6 poemas brasileiros que transformam a natureza em versos do sertão à Mata Atlântica

Clarissa Sayumi
16:41 03.04.2025
Literatura

6 poemas brasileiros que transformam a natureza em versos do sertão à Mata Atlântica

Nessa seleção, rios, árvores e até o vento seco do sertão podem ser personagens de versos inesquecíveis

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- 03.04.2025 - 16:41
6 poemas brasileiros que transformam a natureza em versos do sertão à Mata Atlântica
Freepik - Reprodução

A poesia brasileira também nasce da terra, dos mares, do céu. Selecionamos sete poemas que mostram como nossos maiores escritores usaram a natureza para falar do humano, com a precisão de quem sabe que árvores, rios e animais também contam histórias.

Drummond via o coração como terra arada. João Cabral transformou o sol do sertão em algozes. Cora Coralina ouviu os rios como diários íntimos. São visões diferentes de um mesmo fato: no Brasil, a natureza nunca é só cenário.

O Brasil é um país em que poetas transcendem o descrever e dialogam com a natureza – seja em protesto contra sua destruição, seja em celebração de sua beleza brutal.

1. “Canção do Exílio” (Gonçalves Dias, 1846 – “Primeiros Cantos”)

“Minha terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.”

Mais que celebração ingênua, o poema revela saudade como ferida. A natureza é a âncora da identidade – note como cada elemento (palmeiras, sabiá) vira símbolo político de brasilidade.


2. “Vozes d’África” (Castro Alves, 1880 – “Os Escravos”)

“Os astros escutaram o pranto da escrava…
As ondas beijaram-lhe a face esquecida.
E um anjo de lágrimas e de desdén
No céu de fogo escreveu: — Maldito seja!
Maldito o berço, maldito o leito,
Onde nasceu, onde dorme o algoz!”

Nesse trecho, Castro Alves coloca os elementos naturais como únicas testemunhas da violência escravocrata. Enquanto a humanidade falha, são as estrelas que “escutam” o pranto e o mar que lava o rosto da escrava afogada. O poeta não humaniza a natureza (como fazem os românticos), mas a coloca como única entidade ética num mundo desumano. A tempestade não é metáfora – é a voz que falta aos escravizados.

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3. “O Bicho” (Manuel Bandeira, 1947 – “Belo Belo”)

“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando descobriu que era visto
O bicho não se esquivou:
Ficou olhando para mim
Com olhar de quem não entende.
Era um homem.”

Bandeira usa o naturalismo extremo para denunciar a desumanização. O poema inverte a lógica: não é o animal que é humanizado, mas o homem reduzido à condição de bicho, mais degradado que a própria natureza que o cerca.


4. “Morte e Vida Severina” (João Cabral de Melo Neto, 1955)

“O sol que robustece o sabiá
enfraquece o Severino.”

João Cabral constrói um sertão geométrico e cruel, onde o mesmo sol que dá vida à natureza, esmaga o homem. A seca não é apenas fenômeno climático, mas condição existencial do nordestino.


5. “Ressalva” (Cora Coralina, 1965 – Poemas dos Becos de Goiás)

“Este livro foi escrito
por uma mulher
que na tarde da Vida
recria a poetiza sua própria
Vida.

Veja também:

Este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da
Montanha da Vida
removendo pedras
e plantando flores.

Este livro:
Versos… Não.
Poesia… Não.
Um modo diferente de contar velhas estórias.”

Aqui, a natureza é usada como biografia do eu-lírico. A “Montanha da Vida” é tanto paisagem interior quanto geografia real de Goiás, “removendo obstáculos da vida” que no poema são representados por pedras e “plantar flores” que remete os aprendizados que florescem.

6. Um songo (Manoel de Barros, A biblioteca de Manoel de Barros)

Aquele homem falava com as árvores e com as águas
ao jeito que namorasse.
Todos os dias
ele arrumava as tardes para os lírios dormirem.
Usava um velho regador para molhar todas as
manhãs os rios e as árvores da beira.
Dizia que era abençoado pelas rãs e pelos
pássaros.
A gente acreditava por alto.
Assistira certa vez um caracol vegetar-se
na pedra.
mas não levou susto.
Porque estudara antes sobre os fósseis lingüísticos
e nesses estudos encontrou muitas vezes caracóis
vegetados em pedras.
Era muito encontrável isso naquele tempo.
Ate pedra criava rabo!
A natureza era inocente.

O poema retrata a natureza como parceira ativa do homem: um personagem conversa com árvores e águas “ao jeito que namorasse”, rega manhãs como ritual cotidiano, e vê pedras ganharem vida (“até pedra criava rabo!”).

Com linguagem simples e humor pantaneiro, Barros inverte a lógica convencional – aqui, a natureza dita as regras, os animais abençoam os humanos, e o ordinário vira sagrado.

O poema exemplifica a marca registrada do autor: transformar o Pantanal num universo poético onde tudo é possível, desde que se observe com “desatenção científica” (como ele mesmo definia). 

Natureza como voz

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A natureza na poesia brasileira nunca é apenas paisagem, mas voz ativa que revela dores, sonhos e identidades. Esses poemas mostram que a terra, os bichos e as águas falam — seja para denunciar injustiças, celebrar a vida ou guardar histórias. Que esses versos nos lembrem: poetas e leitores são, antes de tudo, parte dessa mesma natureza que inspira versos. Agora, olhe ao seu redor — qual elemento natural da sua vida mereceria um poema hoje?

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