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Saiba quem foi Grande Otelo, um dos mais importantes artistas da história do Brasil

Lívia Nolla
10:15 26.11.2024
Autor

Lívia Nolla

Cantora e Pesquisadora Musical
Arte e cultura

Saiba quem foi Grande Otelo, um dos mais importantes artistas da história do Brasil

Conheça a trajetória do mineiro Grande Otelo, ícone do cinema, teatro e televisão, e entenda por que ele é considerado um dos maiores nomes da cultura nacional

Lívia Nolla - 26.11.2024 - 10:15
Saiba quem foi Grande Otelo, um dos mais importantes artistas da história do Brasil
Grande Otelo | Imagem: Luciana Whitaker/Folha Imagem

Nascido Sebastião Bernardes de Souza Prata, em Uberlândia, Minas Gerais, no ano de 1915, Grande Otelo é um dos artistas mais importantes da história do Brasil. 

Multifacetado, destacou-se como ator, comediante, cantor, compositor e roteirista, construindo uma carreira que atravessou décadas e deixou um legado inestimável. Com sua versatilidade e talento inconfundíveis, Grande Otelo conquistou o público e rompeu barreiras em uma época de profundas desigualdades sociais e raciais.

Considerado pelo diretor norte-americano Orson Welles como um dos maiores atores do mundo, trabalhou no teatro, no rádio, no cinema e na televisão. 

Otelo ficou conhecido por ser o primeiro artista negro a obter notoriedade na mídia nacional, não sem enfrentar diversos preconceitos e adversidades ao logo da vida e da carreira. 

Infância difícil: de Pequeno a Grande Otelo

Grande Otelo na infância | Foto: Reprodução

O pai do pequeno Sebastião morreu esfaqueado quando ele tinha apenas dois anos de idade. Quando sua mãe – uma cozinheira que tinha problemas com álcool – casou outra vez, ele aproveitou a visita de uma companhia de teatro mambembe a Uberlândia para escapulir. 

Em 1923, a cantora lírica e diretora da companhia, Abigail Parecis, se encantou com o talento do garoto e o adotou “de papel passado” e o levou para São Paulo. Em seu novo lar, ele tinha a tarefa de levar a filha de dona Abigail às aulas de piano. 

O artista ganhou o apelido de Grande Otelo uma vez que foi acompanhar a menina na Companhia Lírica Nacional e o maestro quis ouvir a sua voz do cantando. Por conta da voz de tenor de Sebastião, o maestro disse que um dia – quando ele crescesse – ele poderia cantar a famosa ópera Otello, de Giuseppe Verdi. 

Logo, Sebastião passou a ser chamado e assinar seu nome como Pequeno Otelo, por conta da sua baixa estatura. Mas, após a fama, a crítica carioca o denominou de Grande Otelo

Antes de tudo isso, ainda em Uberlândia, Sebastião viveu com a família Freitas, a primeira de três famílias que viriam a “adotá-lo”. A mãe dele trabalhava na casa da família como doméstica e ele pôde conviver com os filhos dos patrões e teve a oportunidade de estudar na escola Bueno Brandão, aprendendo francês, espanhol e inglês.

Foi em Uberlândia que Sebastião se relacionou com a Umbanda, a Congada e outras formas de cultura que o dotaram de significativa vontade de viver da arte. Segundo o próprio ator, sua vida artística começou na sua cidade, em um picadeiro de circo: 

“Pra mim, a primeira entrada que eu fiz foi uma beleza porque eu já era assim um palhaço da cidade, com a pouca idade que eu tinha. Então naquele dia o circo encheu mais pra ver o Bastiãozinho (…). Eu tinha uns sete anos…Bastiãozinho vestido com um vestido comprido e um travesseiro no bumbum e rebolando, de braço com o palhaço. Aí todo mundo riu, todo mundo achou graça….”

Já em São Paulo, na casa de Abigail, Grande Otelo passa a ser bastante maltratado por ela – que o devolve ao Juizado de Menores. É, então, adotado mais uma vez, pela família de Antônio de Queiroz, político influente da época. 

Os Queiroz o colocaram no Colégio Sagrado Coração de Jesus, de padres salesianos, onde Grande Otelo estudou até a terceira série ginasial.

Grande Otelo torna-se um dos maiores artistas do Brasil

Grande Otelo é um dos artistas mais importantes do Brasil | Foto: Reprodução

Em 1927, ainda criança, Grande Otelo participou da Companhia Negra de Revistas, fundada por Jayme Silva e pelo artista negro De Chocolat, a qual tinha também Pixinguinha como maestro.

Em 1932, entrou para a Companhia Jardel Jércolis, pai do ator Jardel Filho e um dos pioneiros do teatro de revista no Rio de Janeiro, onde passou a receber treinamento formal. 

Ali, o jovem ator começou a mostrar um talento único para a comédia e o drama, destacando-se em montagens do teatro de revista — um gênero teatral que mesclava música, humor e crítica social, muito popular nas primeiras décadas do século XX.

Suas apresentações logo se tornaram conhecidas e  – ao longo das décadas de 1930 a 1950 – o artista esteve em numerosas peças do teatro de revista.

Em 1939, Grande Otelo assinou um contrato com o movimentado Cassino da Urca, no Rio de Janeiro, para algumas apresentações com a famosa dançarina americana e naturalizada francesa Josephine Baker. 

Em 1942 participou do filme inacabado It’s All True, de Orson Welles. O diretor norte-americano considerava Grande Otelo o maior ator brasileiro.

