
História da música “Tempo Perdido”, da Legião Urbana

História da música “Tempo Perdido”, da Legião Urbana
Hoje o site da Novabrasil separou um dos maiores sucessos da banda e um dos maiores clássicos do rock nacional


A Legião Urbana é uma das mais importantes bandas do cenário rock brasileiro de todos os tempos e fez história com as suas canções, consagradas até os dias de hoje, influenciando toda uma geração, para sempre. Hoje, vamos saber a história da música “Tempo Perdido”, um dos maiores sucessos da banda e um dos maiores clássicos do rock nacional.
Sobre a Legião Urbana
Por 14 anos – de 1982 a 1996 – o líder e vocalista da Legião Urbana foi o cantor, compositor, produtor e multi-instrumentista, Renato Russo. Suas letras geniais – carregadas de ideais, sensibilidade e críticas sociais – e sua interpretação única, carregam uma legião (com o perdão do trocadilho) de fãs pelo Brasil inteiro.
Um dos maiores poetas da MPB de todos os tempos, Renato nasceu no Rio de Janeiro, mas foi morar em Brasília, quando, em 1978, conheceu o baterista Fê Lemos, e os dois descobriram o gosto em comum pelo punk rock inglês e americano.
Como eram raros os punks em Brasília, os dois ficam amigos e começam uma banda, com Renato no baixo, Fê na bateria e André Pretorius na guitarra: o Aborto Elétrico.
Eles começaram então um movimento punk, nomeado “Turma da Colina”, junto com outras bandas de Brasília, como Plebe Rude eOs Paralamas do Sucesso.
Pretorius, que era filho de um embaixador da África do Sul, completou 18 anos no final de 79 e teve que voltar para servir o exército no seu país. Renato Russo passou então para a guitarra e assumiu também os vocais da banda.
Quem assumiu o baixo foi o irmão de Fê, Flávio Lemos. Pouco depois, as guitarras passaram para Ico Ouro-Preto, irmão do Dinho, ficando Renato apenas com os vocais e grande parte das composições.
A banda se separou em 1982, dando origem – mais tarde – ao Capital Inicial (Fê e Flávio Lemos se juntaram a Dinho Ouro Preto e Loro Jones) e à Legião Urbana. São da época do Aborto Elétrico composições que depois vieram a se tornar grandes sucessos ou no Capital ou na Legião, como “Que País É Esse?”, “Veraneio Vascaína”, “Fátima” e “Música Urbana”.
Em 1982, Renato passa a fazer trabalhos solo, se apresentando como “O Trovador Solitário”, e criou músicas como “Faroeste Caboclo”, “Eduardo e Mônica” e “Música Urbana 2”. Já cansado de tocar sozinho, no mesmo ano, o artista foi em busca de novos parceiros para um trabalho em grupo. Seu sonho era atingir o sucesso com uma banda de rock.
A Legião Urbana surgiu quando Renato se juntou ao baterista e compositor Marcelo Bonfá, que já tinha feito parte da banda “Dado e o Reino Animal“, de Dado Villa-Lobos. Pouco depois, Dado entrou para a Legião, como guitarrista e também compositor.
A música “Química”, escrita por Renato Russo, se tornou a primeira canção da chamada Turma da Colina a ser gravada em fonograma e lançada em todo o país, por meio dos amigos dos Paralamas do Sucesso, em seu primeiro disco, de 1983.
Foram também os Paralamas, que levaram uma fita demo da Legião Urbana para a sua primeira gravadora, a EMI. Assim, em 1985, a Legião lançou o seu primeiro álbum, agora com Renato Rocha no baixo.

O sucesso ímpar da banda
Já neste primeiro disco, a banda emplacou os imensos sucessos: “Será”, “Ainda é Cedo”, “Geração Coca-Cola” e “Por Enquanto”. 1985 foi o ano em que se encerrou o período sombrio da ditadura militar no Brasil e muitas das letras da banda foram inspiradas pelo clima e os anseios que rondavam a juventude daquela época.
