Dia do Poeta e Dia Nacional da Poesia

Clarissa Sayumi
12:07 31.10.2024
Arte e cultura

Dia do Poeta e Dia Nacional da Poesia

Outubro é um mês especial para a poesia, marcado pelo Dia do Poeta e pelo Dia Nacional da Poesia, homenageando grandes nomes e promovendo a resistência através das palavras

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- 31.10.2024 - 12:07
Dia do Poeta e Dia Nacional da Poesia
Foto: freepik.com

Chegamos ao fim de outubro, mês que marca o Dia do Poeta, 20. Algo tão simbólico que fez com que esses 31 dias fossem repletos de significados para a poesia brasileira. Nesse ano, o mês trouxe a consagração de nomes e obras, além de reflexão sobre legados deixados por poetas que se foram.

Em 20 de outubro de 1976, poetas brasileiros se reuniram na casa do jornalista Paulo Menotti Del Picchia, em São Paulo, para dar início ao Movimento Poético Nacional. A data foi escolhida como uma forma de homenagear e reconhecer o trabalho dos poetas que retratam o mundo através de seus versos.

Além disso, o dia 31 de outubro também é significativo no contexto da poesia brasileira, pois marca o Dia Nacional da Poesia, uma homenagem ao aniversário de Carlos Drummond de Andrade.

A poesia na FLIP 2024

Na 22ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP), que ocorreu de 9 a 13 de outubro, a poesia ocupou espaço na programação. A homenagem a João do Rio, um dos grandes cronistas e poetas brasileiros, foi destaque.

Entre as mesas literárias programadas, algumas abordaram diretamente a poesia e suas intersecções com a literatura contemporânea, como “As ruas têm alma: João do Rio”, que discutiu o legado do poeta e sua influência na crônica e na poesia. Já a “Da poeira que viemos” fez reflexões sobre diáspora e resistência na criação literária, com a participação de poetas contemporâneos.

O adeus de poetas em outubro
Poeta, ensaísta e letrista, Antonio Cicero construiu uma carreira que transitou entre a filosofia e a poesia, com obras como “A cidade e os livros”, “Porventura” e “Guardar”.

Foto: Eduardo Trópia/Divulgação

Chegou ao mundo em outubro de 1945 e se despediu dele em outubro de 2024. Cícero foi um dos nomes mais importantes da poesia brasileira contemporânea e era membro da Academia Brasileira de Letras.

A trajetória do escritor inclui parcerias musicais marcantes com artistas como Marina Lima, sua irmã, com quem compôs canções que ficaram na memória afetiva de gerações.

Sua influência vai além das letras, alcançando uma ampla discussão sobre a essência do poético. Em entrevista ao jornal O Globo, o poeta Eucanaã Ferraz afirmou: “Antônio Cícero ensinou uma geração inteira a ver a poesia não apenas como sentimento, mas como reflexão.”

Também foi em outubro que perdemos Manuel Bandeira, em 1968, com 82 anos. Um dos grandes poetas da literatura brasileira e grande nome do modernismo brasileiro, iniciou sua carreira literária com o livro A Cinza das Horas em 1917, mas foi com Libertinagem (1930) que consolidou seu estilo modernista.

O poeta Manuel Bandeira | Foto: Reprodução

Usava versos livres e uma linguagem coloquial que abordava o cotidiano e temas como a saudade, a morte e a infância.

Bandeira também se destacou como crítico literário e tradutor, ocupando a cadeira 24 da Academia Brasileira de Letras. Seu legado poético inclui obras como Os Sapos e Vou-me embora pra Pasárgada.

Especial: 10 poemas mais memoráveis de Manuel Bandeira

Quase 100 anos antes, Casimiro de Abreu faleceu aos 21 anos, em 18 de outubro de 1860. Foi um importante poeta da segunda geração do romantismo, conhecida como ultrarromantismo.

O poema Meus Oito Anos é um dos seus trabalhos mais conhecidos, onde o eu lírico expressa uma profunda saudade do tempo da infância e das belezas simples da vida, temas recorrentemente presente em sua obra.

Em 1859, publicou seu único livro, Primaveras, que recebeu grande acolhida, especialmente entre os jovens. Apesar de sua curta vida, Casimiro deixou um legado significativo na literatura brasileira, sendo reconhecido como o patrono da cadeira 6 da Academia Brasileira de Letras.

Por outro lado, grandes nomes da poesia também nasceram em outubro. Mário de Andrade é de 1893. Importante figura do modernismo brasileiro, foi um poeta, romancista e crítico musical. Sua obra mais famosa é Macunaíma.

