Música afro-brasileira é tudo que ouvimos – Toda música brasileira é afro
Aquiles Argolo
Apaixonado por cultura pop, fanático por música e quadrinhos
Música afro-brasileira é tudo que ouvimos – Toda música brasileira é afro
Letieres Leite afirmava que “Toda música brasileira é afro-brasileira” e não precisamos espremer os miolos para perceber que o maestro estava certo
A brasileira mais ouvida no mundo hoje, Anitta, mistura o funk com afrobeats e funk. O funk notoriamente conhecido pela batida marcada e cantos que chamam para a ação, assim como os tambores de tribos africanas, guias também do Afrobeats, estilo musical que tem sido incorporado em canções do rap nacional e da MPB de novas artistas como Luedji Luna, Xênia França, Hiran, Baiana System, entre outros.
Outra revolução sonora oriunda da percussão marcada, que misturada ao rock, inspirou gerações de músicos através dos anos foi o manguebeat. Coco, maracatu e ciranda se misturavam à poesia de Nação Zumbi e Mundo Livre S/A para ecoar a denúncia social e o bom-humor do Nordeste para o Brasil.
Os dois exemplos contemporâneos acima são apenas pinceladas da certeira afirmação do maestro Letieres Leite quando disse que “Toda música brasileira é afro-brasileira”.
Conhecido por seu trabalho à frente da Orquestra Rumpilezz, projeto de vanguarda na mistura de jazz com ritmos afro-brasileiros, especialmente o candomblé e outros gêneros tradicionais, Leite reconhecia que a identidade vibrante da música brasileira advém das inegáveis influências dos povos negros que foram sequestrados para serem escravizados em terras brasileiras a partir do século XVI. Embora os corpos fossem torturados, suas culturas se entranharam em cada veia da produção musical nacional, como um manifesto impossível de ser apagado.
Ainda há quem negue, mas não existe absolutamente nenhum ritmo que escape de qualquer investigação histórica sobre as origens da nossa musicalidade. Além, claro da contribuição imensa dos povos originários, a influência africana impactou profundamente os ritmos desenvolvidos aqui. Se a diáspora foi uma tragédia, a música foi e é uma das formas de luta.
Gêneros como o samba, o já citado maracatu, a axé music, o pagode baiano, são compostos de elementos rítmicos, melódicos e instrumentais nascidos do outro lado do oceano, com atabaques e pandeiros caracterizando a linha que de tudo que é produzido aqui.
Samba é África, é Brasil
O estilo mais emblemático nascido dessa influência é o samba. Ele nasce da mistura de ritmos de diferentes regiões da África, misturado às tradições indígenas europeias. O samba conquista o Brasil e vira uma das mais duradouras potências de resistência afro-brasileira. Dele, Caetano Veloso, Jorge Ben, Gilberto Gil, Maria Bethânia, Gal Costa, Tom Zé, mais recentemente Lenine, Zeca Baleiro, Cássia Eller, Zélia Duncan, bebem para guiar a composição de discos históricos na MPB. E cita-se os medalhões, não como uma necessidade de validar a influência, mas para apontar que muito preconceito que se tem com ritmos afro, são diluídos quando validados por figuras que recebem aval de uma “elite” (com várias aspas).
Lembrando também que a celebrada bossa nova, embora suavizada, tem na levada do violão influências rítmicas afro-brasileiras, tendo como um de seus pais, um homem negro que foi esquecido como um dos pais do gênero, Johnny Alf, nome artístico de compositor, cantor e pianista, que influenciou nomes como João Gilberto, Tom Jobim e Luiz Bonfá.
O candomblé, religião de origem africana, traz em seus rituais canções que incorporam ritmos e instrumentos africanos, constantemente reverenciados por músicos brasileiros dos mais variados estilos.
Impacto e sucesso – Da MPB ao Hip Hop
Os anos 90 viram uma profusão de grupos de pagode tomar as rádios de assalto, conseguindo bater de frente com a explosão do sertanejo. Só Pra Contrariar, Raça Negra, Negritude Jr, conseguiram uma legião de fãs, lotando ginásios pelo Brasil com seu samba pop romântico, sem abandonar as características fundamentais percussivas, ainda que com menos intensidade, do samba. Enquanto isso, nas periferias paulistanas, o Racionais MC´s usavam as batidas fortes vindas do hip-hop norte-americano e incorporaram samples de Jorge Ben para denunciar as mazelas das favelas brasileiras.
Tomando um rumo mais festivo que o rap, artistas como Gilberto Gil, Caetano Veloso seguiam enaltecendo a influência africana, mas agora tendo como companhia Timbalada, Olodum, Margareth Menezes, todos filhos da existência do primeiro bloco afro do Brasil, o Ilê Aiyê, da Bahia, fundado em 1974 pela líder religiosa Hilda Dias dos Santos.
Respiramos música afro-brasileira mesmo sem saber
A influência africana na música brasileira formou essa miscelânea rica e multifacetada, que torna nossa produção musical tão única. Assim como o maestro Letieres Leite, devemos celebrar essa riqueza, valorizar a contribuição dos ancestrais africanos e indígenas que, apesar da dor a que foram relegados, deixaram uma sonoridade singular, somente encontrada no Brasil e que vai perdurar pelos séculos dos séculos que fizermos bem nosso trabalho de preservação da memória.
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Aquiles Argolo
Jornalista e editor do site Pretessências. Considera que escrever é como respirar e jornalismo só serve como antídoto para os males do mundo quando feito com responsabilidade.