O primeiro disco vendeu mais de 550 mil cópias e possui um forte engajamento político-social, com letras que fazem críticas contundentes a diversos aspectos da sociedade brasileira, mas que também inspiram esperança e amor. A juventude brasileira dos anos 80 compreendia e se identificava com o conteúdo da banda e o álbum é considerado um dos maiores discos de rock nacional da história.
No ano seguinte, a Legião Urbana lançou o seu segundo álbum, com um estilo mais próximo do folk e letras mais líricas e interiorizadas, mantendo imenso sucesso. São deste álbum grandes clássicos, hinos de uma geração, como – além de “Tempo Perdido”: “Índios”, “Quase Sem Querer” e “Eduardo e Mônica”.
Nos anos que se seguiram, vieram mais sucessos como “Eu Sei”, “Angra dos Reis” e o improvável mega-hit de nove minutos de duração: “Faroeste Caboclo”. Em 1989, Renato Rocha deixou a banda, mas o trio formado por Renato Russo, Marcelo Bonfá e Dado Villa-Lobos seguiu firme e se tornou cada vez mais produtivo.
No mesmo ano, a Legião Urbana lançou o seu disco mais maduro até então: “As Quatro Estações”. Entre as faixas de imenso sucesso estão os hits radiofônicos:
- Pais e Filhos
- Há Tempos
- Quando o Sol Bater na Janela do Seu Quarto
- Meninos e Meninas
- Monte Castelo.
Rapidamente o disco se tornou o mais vendido da carreira da banda, com mais de 2,5 milhões de cópias apenas no ano de lançamento.

A despedida de Renato Russo
Também em 1989, Renato Russo descobriu ser HIV positivo. Ele nunca assumiu isso publicamente em vida. Logo que descobriu, se reuniu com o seu empresário e pediu que ele organizasse tudo depois da sua morte.
Suas letras a partir de então passaram também a tratar sobre temas mais introspectivos, falar sobre depressão, solidão, soropositividade, intolerância e dependência química (com a qual Renato passou a lidar depois de saber sobre a sua condição de saúde)
A banda ainda lançou mais clássicos ao longo dos próximos anos como:
- Teatro dos Vampiros
- O Mundo Anda Tão Complicado
- Vento no Litoral
- Hoje a Noite Não Tem Luar (hit que estourou com o sucesso do Acústico MTV)
- Giz
- Perfeição
- Vinte e Nove
- Vamos Fazer Um Filme
- A Via Láctea.
Renato Russo faleceu em outubro de 1996 e – onze dias depois da sua partida – Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá anunciaram o fim das atividades do grupo, mas ainda tinham três discos em contrato com a gravadora para lançar.
Eles seguiram suas carreiras e lançaram discos solo nos anos seguintes. Vários discos póstumos foram lançados depois da morte de Renato, tanto da banda, quanto de trabalhos solo do cantor.
Em 2013, estreou o filme “Somos Tão Jovens”, que retrata desde a adolescência de Renato até os dois primeiros anos da Legião Urbana. No mesmo ano, estreou o longa “Faroeste Caboclo”, adaptação da famosa canção. E em 2022, foi a vez de “Eduardo e Mônica” ganhar as telonas.
Em 2012, a MTV organizou um show tributo pelos trinta anos de início das atividades do grupo. A homenagem teve a participação do ator e diretor Wagner Moura como vocalista.
Em 2015, Dado e Bonfá se reuniram com outros músicos para o projeto “Legião Urbana XXX Anos”, que consistiu em uma série de shows para comemorar os pouco mais de 30 anos do lançamento do primeiro disco, reunindo o repertório integral do álbum. Quem assumiu os vocais dessa vez foi André Frateschi.
Devido ao grande sucesso o projeto retornou em 2018 para apresentar o segundo e terceiro álbuns de estúdio da banda.

A história da música “Tempo Perdido”, sucesso da Legião Urbana
Os primeiros esboços do que viria a ser “Tempo Perdido” vem lá de 1981, quando Renato Russo tinha 21 anos e ainda integrava o Aborto Elétrico. Naquela época, ele compôs uma melodia e uma forma de cantar muito aproximada da versão final de “Tempo Perdido”, só que a música não tinha esse nome ainda.
