
Dia do Poeta e Dia Nacional da Poesia
Dia do Poeta e Dia Nacional da Poesia
Outubro é um mês especial para a poesia, marcado pelo Dia do Poeta e pelo Dia Nacional da Poesia, homenageando grandes nomes e promovendo a resistência através das palavras


Chegamos ao fim de outubro, mês que marca o Dia do Poeta, 20. Algo tão simbólico que fez com que esses 31 dias fossem repletos de significados para a poesia brasileira. Nesse ano, o mês trouxe a consagração de nomes e obras, além de reflexão sobre legados deixados por poetas que se foram.
Em 20 de outubro de 1976, poetas brasileiros se reuniram na casa do jornalista Paulo Menotti Del Picchia, em São Paulo, para dar início ao Movimento Poético Nacional. A data foi escolhida como uma forma de homenagear e reconhecer o trabalho dos poetas que retratam o mundo através de seus versos.
Além disso, o dia 31 de outubro também é significativo no contexto da poesia brasileira, pois marca o Dia Nacional da Poesia, uma homenagem ao aniversário de Carlos Drummond de Andrade.

A poesia na FLIP 2024
Na 22ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), que ocorreu de 9 a 13 de outubro, a poesia ocupou espaço na programação. A homenagem a João do Rio, um dos grandes cronistas e poetas brasileiros, foi destaque.
Entre as mesas literárias programadas, algumas abordaram diretamente a poesia e suas intersecções com a literatura contemporânea, como “As ruas têm alma: João do Rio”, que discutiu o legado do poeta e sua influência na crônica e na poesia. Já a “Da poeira que viemos” fez reflexões sobre diáspora e resistência na criação literária, com a participação de poetas contemporâneos.
O adeus de poetas em outubro
Poeta, ensaísta e letrista, Antonio Cicero construiu uma carreira que transitou entre a filosofia e a poesia, com obras como “A cidade e os livros”, “Porventura” e “Guardar”.

Chegou ao mundo em outubro de 1945 e se despediu dele em outubro de 2024. Cícero foi um dos nomes mais importantes da poesia brasileira contemporânea e era membro da Academia Brasileira de Letras.
A trajetória do escritor inclui parcerias musicais marcantes com artistas como Marina Lima, sua irmã, com quem compôs canções que ficaram na memória afetiva de gerações.
Sua influência vai além das letras, alcançando uma ampla discussão sobre a essência do poético. Em entrevista ao jornal O Globo, o poeta Eucanaã Ferraz afirmou: “Antônio Cícero ensinou uma geração inteira a ver a poesia não apenas como sentimento, mas como reflexão.”
Também foi em outubro que perdemos Manuel Bandeira, em 1968, com 82 anos. Um dos grandes poetas da literatura brasileira e grande nome do modernismo brasileiro, iniciou sua carreira literária com o livro A Cinza das Horas em 1917, mas foi com Libertinagem (1930) que consolidou seu estilo modernista.

Usava versos livres e uma linguagem coloquial que abordava o cotidiano e temas como a saudade, a morte e a infância.
Bandeira também se destacou como crítico literário e tradutor, ocupando a cadeira 24 da Academia Brasileira de Letras. Seu legado poético inclui obras como Os Sapos e Vou-me embora pra Pasárgada.
Especial: 10 poemas mais memoráveis de Manuel Bandeira
Quase 100 anos antes, Casimiro de Abreu faleceu aos 21 anos, em 18 de outubro de 1860. Foi um importante poeta da segunda geração do romantismo, conhecida como ultrarromantismo.
O poema Meus Oito Anos é um dos seus trabalhos mais conhecidos, onde o eu lírico expressa uma profunda saudade do tempo da infância e das belezas simples da vida, temas recorrentemente presente em sua obra.
Em 1859, publicou seu único livro, Primaveras, que recebeu grande acolhida, especialmente entre os jovens. Apesar de sua curta vida, Casimiro deixou um legado significativo na literatura brasileira, sendo reconhecido como o patrono da cadeira 6 da Academia Brasileira de Letras.
Por outro lado, grandes nomes da poesia também nasceram em outubro. Mário de Andrade é de 1893. Importante figura do modernismo brasileiro, foi um poeta, romancista e crítico musical. Sua obra mais famosa é Macunaíma.
Carlos Drummond de Andrade, também nascido em outubro, é de 1902 e foi dos mais influentes poetas da literatura brasileira, conhecido por sua obra A rosa do povo, que reflete sobre a condição humana e a sociedade brasileira.
10 poetas contemporâneos
E que tal encerrar esse mês valioso para a poesia para conhecer 10 poetas contemporâneos?
1. Conceição Evaristo

