Especial: Os poemas mais conhecidos de Gregório de Matos; confira
Especial: Os poemas mais conhecidos de Gregório de Matos; confira
Conheça 10 dos célebres poemas do poeta brasileiro Gregório de Matos, também conhecido como "Boca do Inferno"
Gregório de Matos, conhecido como “Boca do Inferno”, é uma das figuras mais icônicas da literatura brasileira. Sua poesia, que transita entre sátira, lirismo e temas religiosos, marcou profundamente a literatura do Barroco no Brasil.
Hoje, vamos explorar sua vida e obra, destacando 10 dos seus poemas mais célebres, que continuam a encantar e intrigar os apaixonados por poesia ao longo dos séculos.
Vida e legado
Gregório de Matos Guerra nasceu na então capital do Brasil, Salvador (Bahia) em 20 de dezembro de 1636, numa época de grande efervescência social, e faleceu no Recife (Pernambuco), pelas mais recentes pesquisas, em 1695, embora a data tradicionalmente aceita fosse a de 1696.
É o patrono da cadeira nº 16 da Academia Brasileira de Letras, por escolha do fundador Araripe Júnior. Estudou Humanidades no Colégio dos Jesuítas, transferindo-se depois para Coimbra, onde se formou em Direito.
Exerceu, em Portugal, os cargos de curador de órfãos e de juiz criminal e lá escreveu o poema satírico “Marinícolas”. Não se adaptou à vida no exterior e voltou ao Brasil aos 47 anos de idade. Na Bahia, recebeu do primeiro arcebispo, D. Gaspar Barata, os cargos de vigário-geral (só com ordens menores) e de tesoureiro-mor, mas foi deposto por não querer completar as ordens eclesiásticas.
Gregório de Matos apaixonou-se pela viúva Maria de Povos, com quem passou a viver, até ficar reduzido à miséria. Aborrecido com o mundo e de todos, passou então a levar uma vida boêmia, satirizando de tudo e de todos com mordacidade.
O governador D. João de Alencastre, que primeiro queria protegê-lo, teve – afinal – de mandá-lo para Angola, para afastá-lo da vingança de um sobrinho de seu antecessor, Antônio Luís da Câmara Coutinho, por causa das sátiras que Gregório de Matos fez de seu tio.
O “Boca do Inferno” chegou a advogar em Luanda, mas pôde voltar ao Brasil para prestar algum serviço ao governador. Estabelecendo-se em Pernambuco, conseguiu ser mais querido nesse estado do que na Bahia, até que falecer, reconciliado-se como bom cristão, em 1696, aos 59 anos de idade.
Como diz o site da Academia Brasileira de Letras, Gregório de Matos “como poeta de inesgotável fonte satírica, não poupava ao governo, à falsa nobreza da terra e nem mesmo ao clero. Não lhe escaparam os padres corruptos, os reinóis e degredados, os mulatos e emboabas, os ‘caramurus’, os arrivistas e novos-ricos, toda uma burguesia improvisada e inautêntica, exploradora da colônia. (…)
Foi o primeiro poeta a cantar o elemento brasileiro, o tipo local, produto do meio geográfico e social. Influenciado pelos mestres espanhóis da Época de Ouro, Góngora, Gracián, Calderón e sobretudo Quevedo, sua poesia é a maior expressão do Barroco literário brasileiro.
A obra de Gregório de Matos compreende: poesia lírica, sacra, satírica e erótica. No seu tempo, a imprensa estava oficialmente proibida no Brasil, mas, mesmo que fosse publicada na Metrópole, como ocorreu com outros poetas do período colonial, grande parte de sua obra satírica e a totalidade da francamente pornográfica seriam, obviamente, expurgadas.
Suas poesias corriam em manuscritos, de mão em mão, e o governador da Bahia, D. João de Alencastre, que tanto admirava ‘as valentias desta musa’, coligia os versos de Gregório de Matos e os fazia transcrever em livros especiais.”.
Esses panfletos eram reunidos por alguns colecionadores e depois costurados em um tipo de documento conhecido como códice.
Sobreviveram também, cópias feitas por admiradores, como Manuel Pereira Rabelo, biógrafo do poeta. Por isso, é difícil afirmar que toda a obra atribuída a Gregório de Matos tenha sido realmente de sua autoria.
Entre os melhores códices e os mais completos, destacam-se o que se encontra na Biblioteca Nacional e o de Varnhagen, no Palácio Itamarati. “Dispersa por cerca de vinte e tantos códices, a obra poética de Gregório de Matos, o primeiro grande poeta brasileiro, espera até hoje uma edição crítica, consistindo no maior problema da Ecdótica em nossa literatura.”, conclui o site da Academia Brasileira de Letras.
10 poemas marcantes de Gregório de Matos
1 – O POETA DESCREVE O QUE ERA NAQUELE TEMPO A CIDADE DA BAHIA
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.
Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,
Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.
2 – BUSCANDO A CRISTO
A vós correndo vou, braços sagrados,
Nessa cruz sacrossanta descobertos
Que, para receber-me, estais abertos,
E, por não castigar-me, estais cravados.
A vós, divinos olhos, eclipsados
De tanto sangue e lágrimas cobertos,
Pois, para perdoar-me, estais despertos,
E, por não condenar-me, estais fechados.
A vós, pregados pés, por não deixar-me,
A vós, sangue vertido, para ungir-me,
A vós, cabeça baixa, p’ra chamar-me,
A vós, lado patente, quero unir-me,
A vós, cravos preciosos, quero atar-me,
Para ficar unido, atado e firme.
