Ouça ao vivo
No ar agora

Gilka Machado: conheça as principais obras da poeta brasileira

Lívia Nolla
15:32 14.12.2024
Autor

Lívia Nolla

Cantora e Pesquisadora Musical
Arte e cultura

Gilka Machado: conheça as principais obras da poeta brasileira

Listamos as principais obras e fatos importantes da poeta brasileira Gilka Machado, conhecida por ser a pioneira da poesia erótica no Brasil

Lívia Nolla - 14.12.2024 - 15:32
Gilka Machado: conheça as principais obras da poeta brasileira
A poeta Gilka Machado | Imagem: Reprodução (Hemeroteca da Biblioteca Nacional)

Você já ouviu falar na poeta brasileira Gilka Machado?

“Gilka foi a primeira mulher nua da poesia brasileira”, escreveu Carlos Drummond de Andrade, na sua coluna do dia 18 de dezembro de 1980, no “Jornal do Brasil”, dedicada à memória da poeta, que havia morrido naquela semana. 

“As mulheres que gozam hoje de plena liberdade literária para cantar as expansões do instinto e as propriedades eróticas do corpo deviam ser gratas a essa antecessora, viúva pobre, que ganhava a vida com esforço e gostava de estar ‘toda nua, completamente exposta à volúpia do vento’”.

Quem foi Gilka Machado?

Nascida no Rio de Janeiro, no ano de 1893, Gilka Machado cresceu e formou-se em um ambiente familiar de artistas e intelectuais. Sua mãe era atriz de teatro e radioteatro e seu pai era poeta.

Uma das únicas mulheres representantes do Simbolismo e pioneira da poesia erótica no Brasil, no primeiro concurso de poesia que ganhou, aos 14 anos, no jornal “A Imprensa”, foi logo taxada por críticos literários de “matrona imoral” pelo conteúdo dos versos (ela ganhou não só o primeiro lugar, como o segundo e o terceiro, graças aos pseudônimos que usou).

Com sua obra marcada pelo escândalo (ou incômodo!) de sua ousadia, Gilka Machado sofreu a incompreensão daqueles que só liam retorcidamente os seus versos, julgando-a devassa ou libertina.

O seu primeiro livro, “Cristais Partidos”, foi publicado aos 22 anos. Nesta época, Gilka Machado já estava casada desde os 17 com o também poeta carioca Rodolpho Machado, que morreu precocemente. 

Viúva, pobre e com dois filhos para criar, foi diarista na Central do Brasil e complementava a renda fazendo pensão. Foi quando, em 1933, ganhou um concurso da revista “O Malho”, que deu a ela o título de “maior poetisa do Brasil”. 

Em seus mais de 10 livros lançados em vida, Gilka Machado explorava temas além do erotismo, como a saudade, a situação da mulher, seu papel cívico e seus direitos políticos, e até futebol:

  • Cristais Partidos (1915)
  • A Revelação dos Perfumes (1916)
  • Estados de Alma (1917)
  • Poesias, 1915/1917 (1918)
  • Mulher Nua (1922)
  • O Grande Amor (1928)
  • Meu Glorioso Pecado (1928)
  • Carne e Alma (1931)
  • Sonetos y Poemas de Gilka Machado (1932 – na Bolívia)
  • Sublimação (1938)

Desgostosa, abandonou a poesia a partir de 1938, só lançando muito esporadicamente algumas coletâneas depois: 

  • Meu Rosto (1947)
  • Velha Poesia (1968)
  • Poesias Completas (1978)

“Amei tantos a todos e a tudo que não sobrou amor para mim mesmo”, escreveu certa vez. 

Depois de sua morte, aos 87 anos, em dezembro de 1980, teve suas poesias organizadas em mais dois livros:

  • Poesias Completas (1992), Organizado por Eros Volúsia
  • Poesia Completa (2017), Organizado por Jamyle Rkain

Em 1910, Gilka integrou as iniciativas para fundar o Partido Republicano Feminino, que defendia o voto das mulheres e lutava por sua valorização social.

