Especial Hilda Hilst: conheça as 6 maiores obras da poeta

Clarissa Sayumi
13:22 18.11.2024
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Especial Hilda Hilst: conheça as 6 maiores obras da poeta

A autora foi a voz provocadora da literatura brasileira, que desafiou normas com ousadia, poemas, ficção e uma dose de pornografia

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- 18.11.2024 - 13:22
Especial Hilda Hilst: conheça as 6 maiores obras da poeta
Hilda Hilst. Foto: Instituto Hilda Hilst.

Nascida em Jaú, São Paulo, em 21 de abril de 1930, Hilda Hilst teve uma infância marcada pela separação dos pais e pela saúde mental debilitada do pai. Formada em Direito pela Universidade de São Paulo, decidiu se dedicar à literatura, publicando seu primeiro livro de poesias, Presságio, em 1950, aos 20 anos. Faleceu em 4 de fevereiro de 2004.

Ao longo de sua carreira, que se estendeu por quase cinco décadas, Hilda produziu mais de 40 obras que incluem poesia, teatro e ficção, explorando temas como amor, morte e misticismo.

Em 1965, Hilda se estabeleceu na “Casa do Sol”, em Campinas, um espaço que se tornaria um refúgio criativo e um ponto de encontro para intelectuais. A casa abrigou a escritora por 35 anos e foi onde cerca de 80% de sua obra foi escrita. Tombada como patrimônio cultural em 2012, a Casa do Sol é hoje um centro cultural aberto ao público.

A obra de Hilst é conhecida por seu caráter provocativo e excêntrico. Segundo o professor Alcir Pécora, amigo próximo e organizador de suas obras, a escrita de Hilda é mais voltada para perturbar do que para oferecer respostas claras.

Reconhecida apenas nos últimos anos de vida, a autora conquistou um público amplo que aprecia sua abordagem existencialista e experimental. Pécora destaca que Hilda nunca se encaixou perfeitamente em movimentos literários tradicionais, o que dificultou seu reconhecimento inicial.

Principais Obras de Hilda Hilst

  • Baladas (2004)
    Tendo seu lançamento precedido por momento de comoção – o da morte de sua autora –, Baladas é a compilação dos três primeiros livros de poesia de Hilda Hilst: Presságio, de 1950; Balada de Alzira, de 1951; e Balada do festival, de 1955.

– Presságio (1950)

– Balada de Alzira (1951)

– Balada do Festival (1955)

  • Da Poesia (2017)
    Pela primeira vez, a produção poética de Hilda Hilst, dispersa em mais de vinte livros, é reunida em um único volume.
Foto: Divulgação.
  • Fluxo Floema (1970)
    Fluxo-Floema é o primeiro livro em prosa de Hilda Hilst, lançado após anos de intensa produção poética e teatral. A obra écomposta por cinco textos que quase não apresentam narrativa convencional. A obra reflete sua busca por novas formas de expressão e questionamentos existenciais, estabelecendo um marco na literatura brasileira contemporânea.
Foto: Divulgação.
  • A obscena senhora D (1982)
    Aos sessenta anos, após a morte do marido, Hillé ― a senhora D ― percebe que está absolutamente sozinha. Em seu luto, a protagonista decide viver no vão da escada de casa e experimentar o mais profundo isolamento.

    Num intenso fluxo de consciência, ela se vê às voltas com lembranças do passado ao mesmo tempo que se pergunta sobre o verdadeiro sentido da vida. A obscena senhora D é uma das obras mais cultuadas e transgressoras de Hilda Hilst.
Foto: Divulgação.
  • O Caderno Rosa de Lori Lamby (1990)
    Este livro deu início à fase obscena da autora de Júbilo, memória, noviciado da paixão. O Caderno Rosa de Lori Lamby, marca sua despedida da “literatura séria” para se dedicar a escrever “adoráveis bandalheiras”. A narrativa gira em torno de Lori, uma menina de oito anos que, com o consentimento dos pais, se prostitui e registra suas experiências em um diário. Com humor ácido e uma autoconsciência brutal, ela relata os prazeres e desencontros da sedução.
Foto: Divulgação.
  • Bufólicas (1992)
    Em Bufólicas, Hilda Hilst reinventa o obsceno de forma poética. Com poemas provocativos como “O Reizinho Gay”, “A Rainha Careca”, “O Anão Triste” e “Filó, a Fadinha Lésbica”, a obra se destaca como uma antologia sem concessões, desafiando tabus e explorando a liberdade de expressão.
Foto: Divulgação.

