A história da música ‘Reconvexo’, no dia do aniversário de Caetano Veloso
A história da música ‘Reconvexo’, no dia do aniversário de Caetano Veloso
Artista baiano completa 82 anos neste 7 de agosto e, para homenageá-lo, o site da Novabrasil conta a história de um de seus maiores sucessos; confira nosso especial
Hoje é aniversário de um dos patrimônios culturais do nosso país: Caetano Veloso!
Com 60 anos de carreira, o baiano é um dos artistas brasileiros mais influentes desde a década de 60 e um dos mais respeitados e produtivos músicos do mundo, considerado internacionalmente um dos melhores compositores do século XX.
Cantor, compositor, músico, escritor, crítico, produtor, cineasta, poeta e arranjador, sua obra é marcada pela renovação e pelo seu grande valor intelectual e poético.
Sobre Caetano Veloso
Caetano Veloso nasceu em Santo Amaro da Purificação, pequena cidade do Recôncavo Baiano, filho de Dona Canô e Seu Zezinho.
Já apaixonado pela bossa nova de João Gilberto e pelo Cinema Novo de Glauber Rocha, Caetano saiu da Bahia pela primeira vez para acompanhar a irmã mais nova, Maria Bethânia – ao lado de quem já havia estrelado alguns espetáculos na Bahia, junto também com Gilberto Gil, Gal Costa e Tom Zé.
Bethânia substituiria Nara Leão no antológico espetáculo de protesto Opinião, em 1965. No mesmo ano, ela gravou a primeira composição de Caetano em disco, a canção De Manhã.
Em 1967, Caetano lançou seu LP de estreia, Domingo, ao lado de Gal Costa. No mesmo ano, ao conquistar o 4º lugar no III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record com sua canção Alegria, Alegria – acompanhado pelas guitarras elétricas do grupo argentino Beat Boys – o baiano rompeu com a tradição apresentada até aquele momento da música popular brasileira, junto com Gilberto Gil, que apresentou Domingo no Parque.
Depois, Caetano foi responsável – ao lado de Gil, e também de Gal, Tom Zé, Os Mutantes, e outros artistas – pelo movimento de contracultura que transcendeu tudo o que já havia em termos de produção artística no Brasil e transformou a música brasileira para sempre: a Tropicália.
Em 1968, em tempos duros de repressão e ditadura militar e com o cerceamento das liberdades democráticas, Caetano Veloso e Gilberto Gil, líderes do Movimento Tropicalista, foram preso e obrigados a se exilar em Londres, em 1969.
Caetano morou na cidade inglesa até 1972, e lá gravou um dos discos mais importantes da música popular brasileira de todos os tempos: Transa, álbum cujo lançamento marcou o seu retorno para o Brasil.
Desde então, Caetano Veloso já lançou mais de 40 álbuns e segue sendo um dos artistas mais respeitados do Brasil.
Multifacetado, o baiano já escreveu quatro livros e também já compôs trilhas para teatro, novela e cinema. Vencedor de mais de 10 Grammys Latinos e um Grammy Award, suas músicas foram gravadas por quase todos os maiores nomes da MPB, sendo considerado uma grande referência pára artistas de todas as gerações e estando em plena atividade até os dias de hoje.
Para saber tudo sobre a vida e a obra do aniversariante de hoje, escute o Acervo MPB Caetano Veloso, áudio-biografia exclusiva Novabrasil.
No Spotify da Novabrasil, temos uma Playlist Especial com os principais sucessos do artista listados em ordem cronológica de quando foram lançados, interpretados por ele ou por outros grandes nomes da música brasileira. Então, se você seguir a playlist na sequência, fará uma viagem pela vida e pela obra do aniversariante do dia.
E, para seguir homenageando Caetano Veloso, trouxemos a história por trás de um de seus maiores sucessos: a canção Reconvexo.
A história da canção Reconvexo
Caetano Veloso compôs o belo samba de roda Reconvexo especialmente para a sua irmã Maria Bethania gravar no álbum Memória da Pele, de 1989.
Na canção, composta pelo baiano em Roma neste mesmo ano de 1989, Caetano revela o orgulho de ser brasileiro, e – especialmente – de ser baiano. Ela foi escrita em resposta ao jornalista carioca Paulo Francis, que vivia em Nova Iorque e costumava menosprezar a cultura e o povo brasileiro, fazendo muitas críticas, principalmente aos artistas baianos.
