Chinaina: “Músicas das festas dos santos populares que tocam na minha cabeça”
Chinaina
Cantor, compositor, apresentador, escritor e produtor musical
Chinaina: “Músicas das festas dos santos populares que tocam na minha cabeça”
Chinaina chega no site da Novabrasil para escrever sobre o que ele mais gosta: Música
Recebi um convite em forma de presente da minha amiga Fabiane Pereira e tô chegando no site da Novabrasil para escrever sobre o que mais gosto: Música.
Nesse mês, eu assumo as letras por aqui pra te contar das festas juninas, suas canções e os artistas que colocaram melodias inesquecíveis nas nossas mentes.
Se prepare, viu? Como bom nordestino que sou, tenho uma ligação muito forte com o São João, e espero te levar num passeio gostoso pelas coisas que aprendi, vivi e ouvi.
Começo meu relato pedindo pra você colocar pra tocar aí na playlist que montei, Olha pro céu, de Luiz Gonzaga, pois essa música faz a gente sentir, quase que de imediato, o calor da fogueira, o brilho das estrelinhas rodando na mão das crianças e o cheiro das folhas de eucalipto subindo enquanto a meninada arrasta pé no salão.
“Foi numa noite igual a esta que tu me deste o coração
O céu estava assim em festa pois era noite de São João
Havia balões no ar, xote e baião no salão
E no terreiro do teu olhar que incendiou meu coração”
Em praticamente todas as escolas do nordeste, o mês de junho é dedicado ao São João, e desde pequenininhos a gente aprende sobre a festa.
Na minha época escolar fazia trabalhos sobre Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Almira Castilho, Marinês, Dominguinhos.
Escrevia sobre os Bacamarteiros do interior de Pernambuco que atiravam com seus bacamartes de pólvora seca para saudar os santos juninos.
Confeccionávamos as bandeirinhas, os balões, ensaiávamos a quadrilha e aprendíamos os passinhos das músicas pra dançar no dia 24, numa grande celebração que acontecia na quadra da escola com todos os pais orgulhosos tirando fotografias enquanto a gente evoluía no passo e nas tradições.
Tenho gravado na minha mente uma cena desse tempo. Eu, com uma blusinha quadriculada, chapéu de palha na cabeça e bigode feito de rolha queimada, segurando um espelho feito de cartolina e cantando uma música de Jorge de Altinho – forrozeiro dos bons.
“Ela nem olhou pra mim, ela nem olhou pra mim
“Passei horas no espelho me arrumando o dia inteiro e ela nem olhou pra mim”
Antes de falar de Jorge de Altinho e vários outros nomes da cultura musical junina, preciso me ater um pouco mais a Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro, Almira Castilho e Marinês.
Acredito que todo o imaginário das festas juninas tem a trilha sonora desses quatro.
As músicas que Gonzaga compôs com Humberto Teixeira, Zé Dantas e outros parceiros, criam a tela perfeita, até para quem nunca foi numa festa de São João. São imagens riquíssimas em cada pedacinho de letra e é muito gostoso fechar os olhos e imaginar essas cenas.
Olha Pro Céu (já citada aqui), São João Antigo, A feira de Caruaru, São João na Roça, O Xote das Meninas, Asa Branca, todas essas canções nos dão a falsa sensação de que foi Luiz Gonzaga quem criou a trilha sonora do São João, mesmo sabendo que o mês junino tem origem na religiosidade da península Ibérica e chegou ao Brasil com a colonização portuguesa, que incorporou as comidas típicas da colheita do milho nessa época do ano às festividades de celebração dos santos Antônio, João Batista e São Pedro.
No catolicismo, tudo começa quando a mãe de João Batista, primo de Jesus, acende uma fogueira para avisar a Maria que ela tinha ganhado um sobrinho. Mas pra mim, Gonzagão já estava lá fazendo música para todos esses acontecimentos.
O paraibano Jackson do Pandeiro também faz parte da turma que criou canções que estão arraigadas ao ciclo junino. Dele e de parceiros como Rosil Cavalcanti, Zé Catraca e Maruim, temos Sebastiana, São João Chegou, Na base da Chinela, Véspera e dia de São João, Acenderam a Fogueira, entre outros clássicos.
Almira Castilho, parceira de vida e música de Jackson, era atriz, cantora, compositora e foi responsável por canções que quando tocam na festa de São João é certeza de salão cheio. Entre as pérolas criadas por ela em parceria com Gordurinha e o próprio Jackson estão 1×1, Chiclete com Banana, Forró em Limoeiro e A mulher de Aníbal.
Marinês desponta para a música num concurso de calouros em Campina Grande, Paraíba, e seu talento foi a força motora para lhe tirar da situação de extrema miséria em que vivia. Logo foi apadrinhada por Luiz Gonzaga e se tornou a rainha do xaxado. Se o ambiente da música é, muitas vezes, machista até os dias de hoje, imagine nos anos 50?
Lutando contra todo o preconceito, essa paraibana foi uma das primeiras mulheres a estar à frente de um trio de forró. Também foi responsável por lançar de cara dois hits no seu primeiro disco, Vamos Xaxar, de 1957; Pisa na Fulô e Peba na Pimenta – ambas de um desconhecido compositor até então, chamado João do Vale.
