Especial 20 melhores poemas de Paulo Leminski

Lívia Nolla
10:00 21.11.2024
Autor

Lívia Nolla

Cantora e Pesquisadora Musical
Arte e cultura

Especial 20 melhores poemas de Paulo Leminski

Poeta foi um dos mais inovadores e irreverentes da literatura brasileira, que conquistou o público com sua escrita lírica e experimental

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- 21.11.2024 - 10:00
Especial 20 melhores poemas de Paulo Leminski
O poeta Paulo Leminski | Foto: Reprodução

A poesia de Paulo Leminski é uma verdadeira aula de síntese e profundidade. Seus poemas são recheados de emoções intensas e reflexões filosóficas, mas sempre com uma leveza que cativa o leitor.

Paulo Leminski é um dos poetas mais inovadores e irreverentes da literatura brasileira e conquistou o público com sua escrita lírica e experimental. Sua poesia atravessa as fronteiras do cotidiano e da filosofia, refletindo a complexidade da vida de forma direta e profunda. 

Leminski soube combinar a tradição literária com a inovação, criando uma obra que segue viva e relevante para as novas gerações. Ao revisitar seus poemas, vemos que sua arte não só desafiou a forma como a poesia poderia ser escrita, mas também nos convidou a olhar para o mundo de uma maneira mais atenta e sensível.

Paulo Leminski: A vida e a obra do poeta

O poeta Paulo Leminski | Foto: Reprodução

Paulo Leminski nasceu em Curitiba, no Paraná, em 1944, e é considerado um dos grandes nomes da literatura brasileira contemporânea. Influenciado pelo concretismo, pela poesia japonesa (especialmente o haikai) e pelo movimento beatnik, Leminski conseguiu criar um estilo único, marcado por sua habilidade com as palavras e pela busca constante por síntese e beleza em frases curtas.

Sua carreira foi multifacetada: além de poeta e escritor, Leminski também foi tradutor, ensaísta, professor, músico, crítico literário, jornalista e publicitário. Sua obra abrange livros de poesia, prosa e crônicas, sendo Caprichos e Relaxos (1983) um dos seus livros mais celebrados. 

A escrita de Leminski era inquieta, muitas vezes cheia de humor, mas também cheia de uma melancolia profunda que desafiava os limites da linguagem. Sua linguagem, ao mesmo tempo, simples e profunda, e seus poemas dialogam com a modernidade e a tradição literária brasileira, criando uma poesia acessível e complexa ao mesmo tempo. 

Paulo Leminski morreu em junho de 1989, aos 44 anos, em consequência do agravamento de uma cirrose hepática que o acompanhou por vários anos.

Entre seus livros mais conhecidos estão:

  • Catatau (1975) – Seu primeiro romance, experimental e de difícil classificação, é uma obra complexa e instigante, em que Leminski imagina o filósofo francês René Descartes vindo ao Brasil. Em uma narrativa fragmentada e densa, o livro desafia convenções literárias e propõe uma nova forma de se pensar a linguagem.
  • Distraídos Venceremos (1987) – Um de seus livros de poesia mais celebrados, reúne poemas breves e aforísticos, trazendo temas como a efemeridade da vida, o amor e a descontração existencial.
  • Caprichos e Relaxos (1983) – Considerada uma das obras mais importantes de sua carreira, este livro explora temas variados, sempre com uma linguagem que mistura ironia, profundidade e irreverência. O título reflete o caráter multifacetado de Leminski, que une “capricho” e “relaxo” em uma mesma criação.
  • Metamorfose (1999) – Publicado postumamente, esse livro reúne sua poesia completa, organizada de forma a permitir uma visão panorâmica de sua trajetória. A coletânea revela a evolução do estilo e da temática de Leminski ao longo dos anos.
  • Toda Poesia (2013) – Uma reunião de suas principais obras poéticas, publicada pela Companhia das Letras, que resgatou e popularizou a obra de Leminski para uma nova geração. Esse volume inclui os livros Caprichos e Relaxos, Distraídos Venceremos, La Vie en Close e outros, sendo um marco para o reconhecimento de Leminski como um dos grandes poetas brasileiros.

Ele é, sem dúvida, uma das figuras mais importantes e inovadoras da literatura brasileira. Vamos conhecer 20 dos poemas mais marcantes de Paulo Leminski.