Em 1950, o ator estava no auge da carreira e já era há muito consagrado pelo público. Ele fez inúmeras parcerias no cinema, sendo a mais conhecida com o humorista Oscarito. Depois, os produtores formariam uma nova dupla dele com o cômico paulista Ankito. 

No final dos anos 1950, Grande Otelo também formou dupla em vários espetáculos musicais e também no cinema, com a atriz Vera Regina.

Entre seus trabalhos estão os filmes:

– Moleque Tião (1943)

– Este Mundo é um Pandeiro (1947) 

– Carnaval no Fogo (1949) 

– Aviso aos Navegantes (1950)

– Rio Zona Norte (1957)

Macunaíma

Grande Otelo em cena do filme Macunaíma

Foi em 1969, Grande Otelo viveu o seu papel mais notável: personagem título no filme Macunaíma, dirigido por Joaquim Pedro de Andrade e baseado na obra homônima de Mário de Andrade.

Sua atuação foi essencial para dar vida à narrativa que reflete a complexidade do Brasil.

Macunaíma é um anti-herói preguiçoso, descrito como “herói da nessa gente”, “herói sem nenhum caráter”, e ainda “representante do povo brasileiro”, um indígena que nasce negro e já adulto (Grande Otelo) em meio à selva amazônica, torna-se branco (Paulo José) e vai para a cidade grande, conhecendo prostitutas, guerrilheiros e enfrentando vários tipos de adversidades que encontra pelo caminho.

Com o filme, Grande Otelo recebeu diversos prêmios de melhor ator, como o Prêmio Air France, o Troféu Candango do Festival de Brasília e o Coruja de Ouro do Instituto Nacional de Cinema.

A partir da década de 1960, Otelo passou a ser contratado da TV Globo, emissora na qual atuou em diversas telenovelas de grande sucesso, como Uma Rosa com Amor (1972). 

Em 1974 estrelou ao lado de Miriam Batucada o famoso espetáculo Samba, Coisa e Tal, produzido por Haroldo Costa. Participou também do filme de Werner Herzog, Fitzcarraldo, de 1982, filmado na Amazônia. 

O diretor conta que, neste filme, Grande Otelo quase enlouqueceu o ator polaco-alemão Klaus Kinski, que “tinha o ego do tamanho da Amazônia”. Otelo precisava fazer uma cena em inglês mas resolveu falar em espanhol, idioma que Kinski desconhecia. Irado, Kinski retirou-se do set. Quando o filme estreou na Alemanha, aquela foi a única cena aplaudida pelo público.

No início da década de 1990, Otelo também participou do humorístico Escolinha do Professor Raimundo. Seu último trabalho foi na telenovela Renascer, em 1993, pouco antes de falecer.

Grande Otelo morreu em 26 de novembro de 1993, aos 78 anos de idade, devido a um infarto fulminante, quando desembarcava no Aeroporto de Paris-Charles de Gaulle, em Roissy-en-France, a 25 km de Paris, de onde seguiria para o Festival dos Três Continentes, em Nantes, para ser homenageado em um painel sobre “negritude no cinema”.

A importância de Grande Otelo como artista negro no Brasil

Grande Otelo na Escolinha do Professor Raimundo | Foto: Reprodução Globo

Grande Otelo não foi apenas um artista excepcional, mas também uma figura crucial para a representatividade negra no Brasil. Em uma época marcada pelo racismo institucionalizado, ele desafiou estereótipos e se destacou em espaços tradicionalmente dominados por artistas brancos.

Seus personagens, embora muitas vezes envolvidos em contextos cômicos, refletiam a inteligência, o carisma e a humanidade de um artista que entendia profundamente as questões sociais do Brasil. Otelo subvertia papéis que poderiam ser reduzidos ao estereótipo e os transformava em oportunidades para mostrar a complexidade e o talento de pessoas negras.

Além disso, sua carreira abriu portas para outros artistas negros, ajudando a construir uma base mais inclusiva nas artes brasileiras. Ele foi um dos primeiros a usar sua visibilidade para denunciar desigualdades raciais, ainda que de maneira sutil, em suas performances e entrevistas.

Sebastião, mesmo carregando o peso do nome Grande Otelo, recebia três vezes menos que Oscarito, humorista branco, com quem fez colaborações 16 vezes durante a carreira. Para além disso, Grande Otelo não era visto como o grande criador que era. Para a sociedade da época, um homem negro atuando era concebível, mas criando, não. “Para poder participar dos processos de criação ele mexia nos roteiros, modificava os personagens de forma a deixar as suas marcas.”, conta Tadeu Pereira, pesquisador que estuda a vida do artista há 20 anos.

Por mais de 60 anos, Grande Otelo foi protagonista de filmes, novelas e peças teatrais. Ele passou por todas as escolas do cinema brasileiro, se tornando um dos poucos negros à época a ocupar um lugar de destaque no cenário artístico brasileiro. 

“Sua presença é uma forma de mostrar a beleza, a singeleza, a qualidade da comunidade negra. Ele sabia que a sua permanência nesses espaços cotidianamente era uma forma de assegurar o espaço do negro nesses locais”, continua Tadeu.E conclui: “O Sebastião constrói um produto cultural, que é o Grande Otelo. É a sua grande contribuição, não tem como falar de cinema e do teatro brasileiro, sem falar da figura de Grande Otelo.”.

por Lívia Nolla

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Lívia Nolla é cantora, apresentadora e pesquisadora musical

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