Um pouco da poesia de Hilda

1. Amavisse

Como se te perdesse, assim te quero.

Como se não te visse (favas douradas

Sob um amarelo) assim te apreendo brusco

Inamovível, e te respiro inteiro

Um arco-íris de ar em águas profundas.

Como se tudo o mais me permitisses,

A mim me fotografo nuns portões de ferro

Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima

No dissoluto de toda despedida.

Como se te perdesse nos trens, nas estações

Ou contornando um círculo de águas

Removente ave, assim te somo a mim:

De redes e de anseios inundada.

2. Tenta-me de novo

E por que haverias de querer minha alma

Na tua cama?

Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas

Obscenas, porque era assim que gostávamos.

Mas não menti gozo prazer lascívia

Nem omiti que a alma está além, buscando

Aquele Outro. E te repito: por que haverias

De querer minha alma na tua cama?

Jubila-te da memória de coitos e acertos.

Ou tenta-me de novo. Obriga-me.

3. Dez chamamentos ao amigo

Se te pareço noturna e imperfeita

Olha-me de novo. Porque esta noite

Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.

E era como se a água

Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio

E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo

Entendo que sou terra. Há tanto tempo

Espero

Que o teu corpo de água mais fraterno

Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.

E mais atento.

4. Árias Pequenas. Para Bandolim

Antes que o mundo acabe, Túlio,

Deita-te e prova

Esse milagre do gosto

Que se fez na minha boca

Enquanto o mundo grita

Belicoso. E ao meu lado

Te fazes árabe, me faço israelita

E nos cobrimos de beijos

E de flores

Antes que o mundo se acabe

Antes que acabe em nós

Nosso desejo.


5. Aquela

Aflição de ser eu e não ser outra.

Aflição de não ser, amor, aquela

Que muitas filhas te deu, casou donzela

E à noite se prepara e se adivinha

Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha

Que te retém e não te desespera.

(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra

Veja também:

E ter a face conturbada e móvel.

E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.

Aflição de te amar, se te comove.

E sendo água, amor, querer ser terra.

6. Passeio

De um exílio passado entre a montanha e a ilha

Vendo o não ser da rocha e a extensão da praia.

De um esperar contínuo de navios e quilhas

Revendo a morte e o nascimento de umas vagas.

De assim tocar as coisas minuciosa e lenta

E nem mesmo na dor chegar a compreendê-las.

De saber o cavalo na montanha. E reclusa

Traduzir a dimensão aérea do seu flanco.

De amar como quem morre o que se fez poeta

E entender tão pouco seu corpo sob a pedra.

E de ter visto um dia uma criança velha

Cantando uma canção, desesperando,

É que não sei de mim. Corpo de terra.

7. Desejo

Quem és? Perguntei ao desejo.

Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.

8. XXXII

Por que me fiz poeta?

Porque tu, morte, minha irmã,

No instante, no centro

De tudo o que vejo.

No mais que perfeito

No veio, no gozo

Colada entre eu e o outro.

No fosso

No nó de um íntimo laço

No hausto

No fogo, na minha hora fria.

Me fiz poeta

Porque à minha volta

Na humana ideia de um deus que não conheço

A ti, morte, minha irmã,

Te vejo.

9. Porque há desejo em mim

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.

Antes, o cotidiano era um pensar alturas

Buscando Aquele Outro decantado

Surdo à minha humana ladradura.

Visgo e suor, pois nunca se faziam.

Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo

Tomas-me o corpo. E que descanso me dás

Depois das lidas. Sonhei penhascos

Quando havia o jardim aqui ao lado.

Pensei subidas onde não havia rastros.

Extasiada, fodo contigo

Ao invés de ganir diante do Nada.


10. Poemas aos homens do nosso tempo

Enquanto faço o verso, tu decerto vives.

Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.

Dirás que sangue é o não teres teu ouro

E o poeta te diz: compra o teu tempo.

Contempla o teu viver que corre, escuta

O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.

Enquanto faço o verso, tu que não me lês

Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.

O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:

“Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”.

Irmão do meu momento: quando eu morrer

Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:

MORRE O AMOR DE UM POETA.

E isso é tanto, que o teu ouro não compra,

E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto

Não cabe no meu canto.

Hilst rompeu com convenções literárias e explorou o obsceno e o existencial. Embora tenha enfrentado dificuldades para ser reconhecida em vida, sua reavaliação pós-morte consolidou seu lugar como uma das grandes figuras da literatura contemporânea.

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