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Especial Emicida, parte 2

Lívia Nolla
14:30 19.08.2022
Autor

Lívia Nolla

Cantora e Pesquisadora Musical
Jornalismo

Especial Emicida, parte 2

Na última quarta-feira (17), Emicida, um dos nomes mais importantes da história da música brasileira, completou 37 anos. Como homenagem, fizemos uma série especial de textos para celebrar sua vida, carreira e história de Emicida. Se você ainda não conferiu a Parte 1, clique aqui. Hoje, vamos relembrar momento desde as batalhas de rap até … Continued

Novabrasil - 19.08.2022 - 14:30
Especial Emicida, parte 2
Especial Emicida, parte 2

Na última quarta-feira (17), Emicida, um dos nomes mais importantes da história da música brasileira, completou 37 anos. Como homenagem, fizemos uma série especial de textos para celebrar sua vida, carreira e história de Emicida. Se você ainda não conferiu a Parte 1, clique aqui. Hoje, vamos relembrar momento desde as batalhas de rap até a criação da Lab Fantasma, hub de entretenimento.

 

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Emicida, o corre

As batalhas de rap

Emicida ficou uns quatro anos batalhando diariamente, mas percebeu que – naquela época, com a pouca visibilidade – a carreira dos MC’s ficava somente ali, nas batalhas. E ele queria ir mais longe. Queria alcançar mais pessoas com sua voz e suas rimas.

No começo, Dona Jacira, sua mãe, não apoiava muito a decisão do filho. Por já ter visto a sua própria arte ser silenciada tantas vezes e por medo de que a história do marido se repetisse. Tinha muito preconceito em torno das batalhas de rap, muito racismo envolvido: muitos diziam que era “coisa de bandido”.

Medo também do que podia acontecer com seus dois filhos pretos. Porque Emicida já levava o irmão mais novo, Evandro, para as batalhas (até a pedido da mãe, que via que o filho não ia desistir tão cedo de seu sonho). 

“Você é o único representante do seu sonho na face da terra”), LEVANTA E ANDA, 2013.

Hoje, Dona Jacira fala que a melhor coisa que os dois filhos fizeram foi não a terem escutado: “Se tivesse me escutado, seriam dois serventes de pedreiro”.

A cultura do hip hop

Com o tempo, a mãe compreendeu a seriedade e a devoção com o que eles levavam a música. Ela conta também, que só voltou a fazer arte quando o trabalho do Leandro deu certo, porque viu que ele falava o que ela bordava, o que ela mesma cantava.

Ela conta que se reconheceu quando escutou ele cantar Chuva de Mísseis:

“Enforcado na sujeira dos relógios / O segue-segue dos Homens que marcham para elevar e apodrecer o mundo / No fundo, o absurdo é que todos são gêmeos e ridículos / Só muda o título os números e os capítulos”), CHUVA DE MÍSSEIS, 2009.

 “Eu não sabia que rap era isso. Este menino canta o que eu canto”, exclama Dona Jacira.

Emicida conta que toda a família se conectou graças à força da cultura hip hop, que fez com que eles vissem valor neles mesmos: “O próprio conceito de família, de afeto, se reinventa com o hip hop”, declara.

Tanto é que todo mundo – família e amigos – ajudava a embalar os milhares de CD’s, quando Emicida decidiu burlar a lógica burocrática e custosa da indústria musical, tornando-se – ele mesmo, junto com  irmão – o seu próprio selo, a sua própria produtora, o seu próprio empresário.

Nóis quer ser dono do circo, cansamos da vida de palhaço”.), BOA ESPERANÇA, 2015.

Isso aconteceu quando ele foi alertado pelo produtor musical a quem chama de seu mentor, Felipe Vassão, de que seus vídeos nas batalhas de MC tinham mais de um milhão de visualizações no na internet. Não tinha dinheiro para o ônibus, mas era famoso no YouTube”, brinca.

A rua é Noiz

Com uma mudança acontecendo no mercado da música, percebeu que podia usar isso a seu favor. Foi aí que – em 2008 – lançou o single Triunfo (A Rua é Noiz), a faixa foi produzida por Felipe Vassão a partir das experimentações de Emicida com samples de jazz em um MPC60. “A Rua é Noiz” é uma frase pronunciada com frequência por Emicida, como um bordão mesmo, desde essa época.

Eles fizeram um clipe da música e colocaram no Youtube (este clipe concorreu ao prêmio de Melhor Vídeo no Video Music Brasil 2009, onde Emicida também concorreu nas categorias Melhor Grupo/Artista de Rap e Aposta MTV. Rapidamente, a música – que hoje tem mais de 10 milhões de views – se tornou um imenso sucesso:

“Não escolhi fazer RAP não, na moral

O RAP me escolheu porque eu aguento ser real

Como se faz necessário, tiozão

Uns rima por ter talento

Eu rimo porque eu tenho uma missão

Sou porta-voz de quem nunca foi ouvido

(…)

 

No fim das conta fazer rima é a parte mais fácil

Já escrevi RAP com as ratazana passeando em volta, tio

Goteira na telha, tremendo de frio

Quantos morreu assim e no fim quem viu?”