No ano anterior à morte, a poeta tinha sido agraciada com o Prêmio Machado de Assis, pela Academia Brasileira de Letras.

Hoje, apresentamos 10 poemas de Gilka Machado, para que você conheça mais sobre a obra desta importante poeta, esquecida injustamente pelo tempo.

Gilka Machado – Revista O Malho, nº 1578, de março de 1933 | Acervo: Biblioteca Nacional Digital / Hemeroteca Digital

10 poemas de Gilka Machado

1 – Saudade

De quem é esta saudade

que meus silêncios invade,

que de tão longe me vem?

De quem é esta saudade,

de quem?

Aquelas mãos só carícias,

Aqueles olhos de apelo,

aqueles lábios-desejo…

E estes dedos engelhados,

e este olhar de vã procura,

e esta boca sem um beijo…

De quem é esta saudade

que sinto quando me vejo?

(Velha poesia, 1965)

2 – Sensual

Quando, longe de ti, solitária, medito

neste afeto pagão que envergonhada oculto,

vem-me às narinas, logo, o perfume esquisito

que o teu corpo desprende e há no teu próprio vulto.


A febril confissão deste afeto infinito

há muito que, medrosa, em meus lábios sepulto,

pois teu lascivo olhar em mim pregado, fito,

à minha castidade é como que um insulto.


Se acaso te achas longe, a colossal barreira

dos protestos que, outrora, eu fizera a mim mesma

de orgulhosa virtude, erige-se altaneira.


Mas, se estás ao meu lado, a barreira desaba,

e sinto da volúpia a escosa e fria lesma

minha carne poluir com repugnante baba…

3 – Ser mulher…

Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada

para os gozos da vida, a liberdade e o amor;

tentar da glória a etérea e altívola escalada,

na eterna aspiração de um sonho superior…


Ser mulher, desejar outra alma pura e alada

para poder, com ela, o infinito transpor;

sentir a vida triste, insípida, isolada,

buscar um companheiro e encontrar um Senhor…


Ser mulher, calcular todo o infinito curto

para a larga expansão do desejado surto,

no ascenso espiritual aos perfeitos ideais…


Ser mulher, e oh! Atroz, tantálica tristeza!

ficar na vida qual uma águia inerte, presa

nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

Cristais Partidos (1915)

4 – Reflexão

Há certas almas

como as borboletas,

cuja fragilidade de asas

não resiste ao mais leve contato,

que deixam ficar pedaços

pelos dedos que as tocam.

Em seu vôo de ideal,

deslumbram olhos,

atraem as vistas:

perseguem-nas,

alcançam-nas,

detém-nas,

mas, quase sempre,

por saciedade

ou piedade,

libertam-nas outra vez.

Ela, porém, não voam como dantes,

ficam vazias de si mesmas,

cheias de desalento…

Almas e borboletas,

não fosse a tentação das cousas rasas;

– o amor de néctar,

– o néctar do amor,

e pairaríamos nos cimos

seduzindo do alto,

admirando de longe!…

(Sublimação, 1928)

5 – Na plena solidão de um amplo descampado

Na plena solidão de um amplo descampado,

penso em ti e que tu pensas em mim suponho;

tenho toda a feição de um arbusto isolado,

abstrato o olhar, entregue à delícia de um sonho.


O Vento, sob o céu de brumas carregado,

passa, ora langoroso, ora forte, medonho!

e tanto penso em ti, ó meu ausente amado!

que te sinto no Vento e a ele, feliz, me exponho.


Com carícias brutais e com carícias mansas,

cuido que tu me vens, julgo-me toda tua…

– sou árvore a oscilar, meus cabelos são franças…


E não podes saber do meu gozo violento,

quando me fico, assim, neste ermo, toda nua,

completamente exposta à Volúpia do Vento!

