Poema “O Tempo” de Mario Quintana: reflexões sobre a vida e a passagem do tempo

Clarissa Sayumi
16:56 18.03.2025
Arte e cultura

Poema “O Tempo” de Mario Quintana: reflexões sobre a vida e a passagem do tempo

Descubra a interpretação do poema "Seiscentos e Sessenta e Seis", de Mario Quintana, e sua mensagem sobre a fugacidade da vida

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- 18.03.2025 - 16:56
Poema “O Tempo” de Mario Quintana: reflexões sobre a vida e a passagem do tempo
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O tempo sempre foi um dos grandes mistérios da existência humana. Ele passa sem que possamos detê-lo, transforma momentos em lembranças distantes e nos ensina, a cada instante, sobre a impermanência da vida.

Para Mario Quintana, o tempo não era um conceito abstrato, mas uma realidade a ser vivida com leveza e sabedoria. Seu poema “O Tempo” reflete justamente essa visão poética sobre a passagem dos dias.

Esse poema de Mario Quintana tem como título original “Seiscentos e Sessenta e Seis”. Foi publicado pela primeira vez na obra Esconderijos do Tempo, em 1980. O livro, escrito quando o autor tinha setenta e quatro anos, exprime sua visão madura sobre a vida e reflete sobre temas como a passagem do tempo, a memória, a existência, a velhice e a morte.

O Poema “Seiscentos e Sessenta e Seis”

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.

Talvez pela mensagem inspiradora que transmite, o poema ganhou várias releituras e adaptações ao longo dos tempos. A composição foi popularizada em versões ampliadas, mas nem todos os versos encontrados em diferentes versões pertencem ao poeta.

O poema “O Tempo” e suas reflexões

O poema traz uma percepção aguda da rapidez com que os dias escorrem por entre os dedos. Quintana nos lembra que, muitas vezes, estamos tão preocupados com os planos futuros ou presos ao passado que nos esquecemos de viver o agora. Sua poesia sugere que o tempo não deve ser encarado com angústia, mas com a consciência de que cada momento é valioso.

“Seiscentos e Sessenta e Seis” é um poema de verso livre que reflete sobre a condição humana e a passagem inevitável do tempo. Desde o primeiro verso, Mario Quintana apresenta uma metáfora impactante:

“A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.”

Aqui, a vida é comparada a uma tarefa que precisa ser cumprida, uma obrigação que muitas vezes vamos adiando. Em seguida, o poeta ilustra como o tempo passa de forma imperceptível:

“Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos!”

O jogo com os números (6 horas, sexta-feira, 60 anos) reforça a ideia de que o tempo voa e que, quando nos damos conta, já se passaram décadas. O título do poema, “Seiscentos e Sessenta e Seis”, faz referência ao número bíblico muitas vezes associado ao mal e à destruição, o que sugere que o tempo pode ser uma espécie de condenação para a humanidade.

“Agora, é tarde demais para ser reprovado…”

Neste verso, o poeta transmite a urgência de viver e a frustração de perceber tarde demais que não aproveitou o tempo da melhor forma. Reforça essa ideia ao imaginar uma segunda chance:

“E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre em frente…”

Aqui, Quintana sugere que, caso tivesse uma nova oportunidade, viveria sem se preocupar com o tempo, sem ficar preso a preocupações e obrigações excessivas.

Veja também:

No verso final:

“E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.”

O poeta transmite a ideia de que não devemos nos prender à contagem do tempo, mas sim vivê-lo plenamente, deixar de lado a obsessão pelos minutos e aproveitar cada instante da vida.

O tempo como metáfora da vida

Mario Quintana transforma a passagem do tempo em algo palpável, cotidiano, e aproxima sua reflexão da experiência de qualquer leitor. A metáfora do tempo como um dever de casa que deve ser cumprido remete à inevitabilidade da existência, mas também sugere que a vida não deve ser encarada como um fardo, e sim como uma oportunidade de aprendizado e vivência.

Ao longo do poema, Quintana reforça que o tempo não espera ninguém. Ele passa sem que percebamos, deixa apenas as marcas daquilo que vivemos – ou deixamos de viver. Sua mensagem é para uma sociedade cada vez mais acelerada, em que a valorização do presente se torna essencial para uma vida com mais significado.

Em um mundo onde a rotina se impõe de maneira avassaladora e onde estamos constantemente planejando o futuro ou lamentando o passado, a poesia de Quintana é um chamado à consciência do momento presente.

O poeta nos lembra que cada dia é uma nova oportunidade para olhar para a vida com mais sensibilidade e gratidão. Afinal, como ele mesmo sugere, quando nos damos conta, já se passaram anos – e a pergunta que fica é: vivemos verdadeiramente?

Aprender a viver o agora

A obra de Mario Quintana nos ensina que a vida não deve ser apenas contada em anos, mas em momentos bem vividos. “O Tempo” fala sobre desacelerar para apreciar as pequenas alegrias e para compreender que, no fim das contas, o que realmente importa é como escolhemos viver cada instante.

Talvez seja esse o maior ensinamento do poeta: não é possível evitar a passagem do tempo, mas podemos decidir como vamos preenchê-lo. E essa escolha, mais do que qualquer outra, define a essência de nossa existência.

Sobre Mario Quintana

Mario Quintana. Foto: Divulgação.

Mario Quintana nasceu em Alegrete, no Rio Grande do Sul, no dia 30 de julho de 1906. Foi escritor, poeta, jornalista e tradutor, sendo reconhecido como um dos grandes nomes da literatura brasileira. Ao longo de sua carreira, publicou diversas obras que se tornaram clássicos, incluindo Rua dos Cataventos (1940), Apontamentos de História Sobrenatural (1976) e Esconderijos do Tempo (1980).

Ganhou prêmios importantes como o Prêmio Jabuti e o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. Apesar de ter sido indicado três vezes para ocupar uma cadeira na ABL, nunca foi eleito, o que gerou um dos seus comentários mais famosos: “Eles passarão. Eu passarinho”.

Quintana nunca se casou nem teve filhos, levando uma vida dedicada à escrita. Faleceu em Porto Alegre, em 5 de maio de 1994, deixando um vasto legado literário, composto por obras poéticas, livros infantis e traduções literárias.

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