Além de uma trajetória com mais de 45 discos gravados e participações em filmes da Atlântida, Marinês foi musa inspiradora de Nara Leão, Maria Bethânia, Gal Costa, Amelinha e Elba Ramalho.
Gonzaga, Almira, Jackson e Marinês não inventaram a “música do São João”. É claro que o xote, o coco e o baião sempre estiveram presentes na cultura popular ancestral e todos eles beberam nessa fonte, mas souberam usar os elementos da cultura para criar suas identidades musicais.
Nos anos 40 e 50, a Rádio Nacional foi o meio para propagar por todo o país a música nordestina ou música sertaneja, como também era conhecida, e o imaginário que o brasileiro tem das canções da festa de São João se deve muito a programação ufanista da emissora. Tanto Luiz Gonzaga, quanto Jackson do Pandeiro faziam parte do casting na Era de Ouro da Rádio Nacional, com carteira assinada e tudo mais. Suas músicas tocavam o dia todinho por lá.
Porém, no final dos anos 50, tudo o que parecia mar foi virando sertão para os famosos nordestinos e aquelas músicas tão populares, tão brasileiras, foram minguando da programação para dar espaço a uma “música mais sofisticada”, como diziam os diretores de rádio e TV na época.
A Bossa Nova e sua releitura jazzística para o samba era a bola da vez e a trilha sonora de um Brasil “moderno” e “pra frente”.
Mas a raiz da cultura popular estava ali. Não é à toa que a sanfona foi o primeiro instrumento de João Donato, e também foi o primeiro instrumento de vários jovens brasileiros antes do violão da Bossa Nova. Inclusive, violão era sinônimo de vagabundagem, mas a Bossa Nova com seus jovens brancos, bonitos e felizes, fez as classes abastadas esquecerem rapidinho o preconceito com as 6 cordas.
Voltando aos percalços dos nossos famosos nordestinos, o que já estava ficando complicado piora um bocado quando o Rock invade o país com Celly Campelo, Sergio Murilo, e depois, Roberto, Erasmo, Wanderléa e toda a Jovem Guarda. Aí o mar secou de vez.
Luiz Gonzaga até escreveu em 1967 o Xote dos Cabeludos, tirando uma onda bem equivocada com a turma do iê iê iê. Adiantou nada. Mas Seu Luiz não foi o único a pegar ar com os cabeludos não. A cantora Elis Regina promoveu uma passeata contra as guitarras e a música estrangeira. Ainda agarrou pelo braço um constrangido Gilberto Gil para participar da tal passeata, lembram?
Por mais que as classes dominantes tentassem, a cultura popular, a música do povo, era um bichinho ruim de morrer e nos anos 70 outros cabeludos foram na fonte beber o passado para misturar tudo no caldeirão da Tropicália.
Em uma visita a Pernambuco, Gilberto Gil se encanta pela banda de pífanos de Caruaru e esse encontro está entre os marcos iniciais do que viria a ser o tropicalismo.
Caetano também curtiu e até compôs com a banda de pífanos, a música Pipoca Moderna.
“Pipoca ali, aqui, pipoca além
desanoitece
a manhã tudo mudou”.
Também não passa batida a interpretação de Gal Costa para Sebastiana, Acauã e Assum Preto. A fruta gogóia ainda escala para sua banda Dominguinhos, sanfoneiro de primeira e herdeiro musical de Gonzagão.
A meninada da Jovem Guarda também regravou músicas de Luiz Gonzaga como Paraíba, numa versão roqueiríssima interpretada por Silvinha. Ela e Eduardo Araújo também aparecem num vídeo que encontrei no youtube fazendo vocal de apoio para Luiz Gonzaga, com direito a “oh yeah” e tudo mais.
De um jeito ou de outro, xote, xaxado e baião seguiam vivos, e com roupas novas.
No próximo texto sigo contando sobre as evoluções e modificações das músicas e dos artistas que estão identificados com o ciclo junino. Tem até treta, visse?
Por agora, ouça a playlist que deixei com as músicas mencionadas aqui. E se tiver um milho, uma pamonha ou uma canjica pra ir degustando tudo, melhor ainda.
Ate já, minha joia.
Chinaina:
Cantor, compositor, apresentador, escritor e produtor musical. Olindense, Chinaina foi projetado nacionalmente pela sua 1ª banda, Sheik Tosado. Com mais de 2 décadas de carreira consolidada, o artista está à frente da Banda Del Rey, além do projeto infantil Mini Jóia. Desde 2016 está no Multishow, comentando os maiores festivais de música do Brasil, no CanalBis com o Rock Estúdio e no Canal Futura, apresentando o Caça Joia.
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Chinaina
Cantor, compositor, apresentador, escritor e produtor musical. Olindense, Chinaina foi projetado nacionalmente pela sua 1ª banda, Sheik Tosado. Com mais de 2 décadas de carreira consolidada, o artista está à frente da Banda Del Rey, além do projeto infantil Mini Jóia. Desde 2016 está no Multishow, comentando os maiores festivais de música do Brasil, no CanalBis com o Rock Estúdio e no Canal Futura, apresentando o Caça Joia.