Alguma coisa acontece no meu coração

Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi

Da dura poesia concreta de tuas esquinas

Da deselegância discreta de tuas meninas

Neste 25 de janeiro, a cidade de São Paulo completa 468 anos de existência. A data foi estabelecida em homenagem à fundação do Colégio dos Jesuítas, considerado o marco zero da maior capital brasileira e maior metrópole da América do Sul.

Com suas belezas e contradições, São Paulo já foi tema de muitas músicas da nossa MPB. Talvez a principal delas seja Sampa, que o baiano Caetano Veloso escreveu como um hino de amor à cidade.

Na canção – que realmente virou um hino paulistano –  Caetano fala sobre suas impressões ao chegar em São Paulo pela primeira vez, nos anos 60 – aos 22 anos – acompanhando a irmã Maria Bethânia, que ia estrear (e estourar!) sua carreira musical ao substituir Nara Leão no emblemático espetáculo de protesto Opinião.

A primeira impressão de Caetano sobre a cidade não foi das melhores: “Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto / Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto (…) E foste um difícil começo / Afasto o que não conheço / E quem vende outro sonho feliz de cidade / Aprende depressa a chamar-te de realidade / Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso”.

Caetano se deparou com a dura poesia concreta, a dura realidade política e a imensa desigualdade social da cidade: “Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas / Da força da grana que ergue e destrói coisas belas / Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas.”

Mas… não demorou muito para o baiano também se apaixonar pela deselegância discreta paulistana: seu coração bateu mais forte quando cruzou o principal encontro entre avenidas da cidade (a Ipiranga com a São João), mas também quando mergulhou de cabeça na cultura paulistana, conhecendo grandes artistas e movimentos da capital paulista.

Entre eles, a cantora e compositora paulistana Rita Lee (a quem atribui justamente o título d e “a mais perfeita tradução” da cidade), a poesia concretista de Jorge Mautner (Deus da Chuva e da Morte é o primeiro romance do poeta), o escritor José Agrippino de Paula (autor do livro Panamérica), os movimentos de vanguarda e os modernistas Oswald e Mário de Andrade, o diretor Zé Celso Martinez (do famoso Teatro Oficina, que fica no centro da cidade).

A canção foi composta para um programa de TV no aniversário de São Paulo, em 1978, quando Caetano já morava no Rio, e entrou para o seu o LP Muito, do mesmo ano. Em entrevistas, Caetano conta que o samba-canção Ronda, música de Paulo Vanzolini, foi inspiração para criar a composição. A canção de Paulo termina com o verso “Cena de sangue num bar da Avenida São João”, que deu origem também ao primeiro verso da música de Caetano.

Outro compositor que retratou São Paulo de forma magistral foi o também paulista Adoniran Barbosa, lá nos anos 50, com diversas canções que falavam do cotidiano da cidade, como os clássicos Trem das Onze, Samba do Arnesto, Viaduto Santa Ifigênia e Saudosa Maloca. Em 1968, quando foi morar na metrópole, Tom Zé também já tinha cantando sobre as durezas e belezas da cidade, na excelente e sempre atual São, São Paulo. Depois, Gil nos trouxe a o Punk da Periferia, em 1983.  Na contemporaneidade, temos Criolo, um dos maiores poetas paulistanos, que escreve sobre a realidade de sua cidade como ninguém.

Fizemos uma seleção com mais algumas canções que são o retrato da cidade que completa mais um ano de vida hoje (uma delas é uma espécie de resposta de Jair Oliveira para a música de Caetano)! Confira!