No dia de hoje, há exatos 103 anos, nascia o poeta e escritor pernambucano João Cabral de Melo Neto.
João Cabral fazia parte da terceira geração modernista no Brasil, a Geração de 45
Ele fez parte da terceira geração modernista no Brasil, conhecida como Geração de 45. Nesse momento, os escritores estavam mais preocupados com a palavra e a forma, sem deixar de lado a sensibilidade poética. De maneira racional e equilibrada, João Cabral se destacou por seu rigor estético.
Sua obra poética, que vai de uma tendência surrealista até a poesia popular, com poemas avessos a confessionalismos e marcados pelo uso de rimas toantes, inaugurou uma nova forma de fazer poesia no Brasil. É considerado o maior poeta de língua portuguesa por escritores como Mia Couto.
O maior poeta de língua portuguesa
João Cabral de Melo Neto foi agraciado com vários prêmios literários, entre eles o Prêmio Jabuti, o Prêmio Camões e o Prêmio Neustadt, tido como o Nobel Americano, sendo o único brasileiro a conquistar tal feito. Quando morreu – aos 79 anos, em 1999 – especulava-se que era um forte candidato ao Prêmio Nobel de Literatura.
O escritor foi também membro da Academia Pernambucana de Letras e da Academia Brasileira de Letras.
Morte e Vida Severina
O poema dramático publicado em 1955, Morte e Vida Severina, foi – sem dúvida – a obra que o consagrou. Além disso, seus livros foram traduzidos para diversas línguas (alemão, espanhol, inglês, italiano, francês e holandês) e sua obra é conhecida em diversos países.
Com forte crítica social, Morte e Vida Severina retrata a saga de um retirante nordestino que sai do sertão em direção à capital pernambucana, para buscar melhores condições de vida. A história é narrada em primeira pessoa, pelo personagem Severino e é composta de monólogos e diálogos com outros personagens.
O antes e o depois de Severino chegar em Recife
Consiste em duas partes: antes e depois de Severino chegar em Recife. Antes de chegar chamamos de caminho ou fuga da morte; e depois em o presépio ou encontro da vida. O poema é feito em redondilha maior (sete sílabas métricas).
O espaço possui um movimento de deslocamento: o retirante faz a travessia da Caatinga, passando pelo Agreste, para a Zona da Mata, até chegar ao Recife, ou seja, sai da Serra da Costela, e vai para o litoral (mangue).
Seu José, Mestre Carpina
Durante esse deslocamento em busca da vida, depara-se com tantas mortes e miséria que pensa em se atirar no rio onde ele se encontrava e apressar a própria morte. Seu José, Mestre Carpina, é o personagem que salva a vida de Severino, impedindo-o de tomar sua própria vida.
O meu nome é Severino,
não tenho outro de pia.
Como há muitos Severinos,
que é santo de romaria,
deram então de me chamar
Severino de Maria;
como há muitos Severinos
com mães chamadas Maria,
fiquei sendo o da Maria
do finado Zacarias.
Mas, você sabia que Morte e Vida Severina foi também responsável por apresentar Chico Buarque para o Brasil inteiro e para o mundo?
Morte e Vida Severina apresentou Chico Buarque para o mundo
Em 1965, Chico era um jovem e pouco conhecido compositor de 21 anos, quando lançou o seu primeiro compacto, com as canções Pedro Pedreiro e Sonho De Um Carnaval. Essa última, foi a sua primeira música inscrita em um festival, o I Festival Nacional de Música Popular Brasileira, transmitido pela TV Excelsior.
A canção foi defendida e depois gravada por Geraldo Vandré, mas não se classificou.
Nos bastidores do Festival, um dos integrantes da comissão julgadora – o jornalista e psiquiatra Roberto Freire, então diretor do Teatro da Universidade Católica de São Paulo – TUCA – perguntou se Chico não toparia fazer um trabalho em cima de um “negócio” de João Cabral de Melo Neto.
Chico Buarque musicou Morte e Vida Severina para o teatro
O “negócio” em questão era musicar Morte e Vida Severina para o teatro, para estrear em 1966. Chico topou e a montagem – encenada por mais de 30 estudantes – foi um imenso sucesso: ganhou prêmios de crítica e público até no IV Festival de Teatro Universitário de Nancy, na França.
A trilha sonora da peça virou disco, lançado também em 1966, e trouxe – entre as canções – Funeral de um Labrador, que se tornou um grande clássicos da música popular brasileira, tendo sido regravada por nomes como Nara Leão, Elba Ramalho, Quarteto em Cy e MPB-4:
Esta cova em que estás, com palmos medida
É a conta menor que tiraste em vida
É a conta menor que tiraste em vida
É de bom tamanho, nem largo nem fundo
É a parte que te cabe deste latifúndio
É a parte que te cabe deste latifúndio
Não é cova grande, é cova medida
É a terra que querias ver dividida
É a terra que querias ver dividida
Ainda em 1966, Chico Buarque tornou-se ainda mais conhecido do grande público brasileiro quando ganhou o II Festival Nacional de Música Popular Brasileira, com a canção A Banda, interpretada por Nara Leão. A música empatou com Disparada, de Geraldo Vandré e Theo de Barros, interpretada magistralmente por Jair Rodrigues.
Ainda em 1966, Chico Buarque ganhou o o II Festival Nacional de Música Popular Brasileira, com a canção A Banda
A Banda foi um sucesso imediato e vendeu mais de 100 mil cópias em uma semana, sendo traduzida para vários idiomas. O poeta Carlos Drummond de Andrade escreveu uma crônica para saudar a canção e Millôr Fernandes classificou Chico, aos 22 anos, como unanimidade nacional.
Ainda em 1966, Chico mudou-se para o Rio de Janeiro e lançou o seu primeiro disco, Chico Buarque de Hollanda, com – além de A Banda, Pedro Pedreiro e Sonho de Um Carnaval – sucessos como:
- A Rita;
- Ela e Sua Janela;
- Madalena Foi Pro Mar;
- e Olê Olá.
O resto da história de Chico Buarque, que tornou-se um dos maiores nomes da música popular brasileira de todos os tempos – você confere na nossa série original Novabrasil de áudio-biografias Acervo MPB especial Chico Buarque.
Morte e Vida Severina virou filme e ganhou nova adaptação para o teatro
Morte e Vida Severina foi – depois – parcialmente adaptada ao cinema em 1977, por Zelito Viana, com José Dumont no papel de Severino, Sebastião Vasconcelos como Mestre Capina e Tânia Alves. Em 1981, a TV Globo produziu uma versão especial em teleteatro com José Dumont e Elba Ramalho.
Em abril de 2022, Morte e Vida Severina ganhou uma nova adaptação para o teatro, dirigida por Elias Andreato, no mesmo TUCA, onde estreou em 1966.
Viva, João Cabral de Melo Neto!