
A história da música “Menina Veneno”, de Ritchie

A história da música “Menina Veneno”, de Ritchie
Hoje o site da Novabrasil apresenta um dos maiores hits nacionais de todos os tempos do anglo-brasileiro; confira e ouça


Hoje vamos conhecer a história da música “Menina Veneno”, sucesso do anglo-brasileiro Ritchie em parceria com Bernardo Vilhena, um dos maiores hits nacionais de todos os tempos, que tornou-se um dos maiores fenômenos da música brasileira da década de 80.
Sobre Ritchie
Nascido Richard David Cort, em Beckenham, na Inglaterra, em 06 de março de 1952, Ritchie completa 73 anos hoje.
No ano de 1972, ele estava estudando em Oxford, quando um amigo guitarrista disse que iria para a capital, Londres, participar de uma gravação. Essa gravação ia ter uma pegada hippie, com um grupo chamado “Everyone Involved”, que significa “todo mundo envolvido”, em inglês.
E a ideia era bem essa: juntar uma galera para fazer um som que e protestar contra um projeto de intervenção em uma praça londrina. Esse projeto juntava várias minorias e também alguns músicos brasileiros.
Entre esses brasileiros – ninguém mais, ninguém menos – que Rita Lee, o produtor e músico Liminha e a guitarrista Lucinha Turnbull, que tocava com Rita. Ritchie ficou amigo dos brasileiros lá no estúdio mesmo e recebeu um convite para ir ao Brasil tocar com os Mutantes, banda da qual Rita Lee ainda fazia parte,
Ritchie topou, mesmo não tendo um conhecimento muito profundo de música brasileira. Ele sabia mais da Bossa Nova, de João Gilberto, Tom Jobim, mas ainda não conhecia os Mutantes.
Pouco depois, Ritchie veio para o Brasil, também porque ele tinha se apaixonado por uma brasileira lá em Londres ainda. Mas quando ele chegou no Brasil, com um visto de três meses, levou um pé na bunda da moça e quase voltou para casa. Até que ele foi a um festival no Rio de Janeiro, viu o Raul Seixas no banheiro, vestido de Elvis Presley, ficou encantado e pensou: “Esse país é muito melhor do que eu imaginava!”.
Nesse festival também estavam os Mutantes e Ritchie finalmente conheceu Sérgio Dias e Arnaldo Baptista e recebeu um convite para ir morar com eles na comunidade em que viviam na Serra da Cantareira, em São Paulo.
Durante todo o ano de 1972, o inglês circulou ali perto dos Mutantes, enquanto se arriscava em sua própria banda Scaladácida, que só não assinou com a gravadora paulista Continental porque Ritchie ainda estava em situação irregular no país.
A Scaladácida, que fazia um som progressivo/jazz/rock, terminou no ano seguinte e – com o fim da banda – Ritchie se casou, mudou para o Rio de Janeiro, começou a dar aulas de inglês (inclusive para Gal Costa!) conseguiu se regularizar e fez participações como flautista em alguns grupos.
Até que, em 1974, ele recebeu um convite de Lulu Santos para entrar no grupo de rock progressivo Vímana, do qual também fazia parte Lobão, então um jovem baterista. Esse grupo prometia ser um estouro no meio da onda do rock progressivo, mas eles nunca chegaram a decolar, encerrando as atividades em 1978.
Ritchie então voltou a dar aulas de inglês. Mas é agora que chegamos na parte mais importante da história: a composição da música “Menina Veneno”.

A história da música “Menina Veneno”, de Ritchie
No começo dos anos 80, Ritchie estava se achando velho para fazer rock e percebendo que as gravadoras não estavam dispostas a investir no rock and roll.
Até que ele foi convidado pelo amigo Dimka Paul – outro inglês casado com uma brasileira – para fazer os arranjos de um disco que o amigo estava indo gravar em Londres. Nessa viagem, no fim de 1980, Ritchie se sentiu confiante de novo!
