Nesta segunda-feira, 07 de novembro, é comemorado os 121 anos de Cecília Meireles. Nascida no Rio de Janeiro, ela se destacou como jornalista, escritora, professora, cronista e pintora. 

Um dos maiores nomes da literatura nacional, Cecília Meireles publicou mais de 50 obras e foi contemplada com o Prêmio de Poesia Olavo Bilac, o Prêmio Jabuti e o Prêmio Machado de Assis. A escritora perdeu o pai antes de nascer e a mãe aos 3 anos de idade. Por isso, foi criada pela avó materna, Jacinta Garcia Benevides.  

Em 1917, Cecília se formou como professora na Escola Normal do Rio de Janeiro. Em 1919, aos 18 anos, ela lançou sua primeira obra chamada Espectros, que contava com 17 sonetos.

Cecília Meireles foi um dos grandes nomes da literatura brasileira
Cecília Meireles foi um dos grandes nomes da literatura brasileira. | Foto: Montagem Reprodução.

A escritora também atuou como jornalista e colaborou com a imprensa carioca escrevendo textos sobre o folclore. Em 1934, ela fundou a primeira biblioteca infantil do Rio de Janeiro.

Cecília Meireles também atuou como professora em universidades como a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Universidade do Texas. Em suas aulas, ela lecionava sobre a Literatura Luso-Brasileira.

Grande nome da literatura brasileira, Cecília não estava filiada a nenhum movimento literário específico, mas seus poemas, de maneira geral, se encaixam nas características da lírica luso-brasileira. A seguir, veja 10 poemas da escritora para relembrar nesta data tão especial!

Confira 10 poemas de Cecília Meireles para relembrar no seu aniversário de 121 anos

Cecília Meireles morreu aos 63 anos em 1964, vítima de um câncer. Mas, mesmo anos depois, seu legado ainda é perpetuado na literatura nacional. Por isso, veja 10 poemas da escritora neste dia 07 de novembro.

1. Motivo 

Eu canto porque o instante existe

e a minha vida está completa.

Não sou alegre nem sou triste:

sou poeta.

Irmão das coisas fugidias,

não sinto gozo nem tormento.

Atravesso noites e dias

no vento.

Se desmorono ou se edifico,

se permaneço ou me desfaço,

— não sei, não sei. Não sei se fico

ou passo.

Sei que canto. E a canção é tudo.

Tem sangue eterno a asa ritmada.

E um dia sei que estarei mudo:

— mais nada.

2. Cenário 

Passei por essas plácidas colinas

e vi das nuvens, silencioso, o gado

pascer nas solidões esmeraldinas.

Largos rios de corpo sossegado

dormiam sobre a tarde, imensamente,

— e eram sonhos sem fim, de cada lado.

Entre nuvens, colinas e torrente,

uma angústia de amor estremecia

a deserta amplidão na minha frente.

Que vento, que cavalo, que bravia

saudade me arrastava a esse deserto,

me obrigava a adorar o que sofria?

Passei por entre as grotas negras, perto

dos arroios fanados, do cascalho

cujo ouro já foi todo descoberto.

As mesmas salas deram-me agasalho

onde a face brilhou de homens antigos,

iluminada por aflito orvalho.

De coração votado a iguais perigos

vivendo as mesmas dores e esperanças,

a voz ouvi de amigos e inimigos

Vencendo o tempo, fértil em mudanças,

conversei com doçura as mesmas fontes,

e vi serem comuns nossas lembranças.

Da brenha tenebrosa aos curvos montes,

do quebrado almocafre aos anjos de ouro

que o céu sustêm nos longos horizontes,

tudo me fala e entende do tesouro

arrancado a estas Minas enganosas,

com sangue sobre a espada, a cruz e o louro.

Tudo me fala e entendo: escuto as rosas

e os girassóis destes jardins, que um dia

foram terras e areias dolorosas,

por onde o passo da ambição rugia;

por onde se arrastava, esquartejado,

o mártir sem direito de agonia.