Certidão de óbito
Os ossos de nossos antepassados
colhem as nossas perenes lágrimas
pelos mortos de hoje.
Os olhos de nossos antepassados,
negras estrelas tingidas de sangue,
elevam-se das profundezas do tempo
cuidando de nossa dolorida memória.
A terra está coberta de valas
e a qualquer descuido da vida
a morte é certa.
A bala não erra o alvo, no escuro
um corpo negro bambeia e dança.
A certidão de óbito, os antigos sabem,
veio lavrada desde os negreiros.
2. Angélica Freitas

Eu durmo comigo
eu durmo comigo/ de bruços deitada eu durmo comigo/ virada pra direita eu durmo comigo/ eu durmo comigo abraçada comigo/ não há noite tão longa em que não durma comigo/ como um trovador medieval agarrado ao alaúde eu durmo comigo/ eu durmo comigo debaixo da noite estrelada/ eu durmo comigo enquanto os outros fazem aniversário/ eu durmo comigo às vezes de óculos/ e mesmo no escuro sei que estou dormindo comigo/ e quem quiser dormir comigo vai ter que dormir do lado.
3. Ricardo Aleixo

ORIKI DE OGUM À BEIRA-MAR
Pai
meu pai inumerável
meu inumerável
pai
que eu não
seja insensível
a nenhuma
beleza
& que nunca
me baste
nem toda a
beleza
que existe
no mundo
enquanto houver
mundo
4. Marília Garcia

Perder o chão
você tem dedos
você é uma máquina
o polegar não deve se ouvir
indicador médio anular dedo mínimo ou
auricular
as teclas vão num ritmo que varia
soltar os dedos os punhos engessados
procurar aquela palavra que estava
colada na mão não encontra
onde ela caiu? caminhar num lugar
sem chão
perder o chão
era um ponto vermelho
minúsculo escondido
um cisco
“Trinta dias sem ver você”
“Em silêncio sem saber nem ouvir nada”
escrevi as duas frases
a lápis num caderno
estava no meio de um sonho
depois li e chorei pensando que
ela tinha acabado
saturno não tem superfície
não tem chão é um planeta feito
de gás com um pequeno núcleo de
rocha e metais
não ter onde pisar é estarrecedor
5. Ana Martins Marques

Lugar para pensar
Gosto de pensar no escuro
fumando
olhando os polvos no aquário
do restaurante chinês
ou com a cabeça encostada no vidro do ônibus.
Gosto de pensar com as mãos na água
de óculos escuros
na escada rolante
vendo a cidade fugir
pelo espelho retrovisor.
Gosto de tentar adivinhar
o pensamento das pessoas
gosto de pensar que o pensamento
é um inquilino incendiário.
Uma coisa que nunca entendi é por que
em geral se acredita que o poema
não é lugar para pensar.
6. Bráulio Bessa

Recomece
Quando a vida bater forte
e sua alma sangrar,
quando esse mundo pesado
lhe ferir, lhe esmagar…
É hora do recomeço.
Recomece a LUTAR.
Quando tudo for escuro
e nada iluminar,
quando tudo for incerto
e você só duvidar…
É hora do recomeço.
Recomece a ACREDITAR.
Quando a estrada for longa
e seu corpo fraquejar,
quando não houver caminho
nem um lugar pra chegar…
É hora do recomeço.
Recomece a CAMINHAR.
Quando o mal for evidente
e o amor se ocultar,
quando o peito for vazio,
quando o abraço faltar…
É hora do recomeço.
Recomece a AMAR.
Quando você cair
e ninguém lhe aparar,
quando a força do que é ruim
conseguir lhe derrubar…
É hora do recomeço.
Recomece a LEVANTAR.
Quando a falta de esperança
decidir lhe açoitar,
Veja também:
se tudo que for real
for difícil suportar…
É hora do recomeço.
Recomece a SONHAR.
Enfim,
É preciso de um final
pra poder recomeçar,
como é preciso cair
pra poder se levantar.
Nem sempre engatar a ré
significa voltar.
Remarque aquele encontro,
reconquiste um amor,
reúna quem lhe quer bem,
reconforte um sofredor,
reanime quem tá triste
e reaprenda na dor.
Recomece, se refaça,
relembre o que foi bom,
reconstrua cada sonho,
redescubra algum dom,
reaprenda quando errar,
rebole quando dançar,
e se um dia, lá na frente,
a vida der uma ré,
recupere sua fé
e RECOMECE novamente.
7. Sérgio Vaz

