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Você sabe o que foi a Tropicália, o Tropicalismo e o Movimento Tropicalista? 

Lívia Nolla
19:00 24.09.2024
Autor

Lívia Nolla

Cantora e Pesquisadora Musical
Música

Você sabe o que foi a Tropicália, o Tropicalismo e o Movimento Tropicalista? 

Entenda o movimento de contracultura que mudou para sempre a história do Brasil; confira especial do site aqui

Lívia Nolla - 24.09.2024 - 19:00
Você sabe o que foi a Tropicália, o Tropicalismo e o Movimento Tropicalista? 
Foto: Divulgação.

O termo Tropicália

A Tropicália é um dos movimentos culturais mais significativos do Brasil, abrangendo música, cinema, artes visuais e artes cênicas. O termo Tropicália foi usado pela primeira vez pelo artista Hélio Oiticica, para uma obra de arte de mesmo nome que ele expôs no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1967.

A obra demonstrava o desejo de Hélio de dar à arte contemporânea um caráter especificamente brasileiro. O artista introduziu nesse trabalho a desordem, a criatividade e a coletividade das experiências vividas, injetando uma “realidade brasileira” para subverter a “pureza” do modernismo europeu.

Alguns dizem que o início da Tropicália se deu em 1928, quando o polêmico poeta brasileiro Oswald de Andrade publicou o Manifesto Antropófago. Sob a forma de um ensaio, a principal alegação do autor era a de que o histórico do Brasil de “canibalizar” (ou criar algo novo após absorver) outras culturas era o principal ponto forte do país. 

Ele dizia que, ao tirar proveito do interesse europeu modernista pelo primitivismo, o canibalismo se tornou uma forma de o Brasil se autoafirmar contra o domínio cultural pós-colonial europeu. A linha mais icônica do Manifesto, que aparece escrita em inglês, é: “Tupi or not Tupi: that is the question”. 

Trata-se tanto de uma celebração aos tupis, que praticavam algumas formas de canibalismo em rituais, quanto de um exemplo metafórico do canibalismo que “come” Shakespeare ao se basear na famosa frase “To be or not to be, that is the question” (em português, “Ser ou ser, eis a questão”). 

As ideias apresentadas nesse ensaio e a introdução da Tropicália na esfera cultural por Hélio Oiticica ajudaram a inspirar uma maior mudança cultural e política no Brasil, em que muitos adotaram o espírito de mesclar influências para criar algo único. 

Obra Tropicália, 1967, Hélio Oiticica | Reprodução fotográfica César Oiticica Filho

O Movimento Tropicalista 

Depois do termo Tropicália ser introduzido por Hélio Oiticica, em 1967, grandes nomes da música popular brasileira – Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Torquato Neto, Rogério Duprat, Capinan, Tom Zé e Os Mutantes – iniciaram o chamado Movimento Tropicalista: um movimento de contracultura, que transcende tudo o que já havia em termos de produção artística no Brasil. 

A Tropicália contempla e internacionaliza a música, o cinema, as artes plásticas, o teatro e toda a arte brasileira. O movimento surgiu sob a influência das correntes artísticas da vanguarda e da cultura pop nacional e estrangeira, como o rock e o concretismo, misturando manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais, para criar algo inovador, que interviesse na cena de indústria cultural e de cultura de massas da época. E que representasse uma mudança de parâmetros, que atendesse também aos anseios da juventude da época.

Em 1968, Caetano Veloso lançou seu primeiro LP individual, em que traz a canção Tropicália, cantando o verso: “Eu organizo o movimento”, referindo-se ao Tropicalismo. Na música, ele introduz um pouco do que seria a Tropicália:

O álbum Tropicália ou Panis Et Circensis

No mesmo ano, Caetano lançou – ao lado de seus companheiros de movimento Tropicalista – o álbum Tropicália ou Panis Et Circensis. Entre as canções, está a faixa que dá nome ao disco, Panis Et Circensis, parceria de Caetano e Gilberto Gil que é uma sátira das convenções burguesas em resposta ao regime militar e à consequente liberalização econômica em meados da década de 1960. 

Embora a rejeição de alguns aspectos da sociedade fosse comum na música brasileira, ela nunca havia sido apresentada dessa maneira. A melodia é irregular e mescla elementos da música tradicional brasileira com o rock internacional, além de ter trazido inúmeros instrumentos e sons novos, como o toque de cornetas. 

Outras músicas muito significativas são Bat Macumba, também de Caetano e Gil – música que traz pitadas de rock psicodélico – e Baby, de Caetano e eternizada na voz de Gal Costa, que fala de cultura pop e faz críticas à uma sociedade capitalista e consumista.

Tropicália foi eleito o segundo melhor disco de música brasileira da história, pela Revista Rolling Stone, em 2007.

Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Os Mutantes (Rita Lee, Arnaldo Baptista e Sérgio Dias), Tom Zé, Torquato Neto e Rogério Duprat | Foto: Oliver Perroy / Capa do álbum Tropicália ou Panis Et Circensis, 1968

A prisão dos líderes do Tropicalismo

No fim de 1968, Caetano apresentou a canção É Proibido Proibir, no 3º Festival Internacional da Canção. Vestido com uma roupa de plástico e acompanhado das distorções de guitarra de Os Mutantes, Caetano foi vaiado pela plateia e desagradou o júri. 

Naquele momento, o artista fez um discurso histórico – antes de ser desclassificado e se retirar, junto com Gil (que apresentou a sua canção Questão de Ordem) – em que diz a emblemática frase: “Vocês não estão entendendo nada!”. E não estavam mesmo. Era um novo momento para a música popular brasileira e não tinha mais volta.

É também de 1968, a música Divino Maravilhoso (de Caetano e Gil), defendida por Gal Costa no Festival da TV Record, em uma apresentação revolucionária, que soava como grito de liberdade para a juventude da época. 

Em tempos duros de repressão – no auge da Ditadura Militar e diante da recente instauração do Ato Institucional nº 5 – com o cerceamento das liberdades democráticas, de expressão e das criações libertárias, o movimento Tropicalista sofreu forte censura e perseguição. Caetano e Gil – já grandes ídolos de uma geração e líderes do movimento – foram presos em novembro de 1968 e, depois, obrigados a se exilar em Londres, até 1972.

Neste período, Gal Costa tornou-se a grande voz do movimento Tropicalista, representando os amigos exilados com sua voz e sua postura contra a ditadura militar brasileira.

Caetano Veloso e Gilberto Gil, ícones da Tropicália. | Foto: Reprodução.

Muito além da música 

O Movimento Tropicalista não se restringe apenas à música. A influência da Tropicália pode ser vista na literatura, com o trabalho de Torquato Neto; no cinema, por meio de Glauber Rocha e seu Cinema Novo; e no teatro, com o trabalho de Zé Celso e do Teatro Oficina. 

O Tropicalismo abriu um novo caminho para que os artistas contemporâneos adotassem novas culturas e emprestassem elementos delas. A influência do movimento ultrapassou até mesmo as fronteiras do Brasil, com artistas como David Byrne, Beck, Devendra Banhart e Nelly declarando que a Tropicália teve impacto sobre o trabalho deles. 

A Tropicália levou o multiculturalismo a um novo patamar, e as pessoas que faziam parte do movimento o transformaram em uma nova forma de cultura que podia ser ouvida, vista e sentida. Embora a duração desse movimento tenha sido breve no Brasil, o legado eterno da Tropicália continua sendo fonte de inspiração até os dias de hoje. 

por Lívia Nolla

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Lívia Nolla é cantora, apresentadora e pesquisadora musical

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