Escuto os alicerces que o passado

tingiu de incêndio: a voz dessas ruínas

de muros de ouro em fogo evaporado.

Altas capelas cantam-me divinas

fábulas. Torres, santos e cruzeiros

apontam-me altitudes e neblinas.

Ó pontes sobre os córregos! ó vasta

desolação de ermas, estéreis serras

que o sol frequenta e a ventania gasta!

Armado pó que finge eternidade,

lavra imagens de santos e profetas

cuja voz silenciosa nos persuade.

E recompunha as coisas incompletas:

figuras inocentes, vis, atrozes,

vigários, coronéis, ministros, poetas.

Retrocedem os tempos tão velozes

que ultramarinos árcades pastores

falam de Ninfas e Metamorfoses.

E percebo os suspiros dos amores

quando por esses prados florescentes

se ergueram duros punhos agressores.

Aqui tiniram ferros de correntes;

pisaram por ali tristes cavalos.

E enamorados olhos refulgentes

— parado o coração por escutá-los

prantearam nesse pânico de auroras

densas de brumas e gementes galos.

Isabéis, Dorotéias, Heliodoras,

ao longo desses vales, desses rios,

viram as suas mais douradas horas

em vasto furacão de desvarios

vacilar como em caules de altas velas

cálida luz de trêmulos pavios.

Minha sorte se inclina junto àquelas

vagas sombras da triste madrugada,

fluidos perfis de donas e donzelas.

Tudo em redor é tanta coisa e é nada:

Nise, Anarda, Marília… — quem procuro?

Quem responde a essa póstuma chamada?

Que mensageiro chega, humilde e obscuro?

Que cartas se abrem? Quem reza ou pragueja?

Quem foge? Entre que sombras me aventuro?

Quem soube cada santo em cada igreja?

A memória é também pálida e morta

sobre a qual nosso amor saudoso adeja.

O passado não abre a sua porta

e não pode entender a nossa pena.

Mas, nos campos sem fim que o sonho corta,

vejo uma forma no ar subir serena:

vaga forma, do tempo desprendida.

É a mão do Alferes, que de longe acena.

Eloquência da simples despedida:

“Adeus! que trabalhar vou para todos!…”

(Esse adeus estremece a minha vida.)

3. Lua Adversa 

Tenho fases, como a lua

Fases de andar escondida,

fases de vir para a rua…

Perdição da minha vida!

Perdição da vida minha!

Tenho fases de ser tua,

tenho outras de ser sozinha.

Fases que vão e que vêm,

no secreto calendário

que um astrólogo arbitrário

inventou para meu uso.

E roda a melancolia

seu interminável fuso!

Não me encontro com ninguém

(tenho fases, como a lua…)

No dia de alguém ser meu

não é dia de eu ser sua…

E, quando chega esse dia,

o outro desapareceu…

4. Retrato 

Eu não tinha este rosto de hoje,

Assim calmo, assim triste, assim magro,

Nem estes olhos tão vazios,

Nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,

Tão paradas e frias e mortas;

Eu não tinha este coração

Que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,

Tão simples, tão certa, tão fácil:

— Em que espelho ficou perdida

a minha face?

5. Nadador 

O que me encanta é a linha alada

das tuas espáduas, e a curva

que descreves, pássaro da água!

É a tua fina, ágil cintura,

e esse adeus da tua garganta

para cemitérios de espuma!

É a despedida, que me encanta,

quando te desprendes ao vento,

fiel à queda, rápida e branda

E apenas por estar prevendo,

longe, na eternidade da água,

sobreviver teu movimento…

6. Recado aos amigos distantes 

Meus companheiros amados,

não vos espero nem chamo:

porque vou para outros lados.

Mas é certo que vos amo.

Nem sempre os que estão mais perto

fazem melhor companhia.

Mesmo com sol encoberto,

todos sabem quando é dia.