A Vida É Loka
Esses dias tinha um moleque na quebrada
com uma arma de quase 400 páginas na mão.
Uma minas cheirando prosa, uns acendendo poesia.
Um cara sem nike no pé indo para o trampo com o zóio vermelho de tanto ler no ônibus.
Uns tiozinho e umas tiazinha no sarau enchendo a cara de poemas. Depois saíram vomitando versos na calçada.
O tráfico de informação não para, uns estão saindo algemado aos diplomas depois de experimentarem umas pílulas de sabedoria. As famílias, coniventes, estão em êxtase.
Esses vidas mansas estão esvaziando as cadeias e desempregando os Datenas.
A Vida não é mesmo loka?
8. Mel Duarte

orquídea roxa
Entre a distância do que os olhos dizem e as palavras enxergam
existe um corpo negro imerso em pensamentos
as mulheres que nele habitam falam ao mesmo tempo,
e hoje entendo que até o caos pode ser acolhimento.
Percebi que desatar os nós que me prendem
é tão importante quanto firmar os que me fortalecem
e essa força que me puxa pra baixo, mesmo com os pés cansados
vem pra ficar raiz e me conectar com o passado.
Me pergunto:
De tudo que guardo no peito, o que posso trazer á tona pra me dar mais acalento?
De tudo que ofereço pro mundo, o que posso absorver agora dele
pra me despertar mais conhecimento?
São tantas perguntas, tantos anseios
essa pausa no tempo, esse silêncio…
Então, contemplo o desabrochar da minha orquídea roxa
enquanto espero pelo prenúncio de novos tempos
9. Ryane Leão

eu quero saber
das opressões que você se livrou
e de como seu cabelo
anda cada dia mais
selvagem e lindo
quero saber da culpa que
não te habita mais
quero ouvir
tudo que te silenciaram
eu quero que você me conte
a história das suas
cicatrizes
10. Luz Ribeiro

JE NE PARLE PAS BIEN
excuse moi, pardon
me …
je ne parle pas bien français
je ne parle pas bien anglais non plus
je ne parle pas bien
je ne parle pas bien
je ne parle pas bien
je ne parle pas bien
…
eu tenho uma língua solta
que não me deixa esquecer
que cada palavra minha
é resquício da colonização
cada verbo que aprendi conjugar
foi ensinado com a missão
de me afastar de quem veio antes
nossas escolas não nos ensinam
a dar voos, subentendem que nós retintos
ainda temos grilhões nos pés
esse meu português truncado
faz soar em meus ouvidos
o lançar dos chicotes
em costas de couros pretos
nos terreiros de umbanda
evocam liberdade e entidade
com esse idioma que tentou nos prender
cada sílaba separada
me faz relembrar
de como fomos e somos segregados
nos encostaram nas margens
devido a uma falsa abolição
que nos transformou em bordas
me…
je ne parle pas bien
je ne parle pas bien
tiraram de nós o acesso
a ascensão
e eis que na beira da beira, ressurgimos
reinvenção
nossa revolução surge e urge
das nossas bocas
das falas aprendidas
que são ensinadas
e muitas não compreendidas
salve, a cada gíria
je ne parle pas bien
temos funk e blues
de baltimore a heliópolis
com todo respeito edith piaf
não é você quem toca no meu set list
eu tenho dançado ao som de “coller la petite”
je ne parle pas bien
o que era pra ser arma de colonizador
está virando revide de ex-colonizado
estamos aprendendo as suas línguas
e descolonizando os pensamento
estamos reescrevendo o futuro da história
não me peçam pra falar bem
parce que je ne parle pas bien
je ne parle pas bien
je ne parle pas bien, rien
eu não falo bem de nada
que vocês me ensinaram
Ao celebrarmos outubro, celebramos não apenas a memória daqueles que nos deixaram, mas a persistência da poesia em tempos desafiadores. A poesia é uma forma de resistência e é essa resistência que outubro nos convida a reconhecer e apreciar.