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Há 108 anos era lançado em disco “Pelo Telefone”, considerado o primeiro samba a ser gravado no Brasil.

Lívia Nolla
15:16 20.01.2025
Autor

Lívia Nolla

Cantora e Pesquisadora Musical
Música

Há 108 anos era lançado em disco “Pelo Telefone”, considerado o primeiro samba a ser gravado no Brasil.

Hoje vamos contar a história daquele que é considerado o primeiro samba a ser gravado no Brasil: “Pelo Telefone", de Donga e Mauro de Almeida

Lívia Nolla - 20.01.2025 - 15:16
Há 108 anos era lançado em disco “Pelo Telefone”, considerado o primeiro samba a ser gravado no Brasil.
Donga, um dos autores de Pelo Telefone. | Foto: Reprodução/Montagem.

Há exato 108 anos, no dia 20 de janeiro de 1917, um fato histórico marcava a música popular brasileira para sempre: era gravado aquele que foi considerado – pelos registros da Biblioteca Nacional – o primeiro samba registrado em disco da história do Brasil, “Pelo Telefone”.

E é essa história que vamos contar hoje!

A composição do samba Pelo Telefone”

Pelo Telefone foi registrado primeiramente como sendo de autoria apenas do compositor e violonista carioca Donga, que – mais tarde – incluiu o jornalista, teatrólogo e compositor Mauro de Almeida como parceiro. 

O sucesso alcançado pela canção contribuiu para a divulgação e popularização do samba como gênero musical. 

Por ter sido esse imenso sucesso e devido ao fato de ter nascido em uma roda de samba, de improvisações e criações conjuntas, vários foram os músicos que reivindicaram a autoria da composição de “Pelo Telefone”.

Mas a história conta que foi assim: Ernesto Joaquim Maria dos Santos, conhecido como Donga, começou a tocar cavaquinho de ouvido, aos 14 anos, e pouco depois aprendeu a tocar violão. Ele cresceu em uma família bem musical: o pai era pedreiro e tocava bombardino (instrumento de sopro) nas horas vagas e a mãe fazia parte do grupo das baianas Cidade Nova, cantava modinhas e promovia inúmeras festas musicais).

Donga participava desde cedo das rodas de música no quintal da casa da lendária Tia Ciata – partideira, mãe de santo e curandeira considerada por muitos como uma das figuras mais influentes para o surgimento do samba carioca.

Tia Ciata foi uma das responsáveis pela sedimentação do samba carioca e tornou-se uma espécie de primeira dama das comunidades negras da “Pequena África”, nome dado pelo cantor e compositor cariocaHeitor dos Prazeresà região compreendida pela Zona Portuária, onde ficava a Comunidade Remanescentes de Quilombos da Pedra do Sal, Santo Cristo, e outros locais habitados por escravizados alforriados e que de 1850 até 1920.

O casarão em que morava, localizado na Praça Onze, concebida em um famoso terreiro de candomblé e consagrou-se como um ponto de encontro tradicional para as personalidades do samba carioca, que – logo após as cerimônias religiosas – armavam um pagode com violões, pandeiros e ganzás.

Contamos mais sobre a história da Tia Ciata em uma matéria especial aqui no site da Novabrasil.

Junto com Donga, participavam das rodas outros que vieram a ser grandes nomes do samba, como Pixinguinha e João da Baiana, além de outros compositores e artistas importantes. Entre eles, estava Mauro de Almeida.

Teatrólogo, jornalista e compositor carioca, Mauro começou a carreira de jornalista na redação de A Folha do Dia, no Rio de Janeiro, como repórter policial e cronista carnavalesco. Como compositor, também compôs com Pixinguinha e Donga o samba “O Malhador”.

Escreveu diversas peças de teatro e foi sócio-fundador da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT), em 1917.

Os importantes sambistas Pixinguinha, João da Baiana e Donga | Imagem: Reprodução

Mais sobre Donga e sobre a letra de Pelo Telefone”

Composta numa dessas rodas de samba, em 1916, e gravada em disco no ano seguinte pela Banda Odeon – com a interpretação do cantor Manuel Pedro dos Santos, conhecido como Baiano – a canção “Pelo Telefone” tem uma história controversa quanto à sua autoria.