Carlos Drummond de Andrade, também nascido em outubro, é de 1902 e foi dos mais influentes poetas da literatura brasileira, conhecido por sua obra A rosa do povo, que reflete sobre a condição humana e a sociedade brasileira.

10 poetas contemporâneos
E que tal encerrar esse mês valioso para a poesia para conhecer 10 poetas contemporâneos?

1. Conceição Evaristo

Reprodução – Instagram

Certidão de óbito

Os ossos de nossos antepassados

colhem as nossas perenes lágrimas

pelos mortos de hoje.

Os olhos de nossos antepassados,

negras estrelas tingidas de sangue,

elevam-se das profundezas do tempo

cuidando de nossa dolorida memória.

A terra está coberta de valas

e a qualquer descuido da vida

a morte é certa.

A bala não erra o alvo, no escuro

um corpo negro bambeia e dança.

A certidão de óbito, os antigos sabem,

veio lavrada desde os negreiros.

2. Angélica Freitas

Reprodução – Instagram

Eu durmo comigo

eu durmo comigo/ de bruços deitada eu durmo comigo/ virada pra direita eu durmo comigo/ eu durmo comigo abraçada comigo/ não há noite tão longa em que não durma comigo/ como um trovador medieval agarrado ao alaúde eu durmo comigo/ eu durmo comigo debaixo da noite estrelada/ eu durmo comigo enquanto os outros fazem aniversário/ eu durmo comigo às vezes de óculos/ e mesmo no escuro sei que estou dormindo comigo/ e quem quiser dormir comigo vai ter que dormir do lado.

3. Ricardo Aleixo

Divulgação

ORIKI DE OGUM À BEIRA-MAR

Pai

meu pai inumerável

meu inumerável

pai

que eu não

seja insensível

a nenhuma

beleza

& que nunca

me baste

nem toda a

beleza

que existe

no mundo

enquanto houver

mundo

4. Marília Garcia

Reprodução – Instagram

Perder o chão

você tem dedos

você é uma máquina

o polegar não deve se ouvir

indicador  médio  anular  dedo mínimo ou

auricular

as teclas vão num ritmo que varia

soltar os dedos     os punhos engessados

procurar aquela palavra que estava

colada na mão       não encontra

onde ela caiu? caminhar num lugar

sem chão

perder o chão

era um ponto vermelho

minúsculo escondido

um cisco

“Trinta dias sem ver você”

“Em silêncio sem saber nem ouvir nada”

escrevi as duas frases

a lápis num caderno

estava no meio de um sonho

depois li e chorei pensando que

ela tinha acabado

saturno não tem superfície

não tem chão       é um planeta feito

de gás com um pequeno núcleo de

rocha e metais

não ter onde pisar é estarrecedor

5. Ana Martins Marques

Reprodução – Instagram

Lugar para pensar

Gosto de pensar no escuro

fumando

olhando os polvos no aquário

do restaurante chinês

ou com a cabeça encostada no vidro do ônibus.

Gosto de pensar com as mãos na água

de óculos escuros

na escada rolante

vendo a cidade fugir

pelo espelho retrovisor.

Gosto de tentar adivinhar

o pensamento das pessoas

gosto de pensar que o pensamento

é um inquilino incendiário.

Uma coisa que nunca entendi é por que

em geral se acredita que o poema

não é lugar para pensar.

6. Bráulio Bessa

Reprodução – Instagram

Recomece

Quando a vida bater forte

e sua alma sangrar,

quando esse mundo pesado

lhe ferir, lhe esmagar…

É hora do recomeço.

Recomece a LUTAR.

Quando tudo for escuro

e nada iluminar,

quando tudo for incerto

e você só duvidar…

É hora do recomeço.

Recomece a ACREDITAR.

Quando a estrada for longa

e seu corpo fraquejar,

quando não houver caminho

nem um lugar pra chegar…

É hora do recomeço.

Recomece a CAMINHAR.

Quando o mal for evidente

e o amor se ocultar,

quando o peito for vazio,

quando o abraço faltar…

É hora do recomeço.

Recomece a AMAR.

Quando você cair

e ninguém lhe aparar,

quando a força do que é ruim

conseguir lhe derrubar…

É hora do recomeço.

Recomece a LEVANTAR.

Quando a falta de esperança

decidir lhe açoitar,

Veja também:

se tudo que for real

for difícil suportar…

É hora do recomeço.

Recomece a SONHAR.

Enfim,

É preciso de um  final

pra poder recomeçar,

como é preciso cair

pra poder se levantar.

Nem sempre engatar a ré

significa voltar.

