
Discos Antológicos: Caetano Veloso (1971)
Discos Antológicos: Caetano Veloso (1971)
Celebres álbuns da nossa MPB completaram mais de 50 anos, como verdadeiros marcos históricos e culturais na nossa música. Um desses Discos Antológicos é, sem dúvidas, Caetano Veloso, de 1971 – a forma que o mestre baiano encontrou para enfrentar a solidão do exílio, durante a Ditadura Militar no Brasil. Vamos nos aprofundar? No auge … Continued


Celebres álbuns da nossa MPB completaram mais de 50 anos, como verdadeiros marcos históricos e culturais na nossa música. Um desses Discos Antológicos é, sem dúvidas, Caetano Veloso, de 1971 – a forma que o mestre baiano encontrou para enfrentar a solidão do exílio, durante a Ditadura Militar no Brasil. Vamos nos aprofundar?

No auge da Ditadura Militar no Brasil, Caetano Veloso e Gilberto Gil tiveram que se exilar na Europa
Caetano enfrentou uma forte depressão no período
Em tempos duros de repressão – no auge da Ditadura Militar e diante da recente instauração do Ato Institucional nº 5, Caetano Veloso e Gilberto Gil – já grandes ídolos de uma geração e líderes do movimento Tropicalista, que havia transformado para sempre a música popular brasileira com suas inovações estéticas – sofreram forte censura e perseguição, foram presos em novembro de 1968 e, no ano seguinte, obrigados a se exilar em Londres, onde permanecem até o ano de 1972.
Durante o tempo que viveram no exílio, enquanto Gil se sentia animado em tentar se enturmar com os artistas locais e conhecer mais da música inglesa, Caetano é tomado por uma profunda tristeza e mergulha numa forte depressão por conta da situação de privação de suas liberdades e também da saudade do calor nosso país (do clima e do povo brasileiro), o que fez com que o artista passasse por um momento mais quieto e introvertido.

Para enfrentar a dor e sofrimento, resolveu colocar seus sentimentos em música. Assim nasceu o álbum Caetano Veloso (1971)
Ele só resolveu falar de novo e encarar a dor e a saudade, fazendo o que sabe fazer de melhor: em forma de canção. Foi assim que nasceu o belíssimo – e de certa forma triste e melancólico – disco Caetano Veloso (1971), que completou 50 anos em 2021.
Foi fazendo música que Caetano conseguiu encontrar um conforto para a sua solidão e tristeza no exílio, após dois anos sem lançar nada.
Até a capa do disco reflete o momento que o artista vivia. Na foto, vestido com um casaco de peles que parece o proteger do frio e da frieza dos tempos de exilado e de uma Londres cinzenta e chuvosa, ele nos olha fixamente, com um olhar extremamente sério, triste e penetrante, como se estivesse nos pedindo socorro.

As sete faixas do disco (quase todas em inglês) traduzem a dor de Caetano por ter que sair a força do Brasil
As sete faixas do disco, quase todas em inglês, traduzem – em suas letras, arranjos e melodias – a dor de Caetano por ter sido arrancado à força de seu país. As canções trazem influências da música inglesa, com a qual Caetano fazia contato – principalmente dos Beatles – mas também fazem referência, o tempo todo, à MPB que o formou.
Todas as faixas são formatadas – inclusive – a partir do violão de Caetano, primeira vez que ele toca o instrumento em um disco, pois antes não se sentia seguro para isso. Os produtores ingleses o incentivaram a tocar, por admirarem a performance do artista brasileiro ao violão.
‘Caetano Veloso’ (1971), faixa a faixa
A seguir, revisite faixa por faixa do antológico disco. Recomendamos que você escute cada faixa antes de ler sua interpretação descrita abaixo.
A Little More Blue
O disco inicia com a canção A Little More Blue, em que Caetano escancara a dor que sente naquele momento exato, vivendo em Londres (dá pra sentir a tristeza na sua voz e nos acordes do violão), e diz que não sabe explicar porque hoje se sente ainda mais triste do que nunca:
*A canção é em inglês e essa é a tradução literal de um trecho para o português:
“Um dia eu tive que deixar meus país, praia calma e palmeira / Nesse dia eu não pude nem mesmo chorar / E esqueci-me de que lá fora havia outros homens / Mas hoje, mas hoje, mas hoje, eu não sei por que / Eu me sinto um pouco mais triste do que então”.
London London
A balada que virou um clássico da MPB, London London, traz um resgate ao Brasil, com uma forte influência da bossa nova e do violão de João Gilberto (acompanhado de uma doce flauta transversal) e nos conta sobre caminhar solitário contra o vento londrino – que Caetano considera uma cidade amável, “de grama verde, olhos azuis e céu cinza” – mas onde não consegue sentir nem medo, nem esperança.
Caetano também nos aponta para a contradição de os policiais ingleses serem acolhedores e prestativos, diferente daqueles que o perseguiram e prenderam no Brasil.
Maria Bethânia
Na canção Maria Bethânia, Caetano faz um jogo de palavras com o nome da irmã cantora (que por sinal foi ele quem escolheu) e a palavra da língua inglesa “better”, que significa “melhor”. Ele pede que a irmã, por favor, lhe escreva uma carta, pois ele deseja saber que as coisas no Brasil estão melhorando:
“Maria Bethânia, please send me a letter / I wish to know things are getting better / Better, better, beta, beta, Bethânia”.
Esse é o refrão da canção e é cantado de forma leve e amorosa. Mas quando entra a outra parte da música, que fala sobre a ansiedade e angústia de viver nos dias atuais, escutamos um Caetano duro, quase bravo, e assertivo.
If I Hold A Stone
O tradicional samba de roda de domínio público, Marinheiro Só serve de base para a faixa If I Hold A Stone, uma canção que fala da saudade que Caetano sente do Brasil, reforçada ainda mais pela inserção do trecho de Quero Voltar Pra Bahia, canção-hino que os amigos Paulo Diniz e Odibar fizeram especialmente para o exílio de Caetano:
“Eu não sou daqui / Eu não tenho amor / Eu sou da Bahia / De São Salvador”
“Eu não vim aqui / Para ser feliz / Cadê meu sol dourado / E cadê as coisas do meu país?”
“If you hold a stone / Hold it in your hand / If you feel the weight / You’ll never be late / To understand”
Shoot Me Dead
Em Shoot Me Dead, o artista canta sobre a incerteza e crítica a desinformação, num jogo de palavras truncadas que trazem menos certezas ainda para quem tenta decifrá-las.
No fim da canção, traz de novo o resgate à brasilidade ao clamar pela figura simbólica da “morena”, citada em outras de suas canções como Tua Presença Morena.
In the hot sun of a Christmas Day
A única canção em parceria do disco é com o seu também parceiro de exílio, Gilberto Gil: In the hot sun of a Christmas Day. Nela, Caetano conta sobre uma perseguição policial, sobre o sol quente de um dia de Natal, em que ele – fugindo – passa por pessoas que estão cegas, não o enxergam, não enxergam sua dor, sua condição. Parece que ele está em um sonho – ou um pesadelo – e tudo o que ele precisa é do amor de sua garota. No fim, os policiais matam outra pessoa.
Asa Branca
A única canção inteiramente em português e não autoral do disco é uma releitura de Asa Branca, clássica toada do sertão, de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira. Um forte resgate de Caetano às suas raízes, cantado de forma quase que desesperada, nostálgica e emocionante:
“Hoje longe, muitas léguas / Nessa triste solidão / Espero a chuva cair de novo / Pra mim vortar pro meu sertão”
Somente sete faixas e uma obra-prima.