Bruna Henares: “Paradoxo do colesterol”: o que realmente a ciência diz
Bruna Henares: “Paradoxo do colesterol”: o que realmente a ciência diz
O termo refere-se a estudos observacionais que sugerem que, em algumas populações idosas, níveis elevados de colesterol LDL podem estar associados a uma menor mortalidade
Recentemente, têm ganhado destaque na mídia matérias abordando o chamado “Paradoxo do Colesterol: Por que algumas pessoas com índices altos vivem mais?” gerando debates sobre o papel do LDL (low-density lipoprotein) ou “colesterol ruim” em idosos.
A idéia de que níveis elevados de colesterol estariam associados a maior sobrevida desafia o consenso científico que relaciona o LDL à aterosclerose e doenças cardiovasculares. Além disso, desinformações sobre a segurança de tratamentos, como o uso de estatinas, complicam ainda mais o cenário. Para esclarecer o tema, especialistas ajudam a separar os fatos dos mitos com base em estudos científicos de alta qualidade.
CONFIRA ABAIXO:
O que é o ‘Paradoxo do Colesterol’?
O termo refere-se a estudos observacionais que sugerem que, em algumas populações idosas, níveis elevados de colesterol LDL podem estar associados a uma menor mortalidade. No entanto, segundo a cardiologista Dra. Bruna Henares, isso é uma interpretação equivocada.
Ideia surgiu da avaliação de estudos observacionais
Para interpretar estudos sobre colesterol e saúde, é essencial entender as diferenças entre tipos de pesquisa:
• Estudos Observacionais: Detectam associações, mas não provam causa e efeito. O Paradoxo do Colesterol surgiu de estudos desse tipo, que podem ser confundidos por fatores como doenças preexistentes e pela ausência de grupo controle.
“Será que quem viveu mais foi pelo colesterol alto? Ele foi protetor? E quem viveu menos, foi pelo colesterol baixo? Será que esses idosos não tinham colesterol baixo por doenças graves, como câncer ou desnutrição, que, por isso, aumentaram a mortalidade?”
Não é possível inferir uma relação de causa e efeito neste tipo de estudo
• Ensaios Clínicos Randomizados: São o padrão-ouro para avaliar a eficácia de intervenções, como o uso de estatinas. Eliminam vieses e comprovam relações de causa e efeito.
“Esses estudos observacionais ignoram fatores confundidores importantes. Isso distorce os resultados, criando uma falsa impressão de que o colesterol elevado seria protetor.”
Evidências Contra o Paradoxo
O papel do colesterol LDL como principal fator causal de aterosclerose é amplamente sustentado pela ciência. O estudo de consenso da European Atherosclerosis Society Consensus Panel, intitulado “Low-density lipoproteins cause atherosclerotic cardiovascular disease”, consolida três pilares de evidência:
1. Epidemiologia: Estudos observacionais demonstram que níveis mais altos de LDL estão associados a maior risco de infarto, AVC e morte cardiovascular.
2. Genética: Pessoas com mutações genéticas que reduzem os níveis de LDL (como mutações no gene PCSK9) têm risco cardiovascular drasticamente reduzido.
3. Ensaios Clínicos: Estudos como 4S, HPS e PROSPER mostram que a redução do LDL com estatinas reduz eventos cardiovasculares e a mortalidade em diferentes populações, inclusive idosos.
“A relação entre LDL e doenças cardiovasculares é uma das mais bem documentadas da medicina”, afirma Dra. Bruna.
Estudos Pilares: 4S, HPS e PROSPER
Os ensaios clínicos randomizados são a base mais confiável para determinar a eficácia de intervenções médicas. Entre os principais estudos sobre colesterol LDL, destacam-se:
• 4S (Scandinavian Simvastatin Survival Study): estudo clínico randomizado que foi um marco na cardiologia. Demonstrou que a redução do LDL com sinvastatina diminui a mortalidade cardiovascular em 42% em pacientes com doenças coronarianas prévias.