Há quem defenda que a melodia, originalmente, intitulava-se “Roceiro” e foi uma criação coletiva, com participação de – além de Donga e Mauro de Almeida –  João da Baiana, Pixinguinha, Caninha, Hilário Jovino Ferreira e Sinhô, entre outros.

Donga a registrou antes, em novembro de 1916, justificando a ação com uma frase “máxima”, atribuída ao instrumentista e compositor carioca Sinhô: “música é como passarinho, de quem pegar primeiro”. 

Mas, logo que reivindicado, atribuiu a letra da canção a Mauro de Almeida, incluindo-o nos registros. Ele culpou a gravadora por ter omitido o nome do parceiro: “A omissão do nome de Mauro na gravação da Casa Edison não pode ser atribuída a mim”, disse. A Casa Edison era, naquela época, a representante do selo alemão Odeon Records no Brasil.

A letra original de “Pelo Telefone”, que era: 

O chefe da folia

Pelo telefone 

Mandou me avisar

Que com alegria

Não se questione

Para se brincar”

Teve que ser alterada para a versão mais conhecida hoje em dia: 

O Chefe da Polícia

Pelo telefone

Manda me avisar

Que na Carioca 

Tem uma roleta

Para se jogar”.

Segundo depoimento de Donga para o Museu da Imagem e do Som (MIS: “‘O Chefe da Polícia’… foi uma paródia feita pelos jornalistas deA Noite’”. Repórteres do jornal tinham, em 1913, posto uma roleta no Largo da Carioca, para demonstrar a tolerância da polícia com o jogo. 

Em abril de 1913, o chefe de polícia do Rio de Janeiro havia declarado que o jogo permaneceria liberado “até que o governo resolvesse o contrário”. Ocantor, compositor e radialista carioca Henrique Foréis Domingues, conhecido como Almirante, em matéria no jornal “O Dia”, em 13 de fevereiro de 1972, também confirma essa versão: “alguém lá na redação deA Noite’, inspirando-se nos episódios em questão, criou a famosa paródia”.

O “Jornal do Brasil”, em 4 de fevereiro de 1917, publicou uma nota do “Grêmio Fala Gente” comunicando que “O verdadeiro tango Pelo Telefone’”, dos autores João da Mata, Germano, Tia Ciata e Hilário, seria cantado na Avenida Rio Branco, dedicado ao bom e lembrado amigo Mauro”. O próprio Almirante acusou Donga de se ter apropriado de uma criação coletiva. Donga respondeu que as músicas eram diferentes. 

Pouco depois da gravação de Pelo Telefone, em 1919, ao lado de Pixinguinha e outros seis músicos, Donga integrou, como violonista, o grupo Oito Batutas, que excursionou pela Europa em 1922. 

Ao lado de Pixinguinha, Donga também formou  a Orquestra Típica Donga-Pixinguinha, entre as décadas de 1920 e 1930. Em 1926, ele integrou a banda Carlito Jazz e, em 1940 gravou nove composições – entre sambas, toadas, macumbas e lundus – do disco “Native Brazilian Music”, lançado nos Estados Unidos e organizado por dois maestros: o norte-americano Leopold Stokowski e o brasileiro Heitor Villa-Lobos

Donga viveu seus últimos dias no Retiro dos Artistas, falecendo em 1974, aos 84 anos. Mauro de Almeida faleceu anos antes, em 1956, aos 74 anos,

Anos depois, em 1996, Gilberto Gil homenageou os compositores de “Pelo Telefone” com a canção “Pela Internet”, que faz referência a um verso do primeiro samba gravado na história do Brasil e fala dos novos avanços das telecomunicações, que agora passam a contar com aparelhos celulares e internet (ainda discada). 

Pela Internet” foi a primeira música transmitida em tempo real pela internet no Brasil. 

Que o chefe da polícia carioca 

Avisa pelo celular 

Que lá na Praça Onze 

Tem um videopôquer para se jogar”.

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Lívia Nolla é cantora, apresentadora e pesquisadora musical

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