O poeta Paulo Leminski | Foto: Reprodução

20 Melhores Poemas de Paulo Leminski

1 – Bem no fundo

No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto
 
a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo
 
extinto por lei todo o remorso,
maldito seja quem olhar pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais
 
mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos
saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas.

2 – Objeto sujeito

Você nunca vai saber
quanto custa uma saudade
o peso agudo no peito
de carregar uma cidade
pelo lado dentro
como fazer de um verso
um objeto sujeito
como passar do presente
para o pretérito perfeito
nunca saber direito
 
você nunca vai saber
o que vem depois de sábado
quem sabe um século
muito mais lindo e mais sábio
quem sabe apenas
mais um domingo
 
você nunca vai saber
e isso é sabedoria
nada que valha a pena
a passagem pra Pasárgada
Xanadu ou Shangrilá
quem sabe a chave
de um poema
e olhe lá

3 – Eu tão isósceles

Eu tão isósceles
Você ângulo
Hipóteses
Sobre o meu tesão
 
Teses sínteses
Antíteses
Vê bem onde pises
Pode ser meu coração

4 – Invernáculo

Esta língua não é minha,
qualquer um percebe.
Quem sabe maldigo mentiras,
vai ver que só minto verdades.
Assim me falo, eu, mínima,
quem sabe, eu sinto, mal sabe.
Esta não é minha língua.
A língua que eu falo trava
uma canção longínqua,
a voz, além, nem palavra.
O dialeto que se usa
à margem esquerda da frase,
eis a fala que me lusa,
eu, meio, eu dentro, eu, quase.

5 – M. de memória

Os livros sabem de cor
milhares de poemas.
Que memória!
Lembrar, assim, vale a pena.
Vale a pena o desperdício,
Ulisses voltou de Tróia,
assim como Dante disse,
o céu não vale uma história.
um dia, o diabo veio
seduzir um doutor Fausto.
Byron era verdadeiro.
Fernando, pessoa, era falso.
Mallarmé era tão pálido,
mais parecia uma página.
Rimbaud se mandou pra África,
Hemingway de miragens.
Os livros sabem de tudo.
Já sabem deste dilema.
Só não sabem que, no fundo,
ler não passa de uma lenda.

6 – Parada cardíaca

Essa minha secura
essa falta de sentimento
não tem ninguém que segure,
vem de dentro.
Vem da zona escura
donde vem o que sinto.
Sinto muito,
sentir é muito lento.

7 – Razão de ser

Escrevo. E pronto.
Escrevo porque preciso,
preciso porque estou tonto.
Ninguém tem nada com isso.
Escrevo porque amanhece,
E as estrelas lá no céu
Lembram letras no papel,
Quando o poema me anoitece.
A aranha tece teias.
O peixe beija e morde o que vê.
Eu escrevo apenas.
Tem que ter por quê?

8 – Aviso aos náufragos

Esta página, por exemplo,
não nasceu para ser lida.
Nasceu para ser pálida,
um mero plágio da Ilíada,
alguma coisa que cala,
folha que volta pro galho,
muito depois de caída.
 
Nasceu para ser praia,
quem sabe Andrômeda, Antártida
Himalaia, sílaba sentida,
nasceu para ser última
a que não nasceu ainda.
 
Palavras trazidas de longe
pelas águas do Nilo,
um dia, esta pagina, papiro,
vai ter que ser traduzida,
para o símbolo, para o sânscrito,
para todos os dialetos da Índia,
vai ter que dizer bom-dia
ao que só se diz ao pé do ouvido,
vai ter que ser a brusca pedra
onde alguém deixou cair o vidro.
Não e assim que é a vida?

