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Tarsila do Amaral: A Revolução do Modernismo Brasileiro

Clarissa Sayumi
12:15 24.10.2024
Arte e cultura

Tarsila do Amaral: A Revolução do Modernismo Brasileiro

A artista que desafiou normas sociais e culturais, moldando a identidade brasileira através de sua obra e legado

Clarissa Sayumi - 24.10.2024 - 12:15
Tarsila do Amaral: A Revolução do Modernismo Brasileiro
Foto: Montagem.

Tarsila do Amaral foi uma das figuras mais emblemáticas do modernismo brasileiro. Reconhecida por sua capacidade de traduzir a identidade e a cultura do país em suas obras, desafiou os padrões artísticos da época.

Trajetória Artística

Nascida em 1 de setembro de 1886, em Capivari, São Paulo, Tarsila do Amaral veio de uma família tradicional ligada à agricultura. Desde cedo, demonstrou interesse pela arte, pintando seu primeiro quadro, “Sagrado Coração de Jesus”, aos 18 anos. Este trabalho inicial refletia as influências da arte europeia tradicional, que predominava no início do século 20.

A formação artística de Tarsila teve início em São Paulo, mas, em 1904, se mudou para Barcelona, na Espanha, para continuar seus estudos. Durante esse período, teve contato com as vanguardas europeias e começou a desenvolver seu estilo próprio.

Depois de um retorno ao Brasil, foi para Paris, em 1920. Em suas viagens para a Europa, passou por muitas influências artísticas. Frequentou a Académie Julian, onde teve a oportunidade de interagir com grandes nomes da arte moderna, como Pablo Picasso e Fernand Léger, com quem teve aula.

Essa experiência foi fundamental para sua formação como artista e para sua imersão nas tendências do cubismo, expressionismo e futurismo.

O amor da vida de Tarsila

André Teixeira Pinto

O primeiro relacionamento de Tarsila foi com André Teixeira Pinto, seu primo. Casaram-se em 1909, mas o casamento foi tumultuado e se divorciaram em 1920.

Anita Malfatti e o Grupo dos Cinco

Como divórcios não eram bem-vistos na época, a família de Tarsila a mandou para estudar na capital, onde ficou amiga da pintora Anita Malfatti. Depois, passou dois anos em Paris e voltou no mesmo ano em que ocorreu a Semana de Arte Moderna.

Foto: Divulgação.

Anita Malfatti foi uma das primeiras a apresentar Tarsila às figuras centrais do movimento, os poetas e escritores Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Menotti Del Picchia.

Juntos, buscavam romper com as tradições acadêmicas da arte e explorar uma estética que refletisse a realidade brasileira e suas particularidades culturais. Tarsila trouxe consigo as influências das vanguardas europeias e ajudou a moldar os ideais do modernismo brasileiro.

Oswald de Andrade
Nessa nova fase, a artista se apaixonou por Oswald de Andrade. O casal casou-se em 1926 e formou uma parceria intelectual que resultou na criação do Manifesto Antropofágico, que defendia a “deglutição” das influências culturais europeias para criar uma arte genuinamente brasileira.

Foto: Divulgação.

No entanto, o relacionamento terminou em 1929 quando Oswald a traiu com a jovem Patrícia Galvão, a Pagu, que frequentava a casa deles e era tratada como filha por Tarsila. Eles venderam a casa de São Paulo e, novamente separada, a artista voltou a morar na fazenda.

Osório César
Depois do término com Oswald, Tarsila se envolveu com o psiquiatra Osório César. Juntos, viajaram para a União Soviética, mas a relação não durou muito tempo. Em 1932, Tarsila foi presa sob acusações políticas durante o governo de Getúlio Vargas, o que afastou a artista da política e de Osório.

Luiz Martins
O último relacionamento significativo de Tarsila foi com Luiz Martins, um jornalista e crítico de arte vinte anos mais jovem que ela. Eles estiveram juntos por cerca de dezoito anos, mas o relacionamento terminou quando Luiz Martins se casou com Anna Maria Martins, prima de Tarsila. Apesar da dor da traição, Tarsila demonstrou generosidade ao aconselhar Anna Maria a buscar sua felicidade.

