Larissa Abbud: “Tem Dendê”
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Crônicas de uma Cozinheira, com Larissa Abbud
Chef especializada em comida brasileira
Larissa Abbud: “Tem Dendê”
Chef revive memórias através de ingredientes brasileiros
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Quando eu tinha três anos pedi para minha mãe me levar a Salvador para comprar um tênis cor de abóbora. Fico imaginando o que levou uma menina criada no interior do estado do Rio de Janeiro a querer atravessar o país por conta de um sapato de uma cor um tanto quanto original.
Pode parecer piada, mas a mamãe colocou toda a família no carro e dirigimos 1.200km em busca do tal calçado cor de abóbora. A saga pelas lojas não faz parte da minha memória, mas lembro com exatidão do tênis de sola branca e um cano alto de cor vermelho-alaranjado, intenso e um tanto quanto brilhoso.
Apaixonada pelo meu novo sapato subia e descia as ladeiras do “Pelô”. Estava inebriada por cores, aromas e sabores. Foi nessa viagem que experimentei pela primeira vez pratos com nomes que nunca antes tinha ouvido: Acarajé, Vatapá, Caruru, Bobó e a tal da Moqueca. Esse prato cremoso, colorido, que chega borbulhando na mesa, dentro de uma panela de barro preta – que cuidado, está sempre muito quente.
Pouco a pouco fui começando a entender o que havia naquele caldeirão. Logo entendi que o responsável por aquela complexidade de sabores devia-se a um óleo espesso vermelho-alaranjado, igual ao meu tênis, e que atende pelo nome de Dendê. Foi amor, a primeira mordida.
Ao longo dos anos as viagens para a Bahia começaram a ficar cada vez mais recorrentes. E quem vai a Bahia, tem que trazer dendê… O óleo era comprado nas pequenas vendas e mercados, viajava em uma garrafa pet, já utilizada por algum refrigerante, e era consumida com cautela e em ocasiões especiais, afinal, ter dendê da Bahia era uma iguaria digna de valorização. O fato curioso é que atualmente, 99% do dendê produzido no Brasil se concentra no Pará.
O óleo de Dendê é extraído do fruto do dendezeiro, uma palmeira originária da Bacia do Congo, na África e que pode atingir até 15 metros de altura. É uma arvore imponente e um alimento rico em vitamina A e vitamina E, o que ajuda no fortalecimento do sistema imunológico, melhora o funcionamento dos órgãos reprodutores e a saúde da pele e dos olhos.
Não é à toa, que ao chegar ao Brasil, no início da colonização, o dendê tinha funções meramente cosméticas. Só depois do fim da abolição, no século XIX, que os comerciantes passaram a trazer o óleo de dendê que é usado na culinária.
Do fruto do dendê é extraído dois tipos de óleo, o azeite de dendê, retirado da polpa,
e o óleo de palmiste, extraído da amêndoa. O dendê, ou óleo de palma, são hoje os óleos mais produzidos no mundo, ficando atrás apenas do óleo de soja. Além do uso culinário, o dendê é um elemento importante da cultura religiosa afro-brasileira, e muito utilizado em oferendas e rituais para orixás guerreiros, pois é visto como um agente apaziguador, utilizado sobretudo para acalmar e trazer equilíbrio.
O dendê é um ingrediente complexo. Tem uma cor forte, um sabor peculiar, um uso vasto e abrangente. O dendê tem personalidade, e pra mim, é um dos ingredientes que mais representa o Brasil, não pelo seu vasto consumo em diferentes regiões, mas por ser um elemento que representa o nosso prato, a nossa mesa, a nossa história e a nossa economia. E como bem definiu Alcione, na música Tem Dendê, “é o resumo desse sumo, desse molho. Que até num piscar de olho, é capaz de endoidecer”.
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Crônicas de uma Cozinheira, com Larissa Abbud
Chef de cozinha e empreendedora vivendo há 8 anos em Portugal.