De volta ao Rio, ele – que morava no mesmo prédio do Lobão, em São Conrado – assistiu a banda Blitz se reunindo para fazer os primeiros ensaios e isso o deixou com a tentação de voltar a fazer música.
Era agosto de 1982 quando Ritchie literalmente sonhou com a melodia de “Menina Veneno” Sua esposa, a arquiteta e estilista Leda Azúcar, tinha dado pra ele um pequeno teclado Cassiotone, quase de brinquedo, em que ele gostava de compor, e lá ele encontrou as notas daquela melodia com a qual ele tinha sonhado.
Naquele mesmo dia, o poeta, escritor e letrista Bernardo Vilhena – que inclusive tinha contribuído com a Blitz, com a letra de “Mais uma de Amor (Geme Geme)”, que estourou pouco depois disso- estava descendo a serra fluminense para visitar Ritchie.
Bernardo já estava pensando em uma letra inspirada no livro ”O Homem e seus Símbolos”, organizado pelo psiquiatra suíço Carl Jung, com outros autores.
Esse livro foi lançado em 1964 com o objetivo de difundir as idéias junguianas para um público mais amplo. É um livro que fala muito sobre a relação entre nós e o inconsciente. Naquele dia, o Bernardo já chegou para o encontro com o título da canção: “Menina Veneno”.
Os dois artistas gostavam de escrever letras juntos. Ritchie então mostrou a melodia com a qual ele tinha sonhado e eles foram completando a letra juntos. Só que logo que começaram o processo, a porta abriu e era Mary, a filha de dois anos do Ritchie, que estava aprendendo a andar. Aí, ela fechou a porta e foi embora.
Pouco depois, a porta abriu de novo, Mary fechou e saiu. Na terceira vez, Bernardo Vilhena já usou aquele momento de inspiração para um verso da música: “Ouço passos na escada, vejo a porta abrir”.
E, aos poucos, os versos foram surgindo – um a um – e a canção ficou pronta em menos de 20 minutos.
Em uma entrevista à BBC, realizada em 2023 para comemorar os 40 anos da canção, Ritchie disse que a “Menina Veneno” da canção não é uma pessoa, é uma aparição. É uma figura onírica, muito sensual e quase mitológica.
Onírico é algo que está relacionado aos sonhos, ao inconsciente. Portanto, tem a ver com o livro do Carl Jung. Inclusive, nesse livro, um dos capítulos fala sobre as aparições femininas nos sonhos masculinos, a ideia de uma mulher sedutora. E segundo Ritchie, o desespero do protagonista da história da música “Menina Veneno” e se entender como uma presa dessa figura feminina e sensual.
As outras inspirações da música são diversas. Por exemplo: tinha um lençol azul ali no quarto onde estavam compondo:
Veja também:
“Um abajur cor de carne, um lençol azul
Cortinas de seda no seu corpo nu”
Mas e o abajur cor de carne? Bom, Bernardo Vilhena se inspirou em uma uma história que leu sobre a atriz alemã Marlene Dietrich, que em 1959 se hospedou no Copacabana Palace, no Rio, e elogiou a cor dos abajures do hotel. Ela usou o termo alemão “Fleisch Farbe”, que quer dizer “cor de carne”, em uma tradução literal.
Só que para os compositores, o termo “carne” está mais relacionado à pele e não à carne que compramos no supermercado. Claro que isso só faz sentido em um grupo em que todo mundo tem a mesma cor de pele, e – ao pesquisarmos por esse termo – aparecem variações de cor que são próximas às cores de pele de pessoas de origem germânica: branca.
A tradução mais correta do termo que a atriz alemã usou para o português seria “carnação”: “representação do corpo humano nu e com a cor natural”. Mas os compositores decidiram manter uma tradução literal por conta do contexto da letra de “Menina Veneno”, para ser algo mais pecaminoso, sobre a “carne fraca”, o carnal, o pecado.
Ritchie diz que essa é uma música muito ligada a sentimentos latinos e que ele já até tentou traduzir a letra para a sua língua natal, mas que ela não funciona na língua inglesa, porque ela tem muito a ver conosco, os brasileiros.