9 – Amar você é

coisa de minutos…

Amar você é coisa de minutos
A morte é menos que teu beijo
Tão bom ser teu que sou
Eu a teus pés derramado
Pouco resta do que fui
De ti depende ser bom ou ruim
Serei o que achares conveniente
Serei para ti mais que um cão
Uma sombra que te aquece
Um deus que não esquece
Um servo que não diz não
Morto teu pai serei teu irmão
Direi os versos que quiseres
Esquecerei todas as mulheres
Serei tanto e tudo e todos
Vais ter nojo de eu ser isso
E estarei a teu serviço
Enquanto durar meu corpo
Enquanto me correr nas veias
O rio vermelho que se inflama
Ao ver teu rosto feito tocha
Serei teu rei teu pão tua coisa tua rocha
Sim, eu estarei aqui

10 – Adminimistério

Quando o mistério chegar,
já vai me encontrar dormindo,
metade dando pro sábado,
outra metade, domingo.
Não haja som nem silêncio,
quando o mistério aumentar.
Silêncio é coisa sem senso,
não cesso de observar.
Mistério, algo que, penso,
mais tempo, menos lugar.
Quando o mistério voltar,
meu sono esteja tão solto,
nem haja susto no mundo
que possa me sustentar.
 
Meia-noite, livro aberto.
Mariposas e mosquitos
pousam no texto incerto.
Seria o branco da folha,
luz que parece objeto?
Quem sabe o cheiro do preto,
que cai ali como um resto?
Ou seria que os insetos
descobriram parentesco
com as letras do alfabeto?

11 – Sintonia para pressa e presságio

Escrevia no espaço.
Hoje, grafo no tempo,
na pele, na palma, na pétala,
luz do momento.

Soo na dúvida que separa
o silêncio de quem grita
do escândalo que cala,
no tempo, distância, praça,
que a pausa, asa, leva
para ir do percalço ao espasmo.
 
Eis a voz, eis o deus, eis a fala,
eis que a luz se acendeu na casa
e não cabe mais na sala.

12 – Não discuto

não discuto
com o destino
o que pintar
eu assino

13 – A lua no cinema

A lua foi ao cinema,
passava um filme engraçado,
a história de uma estrela
que não tinha namorado.
 
Não tinha porque era apenas
uma estrela bem pequena,
dessas que, quando apagam,
ninguém vai dizer, que pena!
 
Era uma estrela sozinha,
ninguém olhava pra ela,
e toda a luz que ela tinha
cabia numa janela.
 
A lua ficou tão triste
com aquela história de amor
que até hoje a lua insiste:
— Amanheça, por favor!

Veja também:

14 –  Contranarciso

em mim
eu vejo
o outro
e outro
enfim dezenas
trens passando
vagões cheios
de gente centenas
 
o outro
que há em mim é você
você
e você
 
assim como
eu estou em você
eu estou nele
em nós
e só quando
estamos em nós
estamos em paz
mesmo que estejamos
a sós

15 – Dor elegante

Um homem com uma dor
É muito mais elegante
Caminha assim de lado
Com se chegando atrasado
Chegasse mais adiante
 
Carrega o peso da dor
Como se portasse medalhas
Uma coroa, um milhão de dólares
Ou coisa que os valha
 
Ópios, édens, analgésicos

Não me toquem nesse dor
Ela é tudo o que me sobra
Sofrer vai ser a minha última obra

16 – Incenso fosse música

isso de querer ser 

exatamente 

aquilo que a gente é 

ainda vai 

nos levar além

17 –  Buscando o sentido

O sentido, acho, é a entidade mais misteriosa do universo.
Relação, não coisa, entre a consciência, a vivência e as coisas e os eventos.
O sentido dos gestos. O sentido dos produtos. O sentido do ato de existir.
Me recuso (sic) a viver num mundo sem sentido.
Estes anseios/ensaios são incursões em busca do sentido.
Por isso o próprio da natureza do sentido: ele não existe nas coisas, tem que ser
buscado, numa busca que é sua própria fundação.
Só buscar o sentido faz, realmente, sentido.
Tirando isso, não tem sentido.

18 – Riso para Gil

teu riso
reflete no teu canto rima rica
raio de sol
em dente de ouro

“everything is gonna be alright” teu riso
diz sim
teu riso

satisfaz

enquanto o sol
que imita teu riso
não sai

19 – Já disse

Já disse de nós.
Já disse de mim.
Já disse do mundo.
Já disse agora,
eu que já disse nunca. Todo mundo sabe,
eu já disse muito.

Tenho a impressão
que já disse tudo.
E tudo foi tão de repente…

20 – Suprassumo da quintessência

O papel é curto.

Viver é comprido.

Oculto ou ambíguo,

tudo o que eu digo

tem ultrassentido.

Se rio de mim,

me levem a sério.

Ironia estéril?

Vai nesse ínterim,

meu inframistério.

por Lívia Nolla

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