Ela chamava “Gente Obsoleta” e nem foi feita para o repertório do Aborto Elétrico, que era uma banda de inspiração punk, que já tocava composições do Renato como “Geração Coca-cola” e “Que País É Esse”. Era já uma canção que Renato compunha só para ele tocar em voz e violão.
Veja também:
Aqui tem uma gravação de 1981 – feita pelo Renato Russo em fita cassete – de “Gente Obsoleta”, para que vocês vejam como ela se parece com “Tempo Perdido”, a não ser pela letra:
Quando essa raridade de gravação foi descoberta, somente em 2016, revelou junto com ela muitas outras composições de Renato.
O que se sabe é que o artista engavetou essa música e ela nunca havia sido conhecida pelo grande público. Renato Russo só resgatou essa melodia por volta de 1984 ou 1985.
Bom, voltemos ao ano de 1983 ou 84, quando a Legião Urbana já existia como um trio formado por Renato, Dado Villa-Lobos e Marcelo Bonfá, que passou alguns meses compondo as músicas que estariam no primeiro disco da banda, que seria lançado no começo de 1985.
Uma dessas músicas também nunca foi lançada: “1977″, um punk-rock que trazia os versos: “Todos os dias quando acordo de manhã / Não tenho mais o tempo do dia que passou / Mas tenho muito tempo / Para acabar com essa indecisão”.
Mais pra frente a música ainda traz outros versos: “Todos os dias quando eu deito para dormir / Fico pensando em todas as coisas que eu não fiz”. Reconhecem algo familiar? Sim! Os versos são muito parecidos com o início de “Tempo Perdido”.
A banda fez uma gravação dessa música por volta de 1983, quando estava sendo sondada ali pela gravadora EMI para lançamento do primeiro disco, só que Renato Russo não gostou do resultado de “1977” e também engavetou essa música, que você consegue escutar aqui:
Então, o que o Renato fez com “Tempo Perdido” foi não perder tempo e resgatar parte da melodia de “Gente Obsoleta” e parte da letra de “1977″ – as melhores partes de cada uma delas – para compor o maior sucesso da Legião Urbana, sua música mais reproduzida: “Tempo Perdido”.
“Não temos tempo a perder”! Na letra final, Renato brinca com alguns ditados ou provérbios, frases do nosso cotidiano que envolvem o tempo, como que em um alerta de que a vida passa rápido demais.
Outro trecho de “1977” que foi aproveitado por Renato Russo foi “Não é coincidência essa minha indiferença”, que entrou para a canção “A Montanha Mágica”, do disco “V”, o quinto álbum da Legião Urbana.
Mais detalhes sobre a história da música “Tempo Perdido”
No fim de 1984, quando os integrantes da Legião Urbana estavam passando uma temporada na casa dos pais do Dado Villa-Lobos – no Lago Sul, em Brasília – Renato quis concluir essa nova letra, que viria a ser “Tempo Perdido”.
Só que ele nunca ficava satisfeito com os versos da canção, tanto que ele chegou a pedir ajuda para o escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva, que tinha lançado o seu livro “Feliz Ano Velho”, em 1982, e que foi adaptado para o teatro em 1983, ano em que ele conheceu os integrantes da Legião Urbana e todosficaram bem amigos.
Renato ofereceu parceria a Marcelo, para que ele escrevesse a letra de “Tempo Perdido”, mas o escritor recusou e então o artista concluiu sozinho a letra, juntando com a melodia daquela antiga música chamada “Gente Obsoleta”.
A primeira vez que a Legião Urbana tocou “Tempo Perdido” foi em show foi em novembro de 1984, na boate Mamão com Açúcar, no Rio de Janeiro e tem a gravação desse dia no YouTube:
O personagem da letra de “Tempo Perdido” está refletindo sobre a passagem do tempo, mas não existe nenhum comentário de Renato Russo sobre de onde ele tirou inspiração para essa letra.
