
Livro ‘Tupinicópolis é aqui?’ relembra o antológico desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel de 1987

Livro ‘Tupinicópolis é aqui?’ relembra o antológico desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel de 1987
Publicação propõe debates e reúne depoimentos dos temas centrais levantados pelas alegorias do carnavalesco Fernando Pinto


O ano era 1987. Mas, na Marquês de Sapucaí, o futuro já estava em andamento. Um futuro ao mesmo tempo caótico e apoteótico; uma alegoria retrofuturista que misturava consciência ambiental e crítica social numa espécie de delírio tupiniquim. No desfile Tupinicópolis, da Mocidade Independente de Padre Miguel, o carnavalesco Fernando Pinto imaginou uma megalópole indígena aos moldes da sociedade contemporânea para reverberar as discussões pré-Constituição de 1988 que supostamente assegurariam os direitos dos povos originários a suas terras.
Agora, esse desfile é revisitado e rediscutido com o lançamento, pela WMF Martins Fontes, do livro Tupinicópolis é aqui?, que acontece em 15 de maio na ABAC – Academia Brasileira de Artes Carnavalescas, no Rio de Janeiro. Organizada pela colecionadora Alayde Alves e produzida pelos curadores Clarissa Diniz, Leonardo Antan e Thais Rivitti, a obra traz ensaios e debates com artistas e pesquisadores da área, combinados a fotografias e criações visuais, no âmbito do projeto No Barracão, que visa valorizar a arte carnavalesca ao inseri-la nas discussões do circuito das artes contemporâneas.
SOBRE O DESFILE – TUPINICÓPOLIS
“E a oca virou taba / A taba virou metrópole / Eis aqui a grande Tupinicópolis”, dizia o samba-enredo composto por Gibi, Chico Cabeleira, Nino Bater a J. Moinhos e interpretado por Ney Vianna. Sim, após a demarcação de terras, a taba invadia o espaço caraíba e se transformava em cenário urbano.
Último capítulo de uma trilogia tupiniquim do carnavalesco Fernando Pinto, verdadeiramente brasileira, o desfile Tupinicópolis (1987), da Mocidade Independente de Padre Miguel – vice-campeão dos desfiles daquele ano, mas campeão na memória popular –, entrou para a história como uma revolução muito mais verde que amarela; muito mais tecnológica que primitiva; e, surpreendentemente, muito mais capitalista que tradicionalmente indígena.
No espetáculo, o carnavalesco provou que ecologia e ficção científica poderiam ser combinadas numa utopia reversa. Num futuro que remetia ao passado. Num mundo em que os povos nativos brasileiros venceriam as barreiras sociais e econômicas impostas pelos colonizadores e desfrutariam de uma sociedade moderna, uma taba-metrópole aos moldes “civilizacionais”, com suas facilidades e suas agruras, e descambariam para uma sociedade, embora mais ecológica, igualmente capitalista, consumista e egocentrada.
Nessa cidade tupinicolizada, com sede na Tupioca dos Poderes, a moeda guarani dava a seus habitantes o poder de compra na Farmácia Raoni, no Shopping Boitatá, no Supermercado Casa das Onças; os tupinicopolitanos divertiam-se ainda na Discoteca Saci, no Cassino Eldorado, no Tupy Iate Clube, no Cine Marajoara e até no Bordel da Uiara; as Forças Armadas vinham representadas pelo Tatu Guerreiro, pelo Gaviavião e por alas como a Marinha Tupinicopolitana. Para completar, o carro Lixo do Luxo trazia escombros de eletrodomésticos e réplicas em lixo de pontos como o Cristo Redentor e o Elevador Lacerda, numa alusão ao filme Planeta dos macacos (1968) e deixando claro que o passado branco ficara para trás.
Muitos disseram que o vice-campeonato fora injusto. A sátira bem-humorada do enredo pós-tupiniquim e a ousadia de Fernando Pinto marcariam de fato os desfiles daquele ano, que deram à Mangueira o título por apenas um ponto de diferença. Mas Tupinicópolis permaneceria na memória do Carnaval como uma experiência tropical, tropicalista, antropofágica, surreal.
Veja também:

TUPINICÓPOLIS É AQUI?
Seguindo a lógica dos debates, o livro é dividido em quatro temas representativos da discussão acerca do desfile de Fernando Pinto, da importância social e histórica da representação indígena em Tupinicópolis e do futuro dessa arte por tantas vezes privada de prestígio no circuito artístico nacional. São eles: Tropicalismo e cultura marginal; Culturas indígenas e alteridade; Futuro e ficção científica; e Arte, protagonismo e capitalismo.
Além de um texto introdutório de Alayde Alves e análises dos curadores Clarissa Diniz, Leonardo Antan e Thais Rivitti, Tupinicópolis é aqui? conta com ensaios de Fred Coelho, Eliane Potiguara, Erick Nakanome, Fausto Fawcett e Mauro Cordeiro. Os autores discorrem sobre a representação indígena (de ontem e de hoje), a cultura do Carnaval, seu futuro e sua relação com o capitalismo – todos temas ligados ao memorável desfile de 1987. Há, ainda, um depoimento do artista e curador Marcelo Velasco, amigo e colega de Fernando Pinto no barracão da Mocidade Independente, que relembra o processo criativo do espetáculo vice-campeão e os desafios para viabilizá-lo.
Como não poderia deixar de ser, a publicação traz um resgate de dezenas de registros visuais da atuação de Fernando Pinto no Carnaval e da passagem de seu icônico desfile pela avenida. São fotografias de Juha Tamminen, Marcelo Velasco e Márdio Silva Júnior e arquivos da Agência O Globo. A iconografia é complementada, por fim, com trabalhos de André Rodrigues, Antonio Vieira, Guerreiro do Divino Amor e Moara Tupinambá — que acolheram a temática indígena e do Carnaval para criar interpretações críticas da cultura popular, da resistência indígena e do retrofuturismo tupiniquim de Tupínicópolis.
SERVIÇO:
O QUÊ: Lançamento do livro Tupinicópolis é aqui? (São Paulo: WMF Martins Fontes, 2025)
QUANDO: 15 de maio de 2025, a partir das 17h
ONDE: Sede da ABAC – Academia Brasileira de Artes Carnavalescas
ENDEREÇO: Travessa do Ouvidor, 9, Centro – Rio de Janeiro – RJ