Remarque aquele encontro,

reconquiste um amor,

reúna quem lhe quer bem,

reconforte um sofredor,

reanime quem tá triste

e reaprenda na dor.

Recomece, se refaça,

relembre o que foi bom,

reconstrua cada sonho,

redescubra algum dom,

reaprenda quando errar,

rebole quando dançar,

e se um dia, lá na frente,

a vida der uma ré,

recupere sua fé

e RECOMECE novamente.

7. Sérgio Vaz

Reprodução – Instagram

A Vida É Loka

Esses dias tinha um moleque na quebrada

com uma arma de quase 400 páginas na mão.

Uma minas cheirando prosa, uns acendendo poesia.

Um cara sem nike no pé indo para o trampo com o zóio vermelho de tanto ler no ônibus.

Uns tiozinho e umas tiazinha no sarau enchendo a cara de poemas. Depois saíram vomitando versos na calçada.

O tráfico de informação não para, uns estão saindo algemado aos diplomas depois de experimentarem umas pílulas de sabedoria. As famílias, coniventes, estão em êxtase.

Esses vidas mansas estão esvaziando as cadeias e desempregando os Datenas.

A Vida não é mesmo loka?

8. Mel Duarte

Reprodução – Instagram

orquídea roxa

Entre a distância do que os olhos dizem e as palavras enxergam

existe um corpo negro imerso em pensamentos

as mulheres que nele habitam falam ao mesmo tempo,

e hoje entendo que até o caos pode ser acolhimento.

Percebi que desatar os nós que me prendem

é tão importante quanto firmar os que me fortalecem

e essa força que me puxa pra baixo, mesmo com os pés cansados

vem pra ficar raiz e me conectar com o passado.

Me pergunto:

De tudo que guardo no peito, o que posso trazer á tona pra me dar mais acalento?

De tudo que ofereço pro mundo, o que posso absorver agora dele

pra me despertar mais conhecimento?

São tantas perguntas, tantos anseios

essa pausa no tempo, esse silêncio…

Então, contemplo o desabrochar da minha orquídea roxa

enquanto espero pelo prenúncio de novos tempos

9. Ryane Leão

Reprodução – Instagram

eu quero saber

das opressões que você se livrou

e de como seu cabelo

anda cada dia mais

selvagem e lindo

quero saber da culpa que

não te habita mais

quero ouvir

tudo que te silenciaram

eu quero que você me conte

a história das suas

cicatrizes

10. Luz Ribeiro

Reprodução – Instagram

JE NE PARLE PAS BIEN

excuse moi, pardon

me …

je ne parle pas bien français

je ne parle pas bien anglais non plus

je ne parle pas bien

je ne parle pas bien

je ne parle pas bien

je ne parle pas bien

eu  tenho  uma língua solta

que não  me deixa esquecer

que cada palavra minha

é resquício da colonização

cada verbo que aprendi conjugar

foi  ensinado  com a missão

de me afastar de quem  veio  antes

nossas escolas não  nos ensinam

a dar voos, subentendem que nós retintos

ainda temos grilhões nos pés

esse meu português truncado

faz soar em meus ouvidos

o lançar dos chicotes

em costas de couros pretos

 nos terreiros de umbanda

evocam liberdade e entidade

com esse idioma que tentou  nos prender

cada sílaba separada

me faz relembrar

de como  fomos e somos segregados

nos encostaram nas margens

devido  a uma falsa abolição

que nos transformou em bordas

me…

je ne parle pas bien

je ne parle pas bien

tiraram de nós o  acesso

a ascensão

e eis que na beira da beira, ressurgimos

reinvenção

nossa revolução  surge e urge

das nossas bocas

das falas aprendidas

que são ensinadas

e muitas não  compreendidas

salve, a cada gíria

je ne parle pas bien

temos funk e blues

de baltimore a heliópolis

com todo  respeito edith piaf

não  é  você quem toca no  meu set list

eu tenho dançado ao som de “coller la petite”

je ne parle pas bien

o  que era pra ser arma de colonizador

está  virando  revide  de ex-colonizado

estamos aprendendo  as suas línguas

e descolonizando  os pensamento

estamos reescrevendo  o  futuro da história

não  me peçam pra falar bem

parce que je ne parle pas bien

je ne parle pas bien

je ne parle pas bien, rien

eu  não  falo  bem de nada

que vocês me ensinaram

Ao celebrarmos outubro, celebramos não apenas a memória daqueles que nos deixaram, mas a persistência da poesia em tempos desafiadores. A poesia é uma forma de resistência e é essa resistência que outubro nos convida a reconhecer e apreciar.

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