Pelo vosso campo imenso,

vou cortando meus atalhos.

Por vosso amor é que penso

e me dou tantos trabalhos.

Não condeneis, por enquanto,

minha rebelde maneira.

Para libertar-me tanto,

fico vossa prisioneira.

Por mais que longe pareça,

ides na minha lembrança,

ides na minha cabeça,

valeis a minha Esperança.

7. Este é o lenço

Este é o lenço de Marília,

pelas suas mãos lavrado,

nem a ouro nem a prata,

somente a ponto cruzado.

Este é o lenço de Marília

para o Amado.

Em cada ponta, um raminho,

preso num laço encarnado;

no meio, um cesto de flores,

por dois pombos transportado.

Não flores de amor-perfeito,

mas de malogrado!

Este é o lenço de Marília:

bem vereis que está manchado:

será do tempo perdido?

será do tempo passado?

Pela ferrugem das horas?

ou por molhado

em águas de algum arroio

singularmente salgado?

Finos azuis e vermelhos

do largo lenço quadrado,

— quem pintou nuvens tão negras

neste pano delicado,

sem dó de flores e de asas

nem do seu recado?

Este é o lenço de Marília,

por vento de amor mandado.

Para viver de suspiros

foi pela sorte fadado:

breves suspiros de amante,

— longos, de degredado!

Este é o lenço de Marília

nele vereis retratado

o destino dos amores

por um lenço atravessado:

que o lenço para os adeuses

e o pranto foi inventado.

Olhai os ramos de flores

de cada lado!

E os tristes pombos, no meio,

com o seu cestinho parado

sobre o tempo, sobre as nuvens

do mau fado!

Onde está Marília, a bela?

E Dirceu, com a lira e o gado?

As altas montanhas duras,

letra a letra, têm contado

sua história aos ternos rios,

que em ouro a têm soletrado…

E as fontes de longe miram

as janelas do sobrado.

Este é o lenço de Marília

para o Amado.

Eis o que resta dos sonhos:

um lenço deixado.

Pombos e flores, presentes.

Mas o resto, arrebatado.

Caiu a folha das árvores,

muita chuva tem gastado

pedras onde houvera lágrimas.

Tudo está mudado.

Este é o lenço de Marília

como foi bordado.

Só nuvens, só muitas nuvens

vêm pousando, têm pousado

entre os desenhos tão finos

de azul e encarnado.

Conta já século e meio

de guardado.

Que amores como este lenço

têm durado,

se este mesmo está durando?

mais que o amor representado?

8. Segundo Motivo da Rosa 

Por mais que te celebre, não me escutas,

embora em forma e nácar te assemelhes

à concha soante, à musical orelha

que grava o mar nas íntimas volutas.

Deponho-te em cristal, defronte a espelhos,

sem eco de cisternas ou de grutas…

Ausências e cegueiras absolutas

ofereces às vespas e às abelhas.

E a quem te adora, ó surda e silenciosa,

e cega e bela e interminável rosa,

que em tempo e aroma e verso te transmutas!

Sem terra nem estrelas brilhas, presa

a meu sonho, insensível à beleza

que és e não sabes, porque não me escutas…

9. Romance XXI ou das ideias

A vastidão desses campos.

A alta muralha das serras.

As lavras inchadas de ouro.

Os diamantes entre as pedras.

Negros, índios e mulatos.

Almocrafes e gamelas.

Os rios todos virados.

Toda revirada, a terra.

Capitães, governadores,

padres intendentes, poetas.

Carros, liteiras douradas,

cavalos de crina aberta.

A água a transbordar das fontes.

Altares cheios de velas.

Cavalhadas. Luminárias.

Sinos, procissões, promessas.

Anjos e santos nascendo

em mãos de gangrena e lepra.

Finas músicas broslando

as alfaias das capelas.

Todos os sonhos barrocos

deslizando pelas pedras.

Pátios de seixos. Escadas.

Boticas. Pontes. Conversas.