• HPS (Heart Protection Study): Mostrou que a redução do LDL com estatinas reduz eventos cardiovasculares mesmo em idosos e pessoas de alto risco.
• PROSPER (PROspective Study of Pravastatin in the Elderly at Risk): Focado em pacientes idosos (70-82 anos), o estudo provou que pravastatina reduz eventos cardiovasculares sem aumentar o risco de mortalidade por outras causas.
“Esses estudos comprovam que o tratamento com estatinas é eficaz em prevenir infartos e AVCs, mesmo em populações mais idosas”, destaca a especialista.
Fatos e Fake News sobre Estatinas
Apesar das evidências robustas, as estatinas são alvo de desinformações. Entre as principais fake news, destacam-se:
1. “Estatinas causam demência ou câncer”: FALSO. Não há evidências de que as estatinas causem demência ou câncer. Pelo contrário, estudos mostram que elas reduzem a mortalidade cardiovascular, principal causa de morte no mundo.
2. “Estatinas são desnecessárias para idosos com colesterol elevado”: FALSO. O benefício do tratamento depende do risco cardiovascular global e não apenas do colesterol LDL isolado. Cada caso deve ser avaliado individualmente.
3. “Estatinas causam mais mal do que bem”: FALSO. Estudos como 4S e HPS demonstram que os benefícios das estatinas superam amplamente os raros efeitos colaterais.
“As estatinas são uma das intervenções médicas mais seguras e eficazes para reduzir o risco cardiovascular. Qualquer afirmação em contrário deve ser vista com ceticismo e analisada criticamente”, reforça Dra. Bruna.
Nem todo colesterol alto precisa de tratamento
Um ponto importante é que nem todos os pacientes com colesterol elevado precisam de medicação. O tratamento deve ser guiado por uma avaliação individualizada do risco cardiovascular, incluindo:
• Histórico familiar de doenças cardiovasculares.
• Presença de fatores de risco como hipertensão, diabetes e tabagismo.
• Cálculo de risco global, como o uso de escores específicos (ex.: ASCVD ou PREVENT).
As metas de LDL também variam de acordo com o perfil de risco. Por exemplo, pacientes de muito alto risco cardiovascular, como aqueles com doença arterial coronariana, podem se beneficiar de níveis de LDL abaixo de 50 mg/dL, enquanto pessoas de baixo risco podem ser tratadas apenas com mudanças no estilo de vida.
“Medicina baseada em evidências é a chave. Não tratamos números, tratamos pessoas”, diz Dra. Bruna.
“Estudos observacionais levantam hipóteses, mas decisões médicas devem ser baseadas em ensaios clínicos randomizados, que têm maior rigor metodológico”, explica a especialista.
Por que o paradoxo não se sustenta?
O Paradoxo do Colesterol é resultado de falhas de interpretação e vieses. Estudos como HPS e PROSPER desmentem a ideia de que o LDL elevado é protetor. Fatores como doenças graves e inflamação, que podem reduzir o colesterol em idosos, confundem os resultados de estudos observacionais.
A disseminação de desinformação sobre colesterol e estatinas é perigosa. “Abandonar tratamentos comprovados por causa de fake news pode custar vidas. Devemos sempre nos basear em ciência de alta qualidade e consultar profissionais capacitados para interpretar as evidências.”
Embora o Paradoxo do Colesterol tenha levantado questionamentos, estudos como HPS, PROSPER, 4S e o consenso da European Atherosclerosis Society deixam claro que o LDL elevado é um fator causal de doenças cardiovasculares. Reduzi-lo continua sendo uma das medidas mais eficazes para prevenir infartos e AVCs, inclusive em idosos.
“Devemos sempre basear decisões em medicina baseada em evidências, garantindo que nossas escolhas sejam respaldadas pela ciência e pelo melhor interesse dos pacientes”, conclui Dra. Bruna.