
#3 ForasDeSérie | MARIA BETHÂNIA: A história da canção “Carcará”
#3 ForasDeSérie | MARIA BETHÂNIA: A história da canção “Carcará”
As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pelas chamadas “canções de protesto”, compostas por dezenas de compositores com tendências estéticas e políticas variadas, mas todos compartilhavam um anseio pela democracia e uma reação contra a ditadura militar. Neste texto, vamos falar sobre Carcará, música de João do Valle e inesquecivelmente interpretada por Maria Bethânia. … Continued

As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas pelas chamadas “canções de protesto”, compostas por dezenas de compositores com tendências estéticas e políticas variadas, mas todos compartilhavam um anseio pela democracia e uma reação contra a ditadura militar. Neste texto, vamos falar sobre Carcará, música de João do Valle e inesquecivelmente interpretada por Maria Bethânia.

A história por trás de Carcará
Essa música faz parte do programa Opinião (Rio de Janeiro, 1964), que inclui músicas de Zé Keti, Edu Lobo, Carlos Lyra, João do Valle, Heitor dos Prazeres, Ary Toledo, Sérgio Ricardo, Vinícius de Moraes e muitos mais. Suas letras celebram a coragem e a determinação de vencer a fome e o rigor do sertão.
A música inclui a recitação de um texto retirado de um relatório da Sudene sobre a migração de nordestinos expulsos da terra pela seca e pela fome. Carcará foi sucesso instantâneo para a então desconhecida jovem Maria Bethânia, então com 17 anos, e suas interpretações expressivas serão para sempre a assinatura da música.
Show Opinião
O pano de fundo para acolher o discurso de Maria Bethânia no Opinião é apresentado em uma imagem muito clara: 1965, segundo ano da instauração da ditadura no Brasil. O espetáculo é encenado pelo Teatro de Arena, conhecido por sua dedicação à conscientização do público sobre o sofrimento, a opressão e a desigualdade social.
Por isso, o público fiel do grupo já é formado por um grupo muito claro que simpatiza com o assunto: os estudantes universitários, artistas engajados, entre outros.
O show Opinião traz uma mensagem clara e a transmite a um grupo que não só a entende como a aceita, o que representa uma ligação íntima e recíproca com o público.
Assim, o enorme sucesso de Opinião se deve a uma cumplicidade entre o público e o espetáculo, que resultou nos gritos sufocantes do público. O resultado foi uma espécie de manifesto coletivo que não mais beirava a separação entre quem fala e quem ouve, mas através de interações e conversas entre quem canta na mesma língua.
De fato, no grito de Carcará, o público denunciou toda a opressão e agressão de um regime que, como uma ave de rapina, usa seu poder para atacar covardemente em circunstâncias desfavoráveis suas presas.
A performance de “Carcará” por Bethânia
Na performance de Carcará, Maria Bethânia parece adquirir gradativamente a forma de um pássaro ao longo da execução do canto, tornando-se protagonista da mensagem poética.
Veja o registro de Maria Bethânia no show Opinião captado pelas lentes do cineasta carioca Paulo César Sarraceni, em 1965:
A artista apresenta a ave ao longo da cena, como se ela estivesse devorando lentamente, tornando-se o próprio carcará. O movimento está em sintonia com a própria natureza devoradora do pássaro, aparecendo no palco através do corpo de Bethânia, mostrando uma postura orgulhosa, poderosa e majestosa.
O “pegar, matar, comer” da música é assim incorporado pela artista e manifestado ao longo da performance. Nesse sentido, é possível visualizar uma representação animal em cena, a partir da qual Maria Bethânia apresenta as características de um pássaro. A artista não apenas adquire suas características, mas também se torna protagonista das canções que interpreta.
Bethânia tinha apenas 17 anos quando caiu de El Salvador para o Rio de Janeiro e teve as melhores referências: Nara Leão, a musa da bossa nova, a escolheu para ocupar seu lugar no show Opinião, onde se apresentou com Zé Keti e João do Vale sob direção de Augusto Boal (e música de Dori Caymmi), no Teatro de Arena, Copacabana.
Nara a conheceu em uma viagem à Bahia há alguns meses, na peça “Mora na Filosofia”, que continha, inclusive, músicas do repertório do Opinião. Vale lembrar que Maria Bethânia iniciou a carreira como atriz em Salvador, poucos anos antes.
Desde sua estreia em dezembro de 1964, o espetáculo tem feito enorme sucesso entre público e crítica. Com Maria Bethânia, o espetáculo se intensifica. Daí veio o primeiro sucesso da cantora: “Carcará“, de João do Vale e José Cândido.
A voz potente de Bethânia e suas expressões se encaixam como uma luva no repertório e nas propostas do musical, uma das primeiras expressões culturais de rebelião contra o regime.
A importância para a carreira de Maria Bethânia
Graças à viagem de Bethânia ao show Opinião, seu irmão mais velho, Caetano, quatro anos mais velho que ela, arriscou-se a acompanhá-la na mudança para o Rio. O primeiro disco de Bethânia foi lançado antes de Caetano. Gal Costa também dividiu os vocais de “Sol Negro” com Bethânia pela primeira vez no álbum de 1965.
Ao longo de sua carreira, Bethânia manteve a carga dramática de “Carcará” em muitas interpretações, tornando-se o hábito de recitar versos entre as canções, e revisitar com frequência cancioneiros populares, gravando samba de roda e música nordestina no Po Lero, entre baladas e canções.
Em 1978, tornou-se a primeira cantora brasileira a vender mais de um milhão de cópias do mesmo álbum: Álibi.
Foras de Série da Novabrasil
Para ler em temporadas, o FORAS DE SÉRIE da Novabrasil já apresentou uma nova forma de ler episódios da vida de grandes personalidades brasileiras que tem suas histórias conectadas em algum momento, como Rita Lee, Cássia Eller, Cazuza e, agora, Maria Bethânia.
Amanhã, 12h, aqui no site da Novabrasil, confira o último episódio da 1° temporada do Foras de Série com Maria Bethânia – com tudo que você precisa saber sobre o documentário ‘Fevereiros’ que acompanha a artista e a construção do desfile da mangueira.