Tarsila e o modernismo brasileiro
Ao retornar ao Brasil em 1922, Tarsila já estava pronta para contribuir com uma nova linguagem artística que carregava a vanguarda europeia ao mesmo tempo em que incorporava elementos brasileiros.

Além disso, seu envolvimento com o Grupo dos Cinco solidificou sua posição como uma das líderes do modernismo no Brasil. As discussões e colaborações dentro desse grupo foram fundamentais para o desenvolvimento de uma nova linguagem artística que refletia a diversidade cultural brasileira.

Foto: Divulgação.

O movimento antropofágico, por exemplo, ao qual Tarsila se alinhou, propunha uma forma radical de modernismo que buscava integrar as influências europeias à cultura brasileira.

Quando a artista pintou o Abaporu, que viria a se tornar o maior símbolo visual do Modernismo brasileiro, ela o manteve em segredo para fazer uma surpresa de aniversário para Oswald de Andrade, em 11 de janeiro de 1928.

O escritor mostrou a tela a um amigo, o poeta Raul Bopp. Em sua discussão sobre a obra, viram a figura de um índio canibal, um antropófago que devoraria a cultura para, depois, reinventá-la.

A partir dessa ideia, com um dicionário de tupi-guarani, Tarsila combinou as palavras “aba” e “poru”, que resulta em “homem que come”. A simbologia era de “devorar” influências estrangeiras para criar uma arte genuinamente brasileira.

As obras de Tarsila do Amaral são um testemunho da busca pela identidade brasileira. Ela se dedicou a explorar elementos da natureza, do povo e da história do país em suas pinturas.

Suas representações frequentemente incluem referências a símbolos nacionais — como o sol tropical e a flora brasileira — além de personagens que refletem a diversidade étnica do Brasil. Expressava as complexidades da sociedade brasileira, capturando tanto a beleza quanto os desafios enfrentados pelo povo.

Suas pinturas abordavam temas sociais, como em “Operários” (1933), em que retrata a vida dos trabalhadores durante um período de intensa urbanização. Sua abordagem única e seu estilo característico foram fundamentais para a formação de uma identidade cultural brasileira nas artes visuais.

Já obras como “Antropofagia” e “Sol Poente”, apresentam uma paleta vibrante e formas estilizadas, refletindo a busca por uma estética que dialogasse com a paisagem, a história e as tradições brasileiras.

A artista utilizou a pintura como uma ferramenta para explorar temas como a identidade nacional, as desigualdades sociais e a beleza da cultura popular.

Obras-primas de Tarsila do Amaral

O estilo de Tarsila é reconhecido por seu uso de cores vibrantes e formas geométricas. Sua trajetória artística pode ser dividida em três fases principais: Pau-Brasil, Antropofágica e Social.

  • Pau-Brasil: explorou temas tropicais e a fauna brasileira, rompendo com o conservadorismo artístico da época.
Foto: Divulgação/Instagram.
  • Antropofágica: foi marcada pela assimilação crítica das influências europeias, fase em que Tarsila buscou criar uma arte que refletisse a identidade nacional.
Foto: Divulgação/Instagram.
  • Social: suas obras abordaram questões sociais e políticas, destacando as condições dos trabalhadores brasileiros, após sua visita à URSS.
Foto: Divulgação/Instagram.


Conheça as principais obras:
Abaporu (1928)

Foto: Divulgação/Instagram.

Data: 1928
“Abaporu” é talvez a obra mais famosa de Tarsila, criada como um presente para seu então marido, o escritor Oswald de Andrade. O nome “Abaporu” é derivado do tupi-guarani e significa “homem que come gente”, referindo-se ao antropófago. A pintura apresenta uma figura humana com uma cabeça desproporcionalmente pequena em relação ao corpo, simbolizando a força do trabalho físico e a crítica à falta de pensamento crítico na sociedade da época. Essa obra inspirou o Manifesto Antropofágico, que propunha a assimilação e transformação das influências culturais estrangeiras na arte brasileira.

Antropofagia (1929)

Foto: Divulgação/Instagram.