 

TRIUNFO, 2008

Laboratório Fantasma

Foi assim que Emicida e Fióti lançaram, em 2009, a Laboratório Fantasma (o nome é inspirado no  Motoqueiro Fantasma, super herói favorito do rapper). Nascida como um coletivo de artes, a Laboratório Fantasma é hoje um hub de entretenimento que tem como missão transformar os lugares por meio da música e do amor.

O propósito da LAB é transmitir a ideia de que é possível sonhar e construir a seu modo a sua caminhada, e nesse percurso agregar pessoas, promover encontros, e inspirar os nossos de que juntos sempre chegaremos mais longe. Eles são selo, produtora, marca de roupas, agenciamento de outros artistas… São um conceito. 

É a forma que Emicida sempre trabalha e sempre trabalhou: faz de sua arte um exercício de cidadania ativa e inclusiva. Ele é um acontecimento, um divisor de águas no rap e no mercado da música:  abriu espaço para muita gente: na música, na moda, na linguagem… 

Emicida e Fióti passaram por muitos projetos sociais e de inclusão como o SESC e o Projeto Guri. E acreditam que tudo o que constróem é uma conquista coletiva muito grande:

“O hip hop não é uma música, é um estilo de vida, uma cultura. O rap é a música da cultura hip hop, e o hip hop só produz vitória coletiva. Se não for coletivo, não é do hip hop”

Triunfo define a essência, o modus operandi e a forma de ver o mundo da Laboratório Fantasma. É o nosso primeiro manifesto”, declara o Emicida. 

Mas, vamos continuar, para entender como Emicida chegou até aqui.

Pra Quem Já Mordeu Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe

Com o sucesso de Triunfo e a fundação da Laboratório Fantasma, o artista lançou a sua primeira mixtape – Pra Quem Já Mordeu Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe – com 25 faixas. Os CDs eram prensados por eles, em casa, um por um, e vendidos de mão em mão. Tudo muito artesanal. 

O preço, na mão deles, era R$ 2. Preço de custo mesmo. O que Emicida queria era que as pessoas pudessem pagar pelo seu disco e – depois – fossem buscar mais do seu trabalho na internet e nos seus shows. Era assim que ele se tornaria mais conhecido e alcançaria mais gente. Para as lojas e camelôs, ele vendia o CD a R$ 10. 

Uma vez, tirou a mixtape de uma galeria do centro de São Paulo e carimbou “R$ 10” na capa. “Coloquei esse preço pros caras da loja ganharem a grana deles também, mas respeitando o piso dos fãs, aí os lojistas estavam vendendo a 15, 20 reais, para lucrar em cima.”.

Emicida chegou a mandar CDs para o exterior, de tanto sucesso. A repercussão foi rápida.

“Lançamos a mixtape em um fim de semana. Na sexta-feira, tínhamos vendido umas 30 cópias. No dia seguinte já tinha gente passando de carro para pegar uns lotes. Na segunda-feira nós fomos fazer as contas e tínhamos vendido mil cópias”, conta.

Na época, Emicida explicou porque lançou uma mixtape antes de um álbum:

“É mais caseiro, os produtores amigos meus me mostram os beats que eles fizeram, eu vou para casa, escrevo uma letra. Para fazer um álbum eu queria todo mundo no estúdio, criando aos poucos. (…) Ainda não está na hora de gravar um álbum, não acho que meu público seja tão grande. Não quero fazer como um monte de artista aí, que estreou para o nada, lançou um disco que ninguém ouviu”.

Emicida queria mais. Queria muito mais que fazer sucesso. Queria mudar a história do país. E queria vencer e fazer isso de forma coletiva. “É no encontro que nossa existência faz sentido”, diz o artista no seu documentário AmarElo, É Tudo pra Ontem, de 2021, citando o Manifesto Antropofágico do modernista Oswald de Andrade.

“Tudo, tudo, tudo que nóis têm é nóis”), PRINCIPIA, 2019.

Na contracapa do livro comemorativo de 10 anos do lançamento de Pra Quem Já Mordeu Cachorro Por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe, Fióti relembra o que Emicida falou pra ele na época:

“Ou a gente lança essa mixtape e recupera a autoestima do nosso povo, ou o rap vai naufragar. A gente precisa injetar ânimo no segmento, depois da morte do Sabotage o rap se abateu. – (o rapper foi assassinado, em 2003, aos 29 anos) – É preciso levantar a cabeça e ir pro ringue. (…) A gente vai ter que vender um produto mais barato e 10 vezes melhor que o da concorrência”.

“Então levanta e anda, vai, levanta e anda”), LEVANTA E ANDA, 2013.

Logo mais, aqui no site da Novabrasil, você confere mais uma matéria especial em homenagem a Emicida, o multiartista que marcou a história da música brasileira com a força de sua arte.

Emicida é um dos grandes nomes que marcarão presença no Festival Novabrasil 2022, juntamente com Rael, Drik Barbosa e Fióti (Lab Fantasma). Para saber mais sobre o FNB22, clique aqui.

Leia a matéria anterior:

https://novabrasilfm.com.br/notas-musicais/brasilidade/hoje-e-dia-de-emicida/

por Lívia Nolla

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Lívia Nolla é cantora, apresentadora e pesquisadora musical

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