Estados de alma (1917)

6 – Troversando

Do sucesso na subida

nunca te orgulhes demais

muito difícil na vida

é conservar o cartaz

Eu não explico a ninguém

pois ainda não compreendi

porque te chamo meu bem

se sofro tanto por ti.

Entre nuvens no infinito,

sofro a prisão mais prisão…

Sinto-me pássaro aflito

na gaiola de um avião.

Não rias do que te digo

mas sempre na nossa alcova

eu quisera estar contigo

como escova sobre escova.

Do meu coração me espanto!

O amor só me deu pesar,

como tendo amado tanto

tenho ainda amor para dar?!…

Velha Poesia (1965)

7 – Ânsia Múltipla

Beija-me Amor,

beija-me sempre e mais e muito mais,

– em minha boca esperam outras bocas

os beijos deliciosos que me dás!


Beija-me ainda,

ainda mais!

Em mim sempre acharás

à tua vinda

ternuras virginais.


Beija-me mais, põe o mais cálido calor

nos beijos que me deres,

pois viva em mim a alma de todas as mulheres

que morreram sem amor!…

Mulher Nua (1922)

8 – Mal assomou à minha ansiosa vista

Mal assomou à minha ansiosa vista

o teu perfil que invoca o dos rajás

senti-me mais mulher e mais artista,

com requintes de sonhos orientais.


Do teu amor à esplêndida conquista,

minha carne e minha alma são rivais:

far-me-ei a sempre inédita, a imprevista,

para que cada vez me queiras mais.


Feitas de sensações extraordinárias,

aguardam-te em meu ser mulheres várias,

para teu gozo, para teu festim.


Serás como os sultões do velho Oriente,

só meu, possuindo, simultaneamente,

as mulheres ideais que tenho em mim…

Meu Glorioso Pecado (1928)

9 – Fecundação

Teus olhos me olham

longamente,

imperiosamente…

de dentro deles teu amor me espia.

Teus olhos me olham numa tortura

de alma que quer ser corpo,

de criação que anseia ser criatura

Tua mão contém a minha

de momento a momento:

é uma ave aflita

meu pensamento

na tua mão.

Nada me dizes,

porém entra-me a carne a persuasão

de que teus dedos criam raízes

na minha mão.

Teu olhar abre os braços,

de longe,

à forma inquieta de meu ser;

abre os braços e enlaça-me toda a alma.

Tem teu mórbido olhar

penetrações supremas

e sinto, por senti-lo, tal prazer,

há nos meus poros tal palpitação,

que me vem a ilusão

de que se vai abrir

todo meu corpo

em poemas.

(Sublimação, 1928)

10 – Lembranças

Teus retratos — figuras esmaecidas;

mostram pouco, muito pouco do que foste.

Tuas cartas — palavras em desgaste,

dizem menos, muito menos

do que outrora me diziam

teus silêncios afagantes…

Só o espelho da minha memória

conserva nítida, imutável

a projeção de tua formosura,

só nos folhos dos meus sentidos

pairam vívidas

em relevo

as frases que teu carinho

soube nelas imprimir.

Sou a urna funerária de tua beleza

que a saudade

embalsamou.

Quando chegar o meu instante derradeiro

só então, mais do que eu,

tu morrerás

em mim.

Velha Poesia (1965)

por Lívia Nolla

Siga a Novabrasil nas redes

Google News

Tags relacionadas

brasil brasilidade cultura feminismo gilka machado literatura literatura brasileira mulher Poesia poesia erótica
< Notícia Anterior

Biografia de Pelé é contada em audiolivro infantil com narração de Gilberto Gil

14.12.2024 13:28
Biografia de Pelé é contada em audiolivro infantil com narração de Gilberto Gil
Próxima Notícia >

Músicas Natalinas: as brasileiras que não podem ficar de fora da sua playlist de Natal

14.12.2024 15:45
Músicas Natalinas: as brasileiras que não podem ficar de fora da sua playlist de Natal
colunista

Lívia Nolla

Lívia Nolla é cantora, apresentadora e pesquisadora musical

Suas redes