
Especial Hilda Hilst: conheça as 6 maiores obras da poeta
Especial Hilda Hilst: conheça as 6 maiores obras da poeta
A autora foi a voz provocadora da literatura brasileira, que desafiou normas com ousadia, poemas, ficção e uma dose de pornografia


Nascida em Jaú, São Paulo, em 21 de abril de 1930, Hilda Hilst teve uma infância marcada pela separação dos pais e pela saúde mental debilitada do pai. Formada em Direito pela Universidade de São Paulo, decidiu se dedicar à literatura, publicando seu primeiro livro de poesias, Presságio, em 1950, aos 20 anos. Faleceu em 4 de fevereiro de 2004.
Ao longo de sua carreira, que se estendeu por quase cinco décadas, Hilda produziu mais de 40 obras que incluem poesia, teatro e ficção, explorando temas como amor, morte e misticismo.
Em 1965, Hilda se estabeleceu na “Casa do Sol”, em Campinas, um espaço que se tornaria um refúgio criativo e um ponto de encontro para intelectuais. A casa abrigou a escritora por 35 anos e foi onde cerca de 80% de sua obra foi escrita. Tombada como patrimônio cultural em 2012, a Casa do Sol é hoje um centro cultural aberto ao público.
A obra de Hilst é conhecida por seu caráter provocativo e excêntrico. Segundo o professor Alcir Pécora, amigo próximo e organizador de suas obras, a escrita de Hilda é mais voltada para perturbar do que para oferecer respostas claras.
Reconhecida apenas nos últimos anos de vida, a autora conquistou um público amplo que aprecia sua abordagem existencialista e experimental. Pécora destaca que Hilda nunca se encaixou perfeitamente em movimentos literários tradicionais, o que dificultou seu reconhecimento inicial.
Principais Obras de Hilda Hilst
- Baladas (2004)
Tendo seu lançamento precedido por momento de comoção – o da morte de sua autora –, Baladas é a compilação dos três primeiros livros de poesia de Hilda Hilst: Presságio, de 1950; Balada de Alzira, de 1951; e Balada do festival, de 1955.

– Presságio (1950)
– Balada de Alzira (1951)
– Balada do Festival (1955)
- Da Poesia (2017)
Pela primeira vez, a produção poética de Hilda Hilst, dispersa em mais de vinte livros, é reunida em um único volume.

- Fluxo Floema (1970)
Fluxo-Floema é o primeiro livro em prosa de Hilda Hilst, lançado após anos de intensa produção poética e teatral. A obra écomposta por cinco textos que quase não apresentam narrativa convencional. A obra reflete sua busca por novas formas de expressão e questionamentos existenciais, estabelecendo um marco na literatura brasileira contemporânea.

- A obscena senhora D (1982)
Aos sessenta anos, após a morte do marido, Hillé ― a senhora D ― percebe que está absolutamente sozinha. Em seu luto, a protagonista decide viver no vão da escada de casa e experimentar o mais profundo isolamento.
Num intenso fluxo de consciência, ela se vê às voltas com lembranças do passado ao mesmo tempo que se pergunta sobre o verdadeiro sentido da vida. A obscena senhora D é uma das obras mais cultuadas e transgressoras de Hilda Hilst.

- O Caderno Rosa de Lori Lamby (1990)
Este livro deu início à fase obscena da autora de Júbilo, memória, noviciado da paixão. O Caderno Rosa de Lori Lamby, marca sua despedida da “literatura séria” para se dedicar a escrever “adoráveis bandalheiras”. A narrativa gira em torno de Lori, uma menina de oito anos que, com o consentimento dos pais, se prostitui e registra suas experiências em um diário. Com humor ácido e uma autoconsciência brutal, ela relata os prazeres e desencontros da sedução.

- Bufólicas (1992)
Em Bufólicas, Hilda Hilst reinventa o obsceno de forma poética. Com poemas provocativos como “O Reizinho Gay”, “A Rainha Careca”, “O Anão Triste” e “Filó, a Fadinha Lésbica”, a obra se destaca como uma antologia sem concessões, desafiando tabus e explorando a liberdade de expressão.

