
6 poemas brasileiros que transformam a natureza em versos do sertão à Mata Atlântica
6 poemas brasileiros que transformam a natureza em versos do sertão à Mata Atlântica
Nessa seleção, rios, árvores e até o vento seco do sertão podem ser personagens de versos inesquecíveis


A poesia brasileira também nasce da terra, dos mares, do céu. Selecionamos sete poemas que mostram como nossos maiores escritores usaram a natureza para falar do humano, com a precisão de quem sabe que árvores, rios e animais também contam histórias.
Drummond via o coração como terra arada. João Cabral transformou o sol do sertão em algozes. Cora Coralina ouviu os rios como diários íntimos. São visões diferentes de um mesmo fato: no Brasil, a natureza nunca é só cenário.
O Brasil é um país em que poetas transcendem o descrever e dialogam com a natureza – seja em protesto contra sua destruição, seja em celebração de sua beleza brutal.
1. “Canção do Exílio” (Gonçalves Dias, 1846 – “Primeiros Cantos”)
“Minha terra tem palmeiras
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.”
Mais que celebração ingênua, o poema revela saudade como ferida. A natureza é a âncora da identidade – note como cada elemento (palmeiras, sabiá) vira símbolo político de brasilidade.
2. “Vozes d’África” (Castro Alves, 1880 – “Os Escravos”)
“Os astros escutaram o pranto da escrava…
As ondas beijaram-lhe a face esquecida.
E um anjo de lágrimas e de desdén
No céu de fogo escreveu: — Maldito seja!
Maldito o berço, maldito o leito,
Onde nasceu, onde dorme o algoz!”
Nesse trecho, Castro Alves coloca os elementos naturais como únicas testemunhas da violência escravocrata. Enquanto a humanidade falha, são as estrelas que “escutam” o pranto e o mar que lava o rosto da escrava afogada. O poeta não humaniza a natureza (como fazem os românticos), mas a coloca como única entidade ética num mundo desumano. A tempestade não é metáfora – é a voz que falta aos escravizados.

3. “O Bicho” (Manuel Bandeira, 1947 – “Belo Belo”)
“Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando descobriu que era visto
O bicho não se esquivou:
Ficou olhando para mim
Com olhar de quem não entende.
Era um homem.”
Bandeira usa o naturalismo extremo para denunciar a desumanização. O poema inverte a lógica: não é o animal que é humanizado, mas o homem reduzido à condição de bicho, mais degradado que a própria natureza que o cerca.
4. “Morte e Vida Severina” (João Cabral de Melo Neto, 1955)
“O sol que robustece o sabiá
enfraquece o Severino.”
João Cabral constrói um sertão geométrico e cruel, onde o mesmo sol que dá vida à natureza, esmaga o homem. A seca não é apenas fenômeno climático, mas condição existencial do nordestino.
5. “Ressalva” (Cora Coralina, 1965 – Poemas dos Becos de Goiás)
“Este livro foi escrito
por uma mulher
que na tarde da Vida
recria a poetiza sua própria
Vida.
Veja também:
Este livro
foi escrito por uma mulher
que fez a escalada da
Montanha da Vida
removendo pedras
e plantando flores.
Este livro:
Versos… Não.
Poesia… Não.
Um modo diferente de contar velhas estórias.”
Aqui, a natureza é usada como biografia do eu-lírico. A “Montanha da Vida” é tanto paisagem interior quanto geografia real de Goiás, “removendo obstáculos da vida” que no poema são representados por pedras e “plantar flores” que remete os aprendizados que florescem.
6. Um songo (Manoel de Barros, A biblioteca de Manoel de Barros)
Aquele homem falava com as árvores e com as águas
ao jeito que namorasse.
Todos os dias
ele arrumava as tardes para os lírios dormirem.
Usava um velho regador para molhar todas as
manhãs os rios e as árvores da beira.
Dizia que era abençoado pelas rãs e pelos
pássaros.
A gente acreditava por alto.
Assistira certa vez um caracol vegetar-se
na pedra.
mas não levou susto.
Porque estudara antes sobre os fósseis lingüísticos
e nesses estudos encontrou muitas vezes caracóis
vegetados em pedras.
Era muito encontrável isso naquele tempo.
Ate pedra criava rabo!
A natureza era inocente.
O poema retrata a natureza como parceira ativa do homem: um personagem conversa com árvores e águas “ao jeito que namorasse”, rega manhãs como ritual cotidiano, e vê pedras ganharem vida (“até pedra criava rabo!”).
Com linguagem simples e humor pantaneiro, Barros inverte a lógica convencional – aqui, a natureza dita as regras, os animais abençoam os humanos, e o ordinário vira sagrado.
O poema exemplifica a marca registrada do autor: transformar o Pantanal num universo poético onde tudo é possível, desde que se observe com “desatenção científica” (como ele mesmo definia).
Natureza como voz

A natureza na poesia brasileira nunca é apenas paisagem, mas voz ativa que revela dores, sonhos e identidades. Esses poemas mostram que a terra, os bichos e as águas falam — seja para denunciar injustiças, celebrar a vida ou guardar histórias. Que esses versos nos lembrem: poetas e leitores são, antes de tudo, parte dessa mesma natureza que inspira versos. Agora, olhe ao seu redor — qual elemento natural da sua vida mereceria um poema hoje?