O que se sabe é que no disco em que a música foi lançada – que é o segundo álbum da Legião Urbana, chamado “Dois” e lançado em 1986 – Renato quis mostrar um outro lado como letrista em relação às letras do primeiro álbum, de 1985.
Ele contou em uma entrevista, em fevereiro de 1986: “- Não estamos mais afim de cuspir em cima dos outros. Isso já foi feito. Têm outros conjuntos que estão seguindo essa linha, eu não tenho nada contra, mas partimos pra outra. Esse disco agora tem muita música de amor mas também música que fala do Social do político.”.
O autor do livro “Renato Russo: o Filho da Revolução”, o jornalista Carlos Marcelo nos conta que acredita que Renato faz – em “O Tempo Perdido” – um paralelo com a obra “Em Busca do Tempo Perdido”, do escritor francês Marcel Proust, com sete livros que foram publicados entre 1913 e 1927.
Esse romance tem um personagem central, que fala o tempo todo sobre as suas memórias e como elas impactam na vida dele: “Todos os dias, desde o final da tarde, muito antes do momento em que deveria ir para a cama e ficar sem dormir – longe de minha mãe e de minha avó – o quarto de dormir tornava-se o ponto fixo e doloroso de minhas preocupações.”.
Não se sabe se Renato leu essa obra inteira, se ele leu só alguns trechos, ou se ele só está fazendo uma referência ao Proust, porque a letra fala sobre memórias. A doutora em Literatura Brasileira, Julliany Mukury, escreveu no livro “Renato, o Russo”, que quando o personagem da música diz que lembra e esquece como foi o dia, ele está escolhendo aquilo que vai guardar na memória. E que todos os erros e as coisas ruins serão apagadas.
Mas que ele não precisa se envergonhar disso, afinal de contas: “Somos tão jovens”, como se isso fosse uma desculpa para errar. Assim, ela diz que: “O tema dessa letra é o estado de espírito transitório e doído do indivíduo que começa a perceber o seu lugar no mundo, no sistema, diante das regras do cotidiano.”.
Já o filósofo Marcos Carvalho Lopes em “EnsaiosLegionários” tem a seguinte visão sobre o personagem de “Tempo Perdido”:“Ele está sempre querendo esquecer o passado e olhar pra frente. Com foco no trabalho, rumo ao progresso, que é o suor. Devemos agir, nos ocupar, trabalhar, suar o sagrado que nos ajuda a superar o tempo nos fazendo esquecer da sua passagem”.
Segundo ele, esse suor seria “menos sério do que perceber a finitude do sangue que corre, o gosto amargo de saber que o tempo passa”. E a “tempestade que cai” seria o momento em que você se dá conta que o tempo passa e que a vida acaba. Então, você acende a luz, tenta esconder essa tempestade, continua seguindo em frente, afinal, “somos tão jovens” e “temos todo o tempo do mundo”.
Quando a banda estava se preparando para gravar o álbum “Dois“, Renato Russo fez uma espécie de tese sobre o disco para apresentar aos executivos da gravadora e escreveu: “Tempo Perdido” – Imbatível como última faixa do primeiro lado. Mas não é a faixa para ser trabalhada de início. A concepção incluía, originalmente, uma sequência final acústica, que seria um improviso – violão lento, fogueira, ondas, efeitos – comentando o tema e as ideias apresentadas pela própria canção e preparando o terreno para a segunda parte do trabalho no Lado 2″.
Renato Russo não achava que essa música deveria ser a primeira a ser trabalhada, mas a gravadora discordava, tanto que – no fim de junho de 86 – antes do disco estar disponível nas lojas, a EMI já mandou “Tempo Perdido” para as rádios. A canção foi rapidamente para os primeiros lugares das paradas de sucesso.
Um pouco antes, o programa Fantástico convidou a Legião Urbana para gravar um clipe de “Tempo Perdido” e a banda ainda produziu um segundo clipe, gravado em preto e branco, em que apareciam – na televisão – fotos de artistas como Jimmy Hendrix, Bob Dylan e John Lennon, todos bem novinhos, também em uma reflexão sobre o tempo.