uma letra bastante autobiográfica – sobre seu tempo de fome e dificuldades quando chegou ao Rio de Janeiro.

Raul dizia ter tido inspiração para compor depois de ter passado uma tarde de meditações e visões de um disco voador. 

Começava nesta época o interesse do cantor por extraterrestres, que – depois – refletiu-se em muitas de suas obras e em parceria com o escritor Paulo Coelho, que teve início neste primeiro disco.

O título da canção, Ouro de Tolo, é uma expressão que existe mesmo: há um mineral chamado pirita, que é formado pela união de um átomo de ferro com dois átomos de enxofre. Essa combinação resulta em um metal dourado, mas não tão dourado quanto o ouro.

Só que muitas pessoas não sabem fazer essa diferenciação e – ao longo da história – muita gente comprou a pirita pensando que era ouro, ou então encontrou a pirita na natureza e tentou vender achando que era ouro, daí vem a expressão Ouro de Tolo.

Raul Seixas também se inspirou no costume dos falsos alquimistas que, na idade média, prometiam transformar chumbo em ouro, e apresentou uma crítica ácida sobre os sonhos e anseios patéticos da sociedade, em uma letra repleta de críticas sociais e econômicas. 

A canção Ouro de Tolo é um deboche e um ataque ao conformismo do país a respeito das ilusórias vantagens oferecidas pela ditadura militar e seu “milagre econômico”, e o disco voador seria uma referência a uma nova sociedade a ser construída, com despertar da consciência individual, visando à construção do que futuramente o cantor (junto com seu parceiro Paulo Coelho) chamaria de Sociedade Alternativa. 

Surpreendentemente, a música não foi barrada pela censura e pôde ser lançada. 

Na época, Paulo Coelho –  parceiro de Raul em várias letras e que gostou muito do que o amigo compôs em Ouro de Tolo – com todo o seu conhecimento em marketing e imprensa, propôs que eles fizessem uma grande passeata, convocando vários amigos e conhecidos, a saírem tocando a canção pelas ruas do Rio de Janeiro, na hora do rush, convocando a imprensa para acompanhar.

O cortejo fez tanto barulho que saiu até no Jornal Nacional, impulsionando ainda mais o sucesso da grande canção e transformando para sempre a carreira de Raul Seixas, que transformou-se em um ícone nacional a partir de então.

Raul Seixas e Paulo Coelho nas ruas para divulgar Ouro de Tolo, em 1973 | Foto: Reprodução

Mais curiosidades sobre Ouro de Tolo

  • Uma curiosidade é que, nesta época, o Raul Seixas tinha mesmo conseguido comprar um carro Corsel 73. 

Só que, da primeira vez que Ouro de Tolo foi gravada – em duas versões , dentro de compacto lançado pouco antes do primeiro álbum de Raul – uma das versões da canção não citava a marca do carro, trocando a frase “Eu devia estar feliz porque consegui comprar um Corcel 73 por “Eu devia estar feliz porque consegui comprar meu carrão 73”. 

Acredita-se que isso foi feito para que não houvesse propaganda gratuita para o Corsel quando a música fosse executada em programas de TV.

  • Outra curiosidade sobre a canção – contada por Jotabê Medeiros, no livro Raul Seixas – Não Diga que a Canção está Perdida, de 2019, é que Raul realmente foi ao zoológico com a família antes de compôr a Ouro de Tolo e viu uma mulher de casaco de pele, meia e sapato jogando pipoca na jaula dos macacos. 

Em reação à atitude da mulher, um macaco jogou fezes em direção a ela, o que fez o nosso Maluco Beleza dar muita risada, transformando aquela cena também em uma ácida crítica social.

  • A letra de Ouro de Tolo passou pela censura em um primeiro momento, mas – logo que lançada e com o sucesso que a música atingiu – os censores começaram a sacar que Raul Seixas podia estar debochando da ditadura militar e do milagre econômico.

Essa pulga atrás da orelha na censura deu origem a um documento interno na aeronáutica, que colocava o artista “em suspeita” pela letra de Ouro de Tolo e também citando Paulo Coelho e sua esposa na época.

Aos censores, Raul respondia que a letra era uma crítica “não a pessoa de Roberto Carlos, mas ao esquema que ele representa”, querendo dizer que o que citava na letra era sobre os “queridinhos do sistema”, como Roberto, que fizeram muito sucesso com muita facilidade (no entendimento dele), enquanto ele – que era questionador – encontrou mais resistência e obstáculos para mostrar o seu trabalho.

Segundo o livro de Jotabê Medeiros, Raul usou o sucesso Sentado à Beira do Caminho – de Roberto e Erasmo Carlos – para fazer a sua crítica. As duas canções, Ouro de Tolo e Sentado à Beira do Caminho, tem o início bastante parecido.

Além disso, na música A Montanha, de 1972, Roberto cantava “Obrigado Senhor, mesmo que eu chore”. E Raul canta, em Ouro de Tolo: “Eu devia ter agradecido ao Senhor por ter tido sucesso”.

– Em 2009,  Ouro de Tolo foi escolhida pela revista Rolling Stone Brasil como a 16ª entre as 100 Maiores Músicas Brasileiras. E o disco ocupa a 12ª posição na lista dos 100 Maiores Discos de Música Brasileira, da mesma revista.

Gostou de saber mais sobre as histórias de grandes canções da nossa música popular brasileira? Continue acompanhando a nossa série Saudando Grandes Compositores da MPB. Hoje, homenageamos o aniversariante Raul Seixas.

por Lívia Nolla

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Lívia Nolla é cantora, apresentadora e pesquisadora musical

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