Cíntia Ribeiro: “Brasilidade é ouro”
Cíntia Ribeiro: “Brasilidade é ouro”
Confissões de uma torcedora que não tem vergonha de ser feliz
Não. Este não é mais um texto sobre Olimpíadas. Afinal, já vimos em toda parte: somos ouro.
Nosso ouro tem nome de mulheres pretas. Nossa prata é ouro. Nosso bronze é ouro. Nossa convocação é ouro. Nossa luta por representatividade é ouro. Nossa torcida é ouro. Nossa alegria é ouro.
Somos esse povo emocionado que faz do entusiasmo nosso borogodó e da esperança nossa bandeira.
No último sábado, com duas telas ligadas nas seleções brasileiras femininas – uma no futebol e outra no vôlei – notei que havia alguma coisa fervendo. Aqui dentro. Não era só orgulho. Vinha misturado com uma identificação imensa, borbulhante, ao ver meninas desempenhando performances alienígenas – fruto de muito empenho, muitas quedas, muita vida.
Por que isso me emocionou? Porque já fui essa menina. Na verdade, ainda sou. Aliás, não somos todos crianças sobreviventes em busca de medalhas?
Quanto esforço temos colocado na tentativa de “ser alguém”? Quantos ouros já buscamos no reconhecimento alheio? Quanta exigência desumana impomos sobre nós mesmos?
O exercício da humanidade exige que aprendamos a nos reconhecer limitados e suficientes.
Que bonito é ver a maior medalhista do Brasil em Jogos Olímpicos exaltando a importância da saúde mental com leveza e sem tabus. A inteligência artificial talvez pudesse reproduzir os saltos impecáveis de Rebeca Andrade, mas dificilmente conseguiria replicar a beleza estrondosa da sua alma – que canta “Amarelo, azul e branco”, pensa em receitas enquanto se concentra, defende seu idioma, sente raiva, medo, tranquilidade, confiança. Salta. E voa.
Daqui, da minha humanidade, choro como Beatriz, brilho como Rebeca, encaro como Duda e Ana Patrícia, faço história como Marta, Lorena, Tarciane, Thais, Lauren, Yasmin, Duda Sampaio, Yaya, Adriana, Jhenifer, Ludmila e Gabi Portilho, cativo como Flavinha, inspiro como Jade, crio como Júlia, surpreendo como Lorrane, dou o sangue como Gabi, Thaísa, Rosamaria, Roberta, Nyeme, Carol e Ana Cristina, supero como Caio, sonho como Willian, atravesso como Tatiana, acelero como Isaquias, me emociono como Larissa, encanto como Rayssa, celebro como Medina, luto como Bia, me divirto como Augusto, confio como Netinho, transponho obstáculos como Alison, conquisto como Rafael, Guilherme e Leonardo.
E venço como todos os atletas que entregaram o seu melhor nas pistas, quadras, ringues, campos e tablados – com ou sem medalhas no pescoço.
Os gringos estão dizendo por aí que aprenderam com o Brasil nessas Olimpíadas. Essa nação que não parte das mesmas bases, não tem os mesmos recursos, mas transforma a escassez em memes, faz Paris virar baile e entrega aos seus atletas um suporte emocional que – adivinhem? Vale ouro.
Minha vontade é encapsular no tempo essas emoções olímpicas e fazer a rotina virar baile. Fico achando que o “coletivo Brasil” às vezes não sabe a força que tem – tanto quanto o amor puro do Djavan que embalou as manobras da Fadinha.
Eu sei. Ah, meu Deus, eu sei que a vida devia ser bem melhor – e será! Mas isso não impede que eu repita: é bonita, é bonita e é bonita.
Nessas “horinhas de descuido” durante os Jogos Olímpicos de 2024, não é que minha alma se reconciliou com o verde e amarelo?
Somos nós que fazemos a vida. Então, hoje, apesar de tudo que ainda precisamos construir coletivamente, deusas me livrem de não ser brasileira.
Minha alma canta:
“O que é? O que é?”, do Gonzaguinha:
Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita
Viver e não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar, e cantar, e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah, meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser bem melhor
E será!
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita
E a vida, e a vida o que é?
Diga lá, meu irmão
Ela é a batida de um coração
Ela é uma doce ilusão
Êh! Ôh!
E a vida
Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é? O que é, meu irmão?
Há quem fale que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota, é um tempo
Que nem dá um segundo
Há quem fale que é um divino
Mistério profundo
É o sopro do criador
Numa atitude repleta de amor
Você diz que é luta e prazer
Ele diz que a vida é viver
Ela diz que melhor é morrer
Pois amada não é e o verbo é sofrer
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser
Sempre desejada
Por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte
Só saúde e sorte
E a pergunta roda
E a cabeça agita
Eu fico com a pureza
Da resposta das crianças
É a vida, é bonita
E é bonita
Viver e não ter a vergonha
De ser feliz
Cantar, e cantar, e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz
Ah, meu Deus!
Eu sei, eu sei
Que a vida devia ser bem melhor
E será!
Mas isso não impede
Que eu repita
É bonita, é bonita
E é bonita