Data: 1929
Esta obra é uma continuação da temática antropofágica iniciada em “Abaporu”. Tarsila retrata figuras humanas em um ambiente que sugere uma festa, simbolizando a celebração da cultura brasileira e a ideia de devorar as influências externas para criar algo. A tela é repleta de cores vivas e formas simplificadas, características marcantes do estilo de Tarsila.

A Caipirinha (1930)

Foto: Divulgação/Instagram.

Data: 1930
“A Caipirinha” é uma obra que retrata uma mulher caipira em um ambiente rural, simbolizando as raízes brasileiras. Tarsila utiliza cores quentes e elementos da natureza para evocar a simplicidade e a beleza da vida no campo. Esta pintura reflete o desejo da artista de se conectar com suas origens e com a cultura popular brasileira.

Operários (1933)

Foto: Divulgação/Instagram.

Data: 1933
Em “Operários”, Tarsila apresenta uma composição que retrata trabalhadores em um ambiente industrial. A obra é uma crítica social à exploração do trabalhador durante um período de urbanização crescente no Brasil. Os rostos dos operários são estilizados e conectados entre si, simbolizando a união e a luta da classe trabalhadora.

A Cuca (1924)

Foto: Divulgação/Instagram.

Data: 1924
“A Cuca” é uma obra que mistura elementos do folclore brasileiro com influências surrealistas. A figura central é uma representação da personagem do folclore, que captura a essência da cultura popular. Tarsila utiliza cores vibrantes e formas fluidas para criar uma atmosfera onírica.

A Negra (1923)

Foto: Divulgação/Instagram.

Data: 1923
Esta pintura foi um marco na carreira de Tarsila, sendo exibida pela primeira vez em Paris. “A Negra” retrata uma mulher negra com traços estilizados e cores intensas, refletindo a diversidade racial do Brasil. A obra destaca-se por sua abordagem inovadora ao representar figuras femininas, desafiando os padrões convencionais da época.

O Pescador (1939)

Foto: Divulgação/Instagram.

Data: 1939
Em “O Pescador”, Tarsila explora o cotidiano dos trabalhadores rurais e suas interações com a natureza. A obra apresenta um homem pescando em um cenário sereno, evocando um sentimento de paz e harmonia com o meio ambiente. É um testemunho da conexão entre o ser humano e a natureza, tema recorrente na obra de Tarsila.

Urutu (1928)

Urutu, Tarsila do Amaral
Urutu. | Foto: Reprodução/Romulo Fialdini.

Data: 1928

A pintura Urutu marca o Movimento Antropofágico e faz referência à serpente venenosa de mesmo nome que possui 2 metros de comprimento e pode ser encontrada em alguns lugares do Brasil. A obra foi pintada em 1928.

O estilo de Tarsila do Amaral e seu legado

Tarsila do Amaral incorporou em seu trabalho uma paleta de tons quentes como vermelho, amarelo e verde, que evocam a natureza tropical do Brasil. Essa escolha de cores traz vida às suas obras e reflete a cultura popular brasileira.

A artista combinava elementos do realismo com a abstração, criando composições que eram, ao mesmo tempo, figurativas e estilizadas. Por exemplo, em “Abaporu”, as proporções exageradas da figura humana transmitem uma sensação de força primitiva, enquanto as cores intensas evocam um sentimento de vitalidade.

O legado de Tarsila do Amaral é imenso. Frequentemente citada como uma das fundadoras do modernismo no Brasil, sua capacidade de integrar temas nacionais em um estilo modernista inspirou artistas subsequentes como Di Cavalcanti e Portinari. Esses artistas seguiram seus passos ao explorar questões sociais e culturais em suas obras, sempre com uma forte conexão à identidade brasileira.

Além disso, Tarsila abriu caminho para que outros artistas abordassem temas como o amor pela terra e a diversidade cultural de maneiras inovadoras. Sua influência é visível na arte contemporânea brasileira que continua a explorar a identidade nacional com a mesma paixão e criatividade que caracterizavam seu trabalho.