Um pouco da poesia de Hilda
1. Amavisse
Como se te perdesse, assim te quero.
Como se não te visse (favas douradas
Sob um amarelo) assim te apreendo brusco
Inamovível, e te respiro inteiro
Um arco-íris de ar em águas profundas.
Como se tudo o mais me permitisses,
A mim me fotografo nuns portões de ferro
Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima
No dissoluto de toda despedida.
Como se te perdesse nos trens, nas estações
Ou contornando um círculo de águas
Removente ave, assim te somo a mim:
De redes e de anseios inundada.
2. Tenta-me de novo
E por que haverias de querer minha alma
Na tua cama?
Disse palavras líquidas, deleitosas, ásperas
Obscenas, porque era assim que gostávamos.
Mas não menti gozo prazer lascívia
Nem omiti que a alma está além, buscando
Aquele Outro. E te repito: por que haverias
De querer minha alma na tua cama?
Jubila-te da memória de coitos e acertos.
Ou tenta-me de novo. Obriga-me.
3. Dez chamamentos ao amigo
Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse
Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.
Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta
Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.
4. Árias Pequenas. Para Bandolim
Antes que o mundo acabe, Túlio,
Deita-te e prova
Esse milagre do gosto
Que se fez na minha boca
Enquanto o mundo grita
Belicoso. E ao meu lado
Te fazes árabe, me faço israelita
E nos cobrimos de beijos
E de flores
Antes que o mundo se acabe
Antes que acabe em nós
Nosso desejo.
5. Aquela
Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.
Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)
Aflição de ser água em meio à terra
Veja também:
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel
Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra.
6. Passeio
De um exílio passado entre a montanha e a ilha
Vendo o não ser da rocha e a extensão da praia.
De um esperar contínuo de navios e quilhas
Revendo a morte e o nascimento de umas vagas.
De assim tocar as coisas minuciosa e lenta
E nem mesmo na dor chegar a compreendê-las.
De saber o cavalo na montanha. E reclusa
Traduzir a dimensão aérea do seu flanco.
De amar como quem morre o que se fez poeta
E entender tão pouco seu corpo sob a pedra.
E de ter visto um dia uma criança velha
Cantando uma canção, desesperando,
É que não sei de mim. Corpo de terra.
7. Desejo
Quem és? Perguntei ao desejo.
Respondeu: lava. Depois pó. Depois nada.
8. XXXII
Por que me fiz poeta?
Porque tu, morte, minha irmã,
No instante, no centro
De tudo o que vejo.
No mais que perfeito
No veio, no gozo
Colada entre eu e o outro.
No fosso
No nó de um íntimo laço
No hausto
No fogo, na minha hora fria.
Me fiz poeta
Porque à minha volta
Na humana ideia de um deus que não conheço
A ti, morte, minha irmã,
Te vejo.
9. Porque há desejo em mim
Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.
10. Poemas aos homens do nosso tempo
Enquanto faço o verso, tu decerto vives.
Trabalhas tua riqueza, e eu trabalho o sangue.
Dirás que sangue é o não teres teu ouro
E o poeta te diz: compra o teu tempo.
Contempla o teu viver que corre, escuta
O teu ouro de dentro. É outro o amarelo que te falo.
Enquanto faço o verso, tu que não me lês
Sorris, se do meu verso ardente alguém te fala.
O ser poeta te sabe a ornamento, desconversas:
“Meu precioso tempo não pode ser perdido com os poetas”.
Irmão do meu momento: quando eu morrer
Uma coisa infinita também morre. É difícil dizê-lo:
MORRE O AMOR DE UM POETA.
E isso é tanto, que o teu ouro não compra,
E tão raro, que o mínimo pedaço, de tão vasto
Não cabe no meu canto.
Hilst rompeu com convenções literárias e explorou o obsceno e o existencial. Embora tenha enfrentado dificuldades para ser reconhecida em vida, sua reavaliação pós-morte consolidou seu lugar como uma das grandes figuras da literatura contemporânea.