Gente que chega e que passa.

E as ideias.

Amplas casas. Longos muros.

Vida de sombras inquietas.

Pelos cantos da alcovas,

histerias de donzelas.

Lamparinas, oratórios,

bálsamos, pílulas, rezas.

Orgulhosos sobrenomes.

Intrincada parentela.

No batuque das mulatas,

a prosápia degenera:

pelas portas dos fidalgos,

na lã das noites secretas,

meninos recém-nascidos

como mendigos esperam.

Bastardias. Desavenças.

Emboscadas pela treva.

Sesmarias, salteadores.

Emaranhadas invejas.

O clero. A nobreza. O povo.

E as ideias.

E as mobílias de cabiúna.

E as cortinas amarelas.

Dom José. Dona Maria.

Fogos. Mascaradas. Festas.

Nascimentos. Batizados.

Palavras que se interpretam

nos discursos, nas saúdes…

Visitas. Sermões de exéquias.

Os estudantes que partem.

Os doutores que regressam.

(Em redor das grandes luzes,

há sempre sombras perversas.

Sinistros corvos espreitam

pelas douradas janelas.)

E há mocidade! E há prestígio.

E as ideias.

As esposas preguiçosas

na rede embalando as sestas.

Negras de peitos robustos

que os claros meninos cevam.

Arapongas, papagaios,

passarinhos da floresta.

Essa lassidão do tempo

entre imbaúbas, quaresmas,

cana, milho, bananeiras

e a brisa que o riacho encrespa.

Os rumores familiares

que a lenta vida atravessam:

elefantíase; partos;

sarna; torceduras; quedas;

sezões; picadas de cobras;

sarampos e erisipelas…

Candombeiros. Feiticeiros.

Unguentos. Emplastos. Ervas.

Senzalas. Tronco. Chibata.

Congos. Angolas. Benguelas.

Ó imenso tumulto humano!

E as ideias.

Banquetes. Gamão. Notícias.

Livros. Gazetas. Querelas.

Alvarás. Decretos. Cartas.

A Europa a ferver em guerras.

Portugal todo de luto:

triste Rainha o governa!

Ouro! Ouro! Pedem mais ouro!

E sugestões indiscretas:

Tão longe o trono se encontra!

Quem no Brasil o tivera!

Ah, se Dom José II

põe a coroa na testa!

Uns poucos de americanos,

por umas praias desertas,

já libertaram seu povo

da prepotente Inglaterra!

Washington. Jefferson. Franklin.

(Palpita a noite, repleta

de fantasmas, de presságios…)

E as ideias.

Doces invenções da Arcádia!

Delicada primavera:

pastoras, sonetos, liras,

— entre as ameaças austeras

de mais impostos e taxas

que uns protelam e outros negam.

Casamentos impossíveis.

Calúnias. Sátiras. Essa

paixão da mediocridade

que na sombra se exaspera.

E os versos de asas douradas,

que amor trazem e amor levam…

Anarda. Nise. Marília…

As verdades e as quimeras.

Outras leis, outras pessoas.

Novo mundo que começa.

Nova raça. Outro destino.

Planos de melhores eras.

E os inimigos atentos,

que, de olhos sinistros, velam.

E os aleives. E as denúncias.

E as ideias.

10. Canção 

No desequilíbrio dos mares,

as proas giram sozinhas…

Numa das naves que afundaram

é que certamente tu vinhas.

Eu te esperei todos os séculos

sem desespero e sem desgosto,

e morri de infinitas mortes

guardando sempre o mesmo rosto.

Quando as ondas te carregaram

meu olhos, entre águas e areias,

cegaram como os das estátuas,

a tudo quanto existe alheias.

Minhas mãos pararam sobre o ar

e endureceram junto ao vento,

e perderam a cor que tinham

e a lembrança do movimento.

E o sorriso que eu te levava

desprendeu-se e caiu de mim:

e só talvez ele ainda viva

dentro destas águas sem fim.