Renan Quinalha: “Direitos LGBTQIAPN+ no Brasil de hoje
Renan Quinalha
Escritor, advogado e professor
Renan Quinalha: “Direitos LGBTQIAPN+ no Brasil de hoje
A partir dos anos 2000, pode-se afirmar que vivemos uma revolução dos direitos LGBTQIAPN+ no país
De fato, em um intervalo de praticamente uma década, houve um avanço significativo do ponto de vista da cidadania, do reconhecimento formal de direitos civis da diversidade sexual e de gênero.
Apesar de ainda não termos uma lei federal específica de proteção à comunidade LGBTQIAPN+, começamos a ter uma série de decisões importantes no Supremo Tribunal Federal (STF) e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Todas as demandas históricas dessa população foram contempladas pelo sistema de justiça: reconhecimento da união estável homoafetiva em 2011; reconhecimento do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo em 2013; dois anos depois, o STF reconheceu o direito de casais LGB adotarem crianças sem restrições de idade ou sexo, garantindo a essa população o direito à parentalidade e à formação de famílias; em 2018, pessoas trans conquistaram o direito à identidade de gênero, podendo ir diretamente aos cartórios para alterar o primeiro nome e o sexo na documentação civil, sem necessidade de autorização judicial ou cirurgia de redesignação sexual; em 2019, a homotransfobia foi criminalizada; e, em maio de 2020, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o Ministério da Saúde foram obrigadas, por decisão do STF, a aceitar a doação de sangue por homens gays e bissexuais.
Além disso, o STF decidiu que discussões de gênero e sexualidade podem – e devem – acontecer nas escolas, pois dizem respeito a uma educação em direitos humanos e contra a discriminação. Tudo isso aconteceu em um curto espaço de tempo do ponto de vista da história.
Muita resistência, contudo, ainda tem aparecido por parte de um setor conservador da sociedade brasileira. Por isso, é muito importante que a gente tenha essa perspectiva de que, ao falar de direitos LGBTQIAPN+, não se está falando de privilégios, de querer um tratamento diferenciado do ponto de vista da legislação. O que se está buscando é igualdade de direitos.
O casamento civil entre pessoas do mesmo sexo não alterou em nada o casamento entre pessoas heterossexuais. Ou seja, você não precisa retirar direitos do outro para reconhecer direitos a um segmento da população. Não é um jogo de soma zero. Pelo contrário, é possível a extensão desses direitos, de modo a contemplar o modo como as pessoas se percebem e vivem em sociedade.
Apesar desses avanços judiciais que se materializaram em direitos importantes, a gente ainda não tem um estatuto antidiscriminação mais amplo ou uma lei civil de casamento, como a Argentina tem a lei do matrimônio igualitário. Uma lei específica criminalizando a LGBTfobia, por exemplo, daria maior solidez para o reconhecimento desses direitos do que uma decisão do STF.
Há, ainda, um déficit muito grande para a plena realização da cidadania LGBTI+ no Brasil. Isso porque há uma distância enorme entre o que dizem as decisões do STF ou leis municipais e estaduais antidiscriminação e o que se vê na prática.
Enfrentar esse desafio passa pela educação e pela cultura, por debates e conversas, pois o direito tem um limite até onde pode chegar, do ponto de vista da promoção de mudanças na sociedade.
Acredito no direito como ferramenta de transformação social, de proteção dos direitos humanos, mas ele tem uma limitação sobre o quanto consegue sensibilizar as pessoas. Assim como o racismo, a LGBTfobia também é estrutural na sociedade. Há determinadas estruturas que nos precedem, nos atravessam, e a gente acaba reproduzindo-as, muitas vezes, inconscientemente.
Com educação e cultura, podemos trazer outras versões sobre esses temas, qualificar o debate público, aprofundar as reflexões e sensibilizar as pessoas para a importância da desconstrução de preconceitos, a fim de que exista, finalmente, uma sociedade mais acolhedora e diversa.
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Renan Quinalha
Homem, gay, 38 anos. É paulistano, escritor, advogado e professor de direito da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), onde também coordena o Núcleo TransUnifesp. Entre outros, é autor dos livros Contra a Moral e os Bons Costumes: a ditadura e a repressão contra a comunidade LGBT (Companhia das Letras, 2021) e Movimento LGBTI+: uma breve história do século XIX aos nossos dias (Autêntica, 2022), que foi vencedor do Prêmio Cidadania e Diversidade da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo e finalista do Prêmio Jabuti em 2023. Em junho de 2024, está lançando Direitos LGBTI+ no Brasil: novos rumos da proteção jurídica (Edições SESC, 2024). É editor e colunista da seção Livros e Livres, dedicada à Literatura LGBTI+ na Revista 451 e Presidente do Grupo de Trabalho de Memória e Verdade LGBTQIA+ do Ministério de Direitos Humanos e Cidadania.