Sobre a gravação de “Menina Veneno”, de Ritchie
Depois da música criada, Ritchie gravou uma fita demo, com “Menina Veneno” acompanhada de uma outra música: “Vôo de Coração”, e mostrou a fita para as gravadoras WEA, EMI e Som Livre e todas elas disseram não.
Ele sentiu então que era como se fosse o ponto final, pensou em desistir de vez da música, em fazer outra coisa da vida. Mas, para não desperdiçar aquelas composições, ele resolveu publicar um LP pelo selo independente Vinyl: “Era um disco para encerrar minha carreira, registrar minhas músicas. Curiosamente, foi quando a minha carreira realmente começou.”, conta Ritchie.
O plano do artista era gravar um LP artesanal e vender de mão em mão. Por isso, ele foi ao estúdio do Liminha para fazer várias cópias das gravações em fitas. Foi quando bateu na porta e entrou na sala de Liminha, um cara chamado Fernando Adour, ligado à CBS, dizendo que a gravadora estava procurando um nome para competir com a Blitz, da gravadora EMI.
Ritchie mostrousuas músicaspara Fernando, que gostou muito levou a fita para a diretoria da CBS, que escutou e quis lançar “Vôo de Coração”, porque ela tinha um solo de Steve Hackett, guitarrista do Genesis.
Ritchie teve que ir então aos estúdios da gravadora, porque a música precisava de alguns ajustes por conta do número de canais nos quais ela tinha sido gravada. Chegando lá, o artista anglo-brasileiro passou uma lábia no cara do estúdio e falou: “Cara, vou gravar rapidinho uma outra música, que eu acabei de fazer aqui, chamada ‘Menina Veneno’”.
Rapidamente ele mostrou a canção aos músicos de estúdio, entre eles, seus velhos amigos Lobão e Liminha, que tocam bateria e guitarra na faixa, respectivamente. Logo, Ritchie foi à casa do diretor da CBS e contou que tinha gravado outra música, mas que tinha certeza que ele ia gostar. E ele gostou mesmo.
Acontece que parte da diretoria também não queria lançar um cantor inglês cantando em português: “Metade da gravadora achava que aquilo não ia dar certo. O que tinha a ver esse gringo com sotaque, não sei o quê? Isso nunca vai dar certo!”, conta Ritchie.
Eles mandaram então essa fita para os mercados “teste” de Fortaleza, Curitiba e Belo Horizonte, e uma das primeiras rádios a tocar a “Menina Veneno” foi a Verdes Mares de Fortaleza, em janeiro de 1983.
A gravadora combinou com o divulgador da rádio que ele tinha que esperar o carnaval passar, para não correr risco de lançar uma música pop no meio do carnaval e ninguém ligar.
Só que o divulgador colocou a música pra tocar na rádio assim que recebeu a fita. Dias depois, os representantes de vendas locais ligavam desesperados pedindo algo vendável porque a música estava estourada em todas as rádios e os fãs queriam algo para poder comprar.
Do Nordeste, o sucesso de “Menina Veneno” foi descendo até contagiar o eixo Rio-São Paulo. O plano da gravadora era lançar o compacto em abril, mas eles tiveram que antecipar, saindo no dia 14 de fevereiro, logo depois do carnaval.
A pressa era tanta que não tinha uma foto produzida para colocar na capa e o Ritchie ofereceu uma foto que ele já tinha produzido para aquele LP artesanal que ele ia fazer. O compacto vendeu 500.000 cópias em poucas semanas e começaram a vir muitos pedidos para shows.
“Menina Veneno” desbancou “Billie Jean”, um dos maiores sucessos do Michael Jackson.
O LP “Vôo de Coração” foi lançado em seguida e passou de um milhão de cópias vendidas, conquistando disco de ouro em apenas duas semanas do lançamento. “Menina Veneno” ganhou uma versão em espanhol para o mercado latino e chegou a tocar 145 vezes no mesmo dia nas rádios do Rio e de São Paulo.
Gostou de saber a história da música “Menina Veneno”?