3 – A UMA DAMA
Dama cruel, quem quer que vós sejais,
Que não quero por hora descobrir-vos,
Dai-me licença agora para arguir-vos,
Pois para amar-vos sempre ma negais:
Por que razão de ingrata vos prezais,
Não me pagando o zelo de servir-vos?
Sem dúvida deveis de persuadir-vos,
Que a ingratidão aformoseia mais.
Não há cousa mais feia na verdade:
Se a ingratidão aos nobres envilece,
Que beleza fará, o que é fealdade?
Depois, que sois ingrata me parece,
Que hoje é torpeza o que era então beldade,
Que é flor a ingratidão que em flor fenece.
4 – POR CONSOANTES QUE ME DERAM FORÇADOS
Neste mundo é mais rico o que mais rapa:
Quem mais limpo se faz, tem mais carepa;
Com sua língua, ao nobre o vil decepa:
O velhaco maior sempre tem capa.
Mostra o patife da nobreza o mapa:
Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa:
Quem menos falar pode, mais increpa:
Quem dinheiro tiver, pode ser papa.
A flor baixa, se inculca por tulipa:
Bengala hoje na mão, ontem garlopa:
Mais isento se mostra o que mais chupa:
Para a tropa do trapo vazo a tripa:
E mais não digo; porque a Musa topa
Em apa, em epa, em ipa, em opa, em upa.
5 – EFEITOS CONTRÁRIOS DO AMOR
Ó que cansado trago o sofrimento
Ó que injusta pensão da humana vida,
Que dando-me o tormento sem medida,
Me encurta o desafogo de um contento!
Nasceu para oficina do tormento
Minha alma, a seus desgostos tão unida,
Que por manter-se em posse de afligida
Me concede os pesares de alimento.
Em mim não são as lágrimas bastantes
Contra incêndios, que ardentes me maltratam,
Nem estes contra aqueles são possantes:
Contrários contra mim em paz se tratam,
E estão em ódio meu tão conspirantes,
Que só por me matarem não se matam.
6 – A JESUS CRISTO, NOSSO SENHOR
Pequei, Senhor; mas não porque hei pecado,
Da vossa alta clemência me despido;
Porque quanto mais tenho delinquido,
Vos tenho a perdoar mais empenhado.
Se basta a vos irar tanto pecado,
A abrandar-vos sobeja um só gemido:
Que a mesma culpa, que vos há ofendido,
Vos tem para o perdão lisonjeado.
Se uma ovelha perdida e já cobrada
Glória tal e prazer tão repentino
Vos deu, como afirmais na sacra história,
Eu sou, Senhor, a ovelha desgarrada,
Cobrai-a; e não queirais, pastor divino,
Perder na vossa ovelha a vossa glória.
7 – DEFINE A SUA CIDADE
De dois ff se compõe
Esta cidade a meu ver,
Um furtar, outro foder.
Recopilou-se o direito,
E quem o recopilou
Com dois ff o explicou
Por estar feito e bem feito:
Por bem digesto e colheito,
Só com dois ff o expõe,
E assim quem os olhos põe
No trato, que aqui se encerra,
Há de dizer que esta terra
De dois ff se compõe.
Se de dous ff composta
Está a nossa Bahia,
Errada a ortografia
A grande dano está posta:
Eu quero fazer aposta,
E quero um tostão perder,
Que isso a há de perverter,
Se o furtar e o foder bem
Não são os ff que tem
Esta cidade a meu ver.
Provo a conjetura já
Prontamente com um brinco:
Bahia tem letras cinco
Que são B A H I A,
Logo ninguém me dirá
Que dois ff chega a ter
Pois nenhum contém sequer,
Salvo se em boa verdade
São os ff da cidade
Um furtar, outro foder.
8 – À DESPEDIDA DO MAU GOVERNO QUE FEZ O GOVERNADOR DA BAHIA
Senhor Antão de Sousa de Menezes,
Quem sobe ao alto lugar, que não merece,
Homem sobe, asno vai, burro parece,
Que o subir é desgraça muitas vezes.
A fortunilha, autora de entremezes
Transpõe em burro o herói, que indigno cresce:
Desanda a roda, e logo homem parece,
Que é discreta a fortuna em seus reveses.
Homem sei eu que foi Vossenhoria,
Quando o pisava da fortuna a roda,
Burro foi ao subir tão alto clima.
Pois vá descendo do alto onde jazia,
Verá quanto melhor se lhe acomoda
Ser home em baixo, do que burro em cima.
9 – A OUTRA FEIRA, QUE SATIRIZANDO A DELGADA FISIONOMIA DO POETA LHE CHAMOU PICA-FLOR
Se pica-flor me chamais,
Pica-flor aceito ser,
Mas resta agora saber
Se no nome, que me dais,
Meteis a flor, que guardais
No passarinho melhor!
Se me dais este favor,
Sendo só de mim o pica,
E o mais vosso, claro fica
Que fico então pica-flor.
10 – À CIDADE DA BAHIA
Triste Bahia! oh, quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado,
Pobre te vejo a ti, tu a mim empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mim abundante.
A ti trocou-te a máquina mercante,
Que em tua larga barra tem entrado,
A mim foi-me trocando e tem trocado
Tanto negócio e tanto negociante.
Deste em dar tanto açúcar excelente
Pelas drogas inúteis, que abelhuda
Simples aceitas do sagaz Brichote.Oh, se quisera Deus que, de repente,
Um dia amanheceras tão sizuda
Que fora de algodão o teu capote!
Este poema, inclusive, inspirou a canção Triste Bahia, do baiano Caetano Veloso – lançada no álbum transa, de 1972 – depois também gravada por sua irmã, Maria Bethânia.