Tarsila e a contemporaneidade

As obras de Tarsila continuam sendo estudadas em escolas de arte ao redor do mundo e, frequentemente, exibidas em museus internacionais. Sua abordagem única à arte enriqueceu o modernismo brasileiro, além de contribuir para um diálogo global sobre identidade cultural na arte.

Artistas contemporâneos frequentemente se inspiram em sua estética e na maneira como abordou temas sociais. Projetos artísticos atuais que reinterpretam sua obra ou fazem referência a seus temas são comuns, demonstrando como Tarsila permanece uma fonte de inspiração contínua.

Tarsila na moda
As obras de Tarsila têm sido uma fonte de inspiração para designers de moda que buscam capturar a essência vibrante e tropical do Brasil. Elementos visuais de suas pinturas, como cores vivas e formas geométricas, são frequentemente reinterpretados em coleções de roupas e acessórios.

Lela Brandão (Julia Zeidler/Divulgação)

Por exemplo, a coleção de Lela Brandão, lançada em março de 2024. Inspirada em Tarsila do Amaral e em parceria com Paola Montenegro, a sobrinha-bisneta da artista, a marca criou 12 peças com referências de obras como A Lua, Antropofagia, Autorretrato e EFCB.

Tarsila nas artes
A institucionalização da arte moderna no Brasil trouxe um legado significativo que se reflete em várias esferas da sociedade. Um dos exemplos mais emblemáticos é a construção de Brasília, que simboliza um projeto democrático e um pensamento civilizatório voltado para a construção de espaços públicos. A cidade, projetada por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, representa a materialização dos ideais modernistas que Tarsila e seus contemporâneos defendiam.

Como membro ativo do conselho do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM) e diretora da Pinacoteca de São Paulo, a artista contribuiu para a promoção e valorização da arte moderna no Brasil.

Sua importância é frequentemente comparada à de outras grandes artistas mulheres, como Anita Malfatti, Mira Schendel, Lygia Clark, Lygia Pape e Tomie Ohtake. Essa comparação reforça a ideia de que Tarsila influenciou sua geração e pavimentou o caminho para futuras artistas.

Tarsila nos palcos e nas telas
No começo de 2024, a atriz Claudia Raia participou de um musical inspirado na vida e obra de Tarsila do Amaral. Na ocasião, Raia destacou a importância de Tarsila como uma artista que desafiou as normas sociais e culturais de sua época, e como sua história é relevante para o público contemporâneo.

Foto: Divulgação.

O musical quis capturar a essência da artista, explorando suas paixões, desafios e contribuições para a arte brasileira, ao mesmo tempo em que celebrava a força feminina e a busca por identidade. Raia expressou entusiasmo em dar vida a Tarsila no palco, ressaltando a conexão emocional que sente com a artista.

Nas telas, a animação brasileira “Tarsilinha” é uma homenagem à artista com a proposta de aproximar suas obras do público infantil. A história é de uma garota de oito anos que embarca numa jornada fantástica para recuperar a memória de sua mãe. Embora não seja uma biografia da pintora, o filme promete incorporar características que foram marcantes em sua vida e em sua obra, com elementos das lendas brasileiras e culturas nativas indígenas.

Foto: Divulgação.

Para recuperar os objetos perdidos, Tarsila e os amigos precisarão mergulhar nas profundezas do Abaporu. Durante essa aventura, as propostas inovadoras da primeira fase do movimento modernista brasileiro estará presente na história.

Tarsila na música
Uma música inédita composta por Tarsila do Amaral, intitulada “Rondo d’Amour”, foi recentemente gravada por professores da Escola de Música da UFRN. O pianista e professor universitário Durval Cesetti se encontrou com a família da artista após a descoberta do documento entre manuscritos de Tarsila pela sua sobrinha-neta, Maria Clara do Amaral.

Tarsila do Amaral permanece como uma figura central na arte moderna brasileira, cuja influência transcende gerações. Seu legado é visível não apenas nas artes visuais, mas também na moda, música e teatro, refletindo a riqueza da cultura brasileira. Ao explorar temas de identidade, natureza e questões sociais, Tarsila continua a inspirar artistas e criadores contemporâneos, reafirmando sua importância como uma das maiores artistas do século 20.

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