Curiosidades sobre a vida de Aldir Blanc; o compositor que deu voz ao Brasil
Curiosidades sobre a vida de Aldir Blanc; o compositor que deu voz ao Brasil
Da medicina à música, a trajetória de um dos maiores nomes da MPB e suas histórias de vida marcantes
Aldir Blanc, um dos mais icônicos compositores da música brasileira, deixou um legado imensurável através de suas letras poéticas e engajadas. Ele se tornou um dos compositores mais aclamados da Música Popular Brasileira, conhecido não só por letras densas e emocionantes, mas por seu jeito peculiar e suas histórias de vida marcantes.
Abandonou a medicina para seguir a paixão pela música e pela escrita. Aqui, relembramos algumas curiosidades e momentos marcantes do compositor que deu voz ao Brasil com suas letras atemporais.
Formação e carreira
Médico por formação: Aldir estudou medicina por sete anos, especializando-se em psiquiatria, mas abandonou a profissão para se dedicar à música e à escrita. Ele trabalhou em um hospital psiquiátrico, onde se deparou com as realidades difíceis da saúde mental, o que influenciou suas letras.
Blanc se recusava de participar das sessões de eletrochoque e resolveu sair e abrir seu próprio consultório.
Compositor de clássicos: Ele é autor de canções icônicas da Música Popular Brasileira, como “O Bêbado e a Equilibrista” e “Mestre-Sala dos Mares”, que se tornaram marcos na cultura brasileira. Elis Regina regravou muitas de suas músicas em parceria com João Bosco.
Vida pessoal
Traumas pessoais: A morte de suas filhas gêmeas, Maria e Alexandra, em 1974, foi um ponto de virada em sua vida. Este trauma profundo o levou a se afastar da medicina e a se dedicar exclusivamente à música. Para ele, se não pôde fazer nada por elas, não valia a pena continuar na profissão.
Reclusão: Aldir enfrentou fobias e uma necessidade crescente de reclusão ao longo dos anos, o que dificultou suas apresentações ao vivo. Ele preferia receber amigos em casa, cercado por livros e música.
Aldir Blanc sofreu um grave acidente de carro em 1991, que teve um impacto significativo em sua vida. Este acidente resultou em sérias lesões na perna esquerda, quase a deixando sem movimento, o que alterou drasticamente sua mobilidade e qualidade de vida. A partir desse evento, andar na rua tornou-se uma atividade perigosa e desafiadora para ele, contribuindo para um aumento em suas fobias e sua necessidade de reclusão.
Além do acidente, Aldir também enfrentou outros problemas de saúde ao longo da vida, incluindo diabetes tipo 2, diagnosticada pouco antes da Copa do Mundo de 2010. Essa condição exigiu mudanças drásticas em sua dieta, incluindo a abstinência de álcool, o que limitou ainda mais suas interações sociais e seu estilo de vida boêmio.
Influências e estilo
Influência literária: Aldir tinha uma forte ligação com a literatura desde a infância, influenciado por seu avô materno. Ele começou a escrever crônicas para jornais antes de se firmar como letrista.
João Bosco pretende lançar álbum com inéditas de Aldir Blanc
Parceria com João Bosco: Sua colaboração com o músico João Bosco resultou em uma série de músicas memoráveis. A parceria começou quando um amigo em comum os apresentou, levando à criação de várias canções que se tornaram clássicos, como “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá” e “Mestre-Sala dos Mares”.
Outras curiosidades
Personalidade Única: Descrito como “absolutamente normal”, Aldir tinha um estilo pessoal marcante, com barba longa e cabelos rebeldes. Seus amigos o consideravam um personagem digno de quadrinhos.
Biblioteca pessoal: Era um ávido leitor e possuía uma vasta coleção de mais de 15 mil livros, refletindo sua paixão pela literatura.
Cultura carioca: Aldir sempre teve uma forte conexão com a cultura carioca, preferindo os botequins da zona norte do Rio às festas da zona sul. Isso se refletiu em suas letras, que frequentemente retratavam a vida suburbana.
Samba e futebol
Outra curiosidade sobre Aldir Blanc é sua paixão pelo futebol e pelo time Vasco da Gama. Ele era um torcedor fervoroso e costumava expressar seu amor pelo clube em suas letras e conversas informais.
Além disso, Blanc tinha uma forte conexão com a cultura do samba e era um grande admirador da escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, que também influenciou sua obra.
Histórias por trás das composições
“O Bêbado e a Equilibrista”
Uma das composições mais emblemáticas de Aldir Blanc é “O Bêbado e a Equilibrista”, feita em parceria com João Bosco. A canção, lançada por Elis Regina em 1979, tornou-se um hino informal da anistia no Brasil.
Aldir revelou que a ideia inicial da música surgiu como uma homenagem ao cineasta Charles Chaplin, mas evoluiu para abordar a condição dos exilados políticos.
A letra reflete a realidade social e política do país durante a ditadura militar, mencionando figuras importantes que foram assassinados pela repressão. No verso “choram Marias e Clarisses”, menciona Maria, esposa de Manuel Fiel Filho, e Clarisse, viúva do jornalista Vladimir Herzog — ambos mortos nos porões da repressão.
Aldir Blanc: história de “Dois Pra Lá, Dois Pra Cá” e “O Mestre Sala dos Mares”
A expressão “a volta do irmão do Henfil” alude ao sociólogo Betinho, exilado desde 1971, cujo retorno ao Brasil foi celebrado como símbolo de esperança. Outro verso icônico, “caía a tarde feito um viaduto”, remete ao desastre do Elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro, onde o viaduto desabou, matando e ferindo dezenas de pessoas em 1971.
A canção foi gravada por Elis Regina em 1979 no álbum “Essa mulher”, coincidindo com a fase final da ditadura e a aprovação da Lei da Anistia, que permitiu o retorno de muitos exilados políticos ao país. Quando Elis mostrou a música a Henfil, ele teria exclamado que agora tinham um “hino”, símbolo de resistência que poderia ajudar na luta contra o regime.
A música foi tocada nas ruas e no Aeroporto de Congonhas para recepcionar os exilados, incluindo Betinho.
Humor e ironia
Além de composições densas, Aldir Blanc era conhecido por seu humor ácido. Em “Mestre-Sala dos Mares”, escrita em parceria com João Bosco, Aldir presta homenagem a João Cândido, o “Almirante Negro” que liderou a Revolta da Chibata em 1910.
Mas não sem ironia: para driblar a censura, ele usou metáforas para descrever a luta do marinheiro contra as injustiças sociais. A letra original falava em “navegar nas águas negras do mar” para homenagear o personagem, mas a censura da época obrigou-o a substituir por “águas mansas”, uma adaptação que ironicamente evidenciava o contraste entre a história real e o que era permitido contar.
Um ateu convicto e suas complexas canções sobre fé
Aldir se declarava ateu, mas explorava a espiritualidade de forma única. Em canções como “O Rancho da Goiabada”, que escreveu com João Bosco, ele trata de temas como a vida e a morte em um misto de religiosidade popular e crítica social.
A música, recheada de simbolismos sobre o sofrimento do povo brasileiro, demonstra como Aldir abordava a fé e a esperança com um olhar crítico, sem perder o afeto pelas tradições e pela cultura popular.
Aldir Blanc faleceu em maio de 2020, vítima do Coronavírus, aos 73 anos de idade, mas seu legado continua vivo nas canções que tocaram o coração de gerações. Suas letras permanecem relevantes e se conectam com aqueles que buscam entender a complexidade da experiência humana no Brasil.