No livro Sobre as Letras, organizado pelo poeta Eucanaã Ferraz (Cia das Letras, 2003), o baiano explica as suas principais canções, e Reconvexo é uma delas:
“Eu estava em Roma quando um dia acordei e vi os carros empoeirados, todos cobertos de areia. Perguntei: ‘Gente, o que tem nesses carros aí?’. Uns italianos, amigos meus, responderam: ‘isso é areia que vem do deserto do Saara, que o vento traz’. Com essa imagem, comecei imediatamente a compor a música.
A letra fala em Gita Gogóia, porque a letra de Gita(de Raul Seixas e Paulo Coelho, 1974) diz ‘eu sou, eu sou, eu sou’… e porque a a canção Fruta Gogóia (canção de domínio público, do folclore baiano) também se estrutura do mesmo modo eu sou, eu sou, eu sou’.
A letra é meio contra o Paulo Francis, uma resposta àquele estilo de gente que queria desrespeitar o que era brasileiro, o que era baiano, a contracultura, a cultura pop, todo um conjunto de coisas que um certo charme jornalístico, tipo Tom Wolf, detestava e agredia.”
Caetano resolve, então, desfilar as riquezas do país em sua letra, em que começa muitas das frases com “Eu sou”.
A música faz muitas referências baianas: à “novena de Dona Canô”, mãe de Caetano e Bethânia; “a elegância sutil de Bobô”, atacante do Bahia, que jogou no time vencedor do Campeonato Brasileiro de 1988, e se destacava pelos gols e pelo refinado toque de bola; e “o Olodum balançando o Pelô”, um dos blocos afro mais importantes de Salvador, que desce o Pelourinho durante o Carnaval e se tornou a maior banda percussiva do planeta.
Na letra, Caetano também fala da “voz da matriarca da Roma Negra”, citandoEugênia Ana dos Santos, a Mãe Aninha, fundadora do Terreiro Ilê Axé Apó Afonjá, que deu à Salvador, na década de 1920, o apelido de “Roma Negra”.
A religiosa fazia referência ao fato da capital italiana ser o centro do catolicismo, enquanto Salvador seria o centro do culto aos orixás. Ao longo dos anos, estudiosos, como a pesquisadora Maria Alice Pereira da Silva apontaram que o status de “Roma Negra” não serviria apenas para apontar a cidade enquanto um lugar da religiosidade afro-brasileira, mas também da resistência da negritude e mais recentemente como um lugar do turismo étnico.
Reconvexo também exalta outras referências puramente brasileiras, como “a destemida Iara, água e folha da Amazônia”; e “o mendigo Joãozinho Beija Flor”, citando o célebre enredo “Ratos e Urubus- larguem minha fantasia”, do carnavalesco maranhense Joãozinho Trinta, no desfile da Beija-Flor de 1989, que mostrou o contraste entre o luxo das elites e a pobreza dos mendigos que vivem no meio do lixo.
Na letra da canção, Caetano cita ainda referências artísticas universais, para falar de como o Brasil também é multicultural, miscigenado, diverso, como: a risada do artista visual de pop-art e diretor de cinema estadunidense Andy Warhol; o suingue do cantor, compositor e guitarrista francês de jazz francês da Guiana, Henri Salvador; e o “preto norte-americano forte”, com brinco de ouro na orelha.
Em Reconvexo, tudo isso é exaltado, enquanto Paulo Francis, e todas as pessoas que se comportam como ele, menosprezando a cultura brasileira, são os “caretas”.
Ao longo de toda a letra, Caetano Veloso reafirma a oposição entre o côncavo (como o que está dentro da “meia circunferência aberta”) e o convexo (o seu oposto, o que está fora), aproveitando para fazer referência à região da Bahia no entorno da Baía de Todos os Santos, onde nasceram Caetano e Bethânia: o Recôncavo Baiano.
E conclui dizendo que o “careta” sequer pode ser Reconvexo, palavra inventada, mas que seria a antítese do que é o Recôncavo.
Gostou de saber mais sobre as histórias de grandes canções da nossa música popular brasileira? Continue acompanhando a nossa série Saudando Grandes Compositores da MPB. Hoje, homenageamos o aniversariante Caetano Veloso!